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3. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 Constitucionalização do Direito do Consumidor

No plano do direito constitucional do consumidor, importantes para este trabalho são os ensinamentos de Adolfo Mamoru Nishiyama, o qual descreve que, historicamente, a proteção do consumidor está relacionada com o aparecimento da sociedade de consumo, quando houve o reconhecimento de que aquele é vulnerável em face dos grandes grupos econômicos.172

Como já mencionado, a inserção de dispositivos de proteção ao consumidor nos textos constitucionais, consoante Nishiyama, ocorreu na Constituição espanhola de 1978173

No Brasil, por seu turno, a proteção constitucional do Direito Consumidor foi efetivamente prevista na Constituição Federal de 1988.

Contudo, algumas normas de constituições brasileiras anteriores podem ser apontadas como preceitos precursores da preocupação do legislador constituinte em propiciar um mínimo de cobertura à parte hipossuficiente na relação de consumo.

A primeira previsão de norma constitucional que conferia certa proteção consumerista, embora de maneira indireta, foi encontrada na Constituição de 1824:

Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a

172

NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A Proteção Constitucional do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 23-24.

propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

(...)

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.174

A norma supra não consiste em pura norma consumerista, mas pelo fato de proibir comércio, indústria, cultura e trabalho que atentem contra os cidadãos em sua segurança e saúde, bem como contra os costumes públicos, já estabelecia aquela Lei Fundamental do Império um núcleo básico de direito fundamental da dignidade humana, que também acabava por atingir o consumidor, apesar de que, à época, tal princípio jurídico não fora contemplado no texto constitucional.

Segundo Luís Roberto Barroso, a dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio referente ao mandamento de respeito ao próximo, denotando-se aí sua origem religiosa, que foi transformado por Kant na filosofia em imperativo categórico.175

De acordo com Nicola Abbagano, o imperativo categórico foi criado por Kant, talvez por analogia com o termo bíblico "mandamento", para indicar a fórmula que expressa uma norma da razão.176

Com efeito, para Barroso, a norma da razão do Direito consiste no princípio da dignidade da pessoa humana, que está na origem dos direitos fundamentais e representa o núcleo essencial de cada um deles: individuais, políticos e sociais177.

Nesse diapasão, o direito do consumidor, obviamente inserido nesses direitos fundamentais, tem como seu núcleo a dignidade da pessoa humana, a qual neste caso exerce o papel de consumidora.

Bruno Miragem esclarece que o reconhecimento dos direitos básicos do consumidor, assim como também dos direitos da personalidade dos consumidores em uma relação de consumo, está voltado para o sentido de proteção, via legislativa, da integridade da pessoa humana, nas diferentes posições jurídicas que assume na vida de relações, pois, no caso dos direitos básicos do consumidor, o objetivo é preservar a pessoa humana consumidora em suas relações jurídicas e

174

BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de Março de 1824). Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm> Acesso em: 20.05. 2012.

175 BARROSO, p. 250, (c). 176

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 545.

econômicas concretas, protegendo seu aspecto existencial e seus interesses legítimos no mercado de consumo.178

Da proteção conferida pela Carta Magna de 1824 aos cidadãos em seus costumes públicos, em sua segurança e saúde transparece, portanto, um núcleo mínimo de direito do consumidor, mesmo que pareça restrito à integridade física e psicológica, pois aqueles são os sujeitos que assumem as posições jurídicas de consumidores na vida de relações como aduziu Miragem.

Em sequência, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891, que inaugurou o período republicano no País, nada prescreveu acerca de garantias aos consumidores.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 foi a primeira Lei Fundamental do País a tratar de direito de consumidor, in verbis:

Art. 5º - Compete privativamente à União: (...)

XIX - legislar sobre: (...)

i) comércio exterior e interestadual, instituições de crédito; câmbio e transferência de valores para fora do País; normas gerais sobre o trabalho, a produção e o consumo, podendo estabelecer limitações exigidas pelo bem público;179

Trata a norma constitucional supra da competência privativa da União para legislar em normas gerais sobre consumo, de maneira que reconhece a relação de consumo como uma área merecedora de legislação específica, com autonomia própria. Tal dispositivo merece destaque como norma precursora do Direito das Relações de Consumo.

Oportuna ainda a transcrição dos seguintes dispositivos da Constituição de 1934:

Art. 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.

Art. 117 - A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de

178

MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. Fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. Prefácio: Cláudia Lima Marques. São Paulo: Editora Revisa dos Tribunais, 2008, p. 118.

179

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm. Acesso em: 24.05.2012.

depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País. Parágrafo único - É proibida a usura, que será punida na forma da Lei.180

Os preceitos constitucionais supracitados acabam por proteger o consumidor indiretamente ao limitar a liberdade econômica, de maneira que seja possível uma existência digna a todo ser humano, e ao fomentar a economia popular, bem como ao proibir a usura.

Segundo Alessandro Alcino da Silva, a usura tem sido considerada, ao longo da história, uma prática condenável. Na época medieval, especialmente no período da Inquisição, a religião católica proibia a prática de cobrar juros nos empréstimos, encarando-a pecado, pois “cobrar juros era comprar tempo e o tempo pertence a Deus”.181

Na seara das relações de consumo, o impacto da usura é extremamente nocivo, principalmente porque, consoante Marcelo Azevedo Chamone:

[...] os que mais sofrem com as taxas de juros elevados não são os ricos, que, normalmente, têm posse para poupar, auferir juros elevados e depois consumir à vista. Já os mais pobres, que não têm renda suficiente para comprar à vista, sujeitando-se à obtenção de crédito, com juros reais extremamente elevados, que são então transferidos para os mais ricos que, na outra ponta, estão a emprestar dinheiro aos Bancos e demais entidades financeiras.182

De fato, a usura constitui um dos problemas que mais entravam a proteção do consumidor no Brasil e no mundo, causando o já citado problema da sociedade pós-moderna: o superendividamento.

Por sua vez, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937, mais conhecida como a Constituição Polaca, implantada por Getúlio Vargas, quando da ditadura do Estado Novo, nada prescrevia expressamente acerca de Direito do Consumidor. Todavia, pode-se citar um dispositivo que indiretamente poderia ser utilizado para proteger o hipossuficiente consumidor:

Art. 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio

180

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm. Acesso em: 24.05.2012.

181 SILVA, Alessandro Alcino da. Da proibição da usura ao longo da história e nas diversas culturas

humanas. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/44626>. Acesso em: 12 jun. 2013.

182 CHAMONE, Marcelo Azevedo. Limitação das taxas de juros. Jus Navigandi, Teresina, ano 11,

n. 1195, 9 out. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9025>. Acesso em: 09 jun. 2013.

econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta. (grifo nosso).183

Com efeito, o dispositivo supra poderia ser utilizado para resolver os conflitos advindos dos fatores da produção, que geralmente se finda, como sabemos, na relação de consumo. Todavia, diante do caráter autoritário do regime ditatorial da época, a intervenção estatal preconizada em verdade atendia apenas interesses de grupos políticos dominantes e que se colocavam ao lado de Vargas.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 foi bem menos tímida na proteção do consumidor, uma vez que representou o fim da ditadura Vargas, com a retomada da democracia e das liberdades individuais dos cidadãos. Sobre a defesa do consumidor, direta e indiretamente, no texto constitucional, pode-se elencar tais dispositivos:

Art. 5º - Compete à União: (...)

XV - legislar sobre: (...)

c) produção e consumo;

Art. 15 - Compete à União decretar impostos sobre: (...)

II - consumo de mercadorias; (...)

§ 1º - São isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica.

Art. 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Art. 146 - A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.

Art. 148 - A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

Art. 154 - A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei. 184

183

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm. Acesso em 25.05.2012.

184

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acesso em: 25.05 2012.

As normais constitucionais citadas demonstram que a Constituição de 1946 tinha como objetivo conciliar a liberdade de iniciativa com a justiça social e o interesse público, o que acentuou o caráter de norma programática185 de tais

preceitos.

De fato, a Constituição de 1946 trouxe em seu bojo praticamente todas as disposições que haviam sido previstas nas constituições anteriores e foi além: abriu caminho para uma maior intervenção estatal no âmbito do direito concorrencial, protegendo, assim, o consumidor hipossuficiente, conforme art. 148 supra.

Todavia, antes que tais normas pudessem ser efetivamente e amplamente implementadas através da citada intervenção estatal ou da edição de normas infraconstitucionais, ocorreu o Golpe Militar de 1964.

A partir daí a Constituição de 1946 começou a ser emendada a ponto de se descaracterizar. Com a suspensão de sua vigência pelo Ato Institucional nº 1, a Constituição de 1946 foi por fim substituída pela Constituição de 1967, instituída por força do comando do Ato Constitucional n.º 4.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 foi um retrocesso para a defesa do consumidor. Apenas os seguintes dispositivos podem ser citados:

Art. 24 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 40, de 1968)

§ 6º - Os Estados isentarão do imposto sobre circulação de mercadorias a venda a varejo, diretamente ao consumidor, dos gêneros de primeira necessidade que especificarem, não podendo

185

Para José Afonso da Silva, as normas programáticas ou normas de eficácia limitada de princípio programático são aquelas que denotam o caráter compromissório das constituições que estão inseridas num contexto de transição de um Estado Liberal para um Estado Interventor. In: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 106 e seguintes. Para Pontes de Miranda, normas programáticas são "aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos”. In: PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, tomo I. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1969, p. 126-127. Para Jorge Miranda, as normas programáticas são, em regra, não exequíveis por si mesmas e necessitam de legislação concretizadora, providências administrativas e materiais, bem como fatores econômicos e sociais. Cf: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Constituição. Tomo II, 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 268 e seguintes.

estabelecer diferença em função dos que participam da operação tributada.186

Sobre a ordem econômica, a Constituição de 1967 assim prescreveu:

Art. 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I - liberdade de iniciativa;

II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade;

IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V - desenvolvimento econômico;

VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.187

Como se depreende dos dispositivos colacionados acima, a Constituição de 1967 estava pautada pela intervenção estatal no domínio econômico, com o escopo de estabelecer monopólios, mormente por motivo de segurança nacional ou para organizar setores da economia pouco produtivos.

Nesse raciocínio, a Constituição de 1967 estava essencialmente voltada para o Direito Concorrencial, visando o equilíbrio econômico, principalmente quando prescreve no inciso IV do art. 157 como princípio a harmonia e solidariedade entre os fatores de produção188. Todavia, a defesa do consumidor realmente ficou em segundo plano.

A Emenda Constitucional n° 1/69 - que deu nova redação à Constituição de 1967 e é, por isso, considerada por muitos, apesar de ser formalmente uma emenda, uma nova Constituição de caráter outorgado - manteve o mesmo paradigma intervencionista da Constituição de 1967, com ênfase no direito concorrencial, e apenas reproduziu quase literalmente os preceitos do texto constitucional anterior.

Em que pese a existência de normas constitucionais anteriores precursoras do direito do consumidor, como foi proposto neste trabalho, autores

186BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em: 26.05.2012.

187

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em: 26.05.2012.

188

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em: 26.05.2012.

como Nishiyama e Cláudia Lima Marques atribuem à Constituição Vigente a inauguração de uma nova figura jurídica: o Direito das Relações de Consumo.189

Com a redemocratização do País, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tratou da proteção de consumidor com grande destaque, consagrando o Direito Consumerista explícita e implicitamente em diversos dispositivos constitucionais.

Consoante Nishiyama, de fato, são inúmeros dispositivos da Constituição de 1988 que merecem destaque no tocante ao Direito do Consumidor, desde o art. 5º, inciso XXXII, art. 170, inciso V, e 48 do ADCT que expressamente prescrevem a proteção ao consumidor, como também o art. 24, inciso VIII, que estabelece competência concorrente à União, aos Estados e Distrito Federal para legislar sobre responsabilidade por dano ao consumidor; o art. 150, parágrafo 5º, consoante o qual a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços; o art. 175, parágrafo único, inc. II, o qual determina que a lei disporá sobre o direito dos usuários de serviços públicos; o art. 220, parágrafo 4, o qual prescreve que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso e o art. 221 que dispõe sobre as diretrizes a serem observadas na produção e difusão de programas e rádio e televisão. 190

Acerca dos princípios consumeristas implícitos na Constituição, Nishiyama aponta o direito à igualdade, o direito de resposta, o direito ao acesso à informação,

189

Nesse sentido: NISHYAMA aduz: “(...) Se antes da Constituição Federal de 1988 as relações de consumo eram regidas pelas leis civil e comercial, agora o Poder Constituinte originário criou um novo ramo do direito nas relações de consumo, dando maior destaque à parte mais vulnerável, que é o consumidor. As relações de consumo, a partir da Carta de 1988, passaram a ter autonomia própria, sendo a sua regulamentação distinta do direito comum. Essa autonomia é verificada expressamente na própria Lei Maior, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou ao Congresso Nacional a elaboração do Código de Defesa do Consumidor.” (In: A proteção constitucional do Consumidor, 2002, p. 3). No mesmo entendimento, MARQUES: “A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história dos textos constitucionais brasileiros, dispõe expressamente sobre a proteção dos consumidores, identificando-os como grupo a ser especialmente tutelado através da ação do Estado (Direitos Fundamentais, art. 5º, XXXII)”. In: MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 510.

190

Ver BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 27.01.2013 e NISHYAMA, 2002, p. 83.

ao devido processo legal, bem como outros instrumentos de proteção ao consumidor.191

Como já apontado, a Constituição Federal de 1988 incluiu a defesa do consumidor como direito fundamental no seguinte dispositivo do TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais – e Capítulo I – dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;192

O legislador constituinte, ao prescrever a defesa do consumidor no Título II da Constituição Federal 1988, no qual estão situados os direitos e garantias fundamentais, conferiu àquela o status de norma fundamental193.

Nesse sentido, Bruno Miragem corrobora com os mencionados doutrinadores de que a caracterização da defesa do consumidor como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro surge da sua localização na Constituição de 1988, no artigo 5º, XXXII, que determina expressamente: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Insere-se a determinação constitucional, pois, no Capítulo I, “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, do Título II. “Dos direitos e garantias fundamentais”. Para o Autor, como primeiro efeito desta localização topográfica do direito do consumidor no texto constitucional, tem- se assentado na doutrina e na jurisprudência brasileira que a localização do mencionado preceito constitucional neste setor privilegiado da Constituição, a rigor, coloca-o a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte instituído.194

Tal dispositivo constitucional existe em razão de ter a tutela ao direito do consumidor surgido como resposta à massificação social, denotando-se daí o seu caráter intervencionista, uma vez que busca proteger a parte hipossuficiente do fornecedor representado pelas grandes corporações.

191

NISHIYAMA, 2002, p. 83-84.

192 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 27.05.2012.

193 Reiterando, Robert Alexy reflete sobre norma de direito fundamental que: “Mais conveniente que

basear o conceito de norma de direito fundamental em critérios substanciais e/ou estruturais é vinculá-lo a um critério formal, relativo à forma de sua positivação”. ALEXY, 2008, p. 68.

Nesse ponto a argumentação de Sérgio Cavalieri Filho se demonstra relevante, pois segundo este, a massificação da produção, do consumo e da