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Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 2 A concretização do direito

15. A validade da norma no direito

A partir do momento em que tomamos o direito positivo como um sistema proposicional de normas, composto por vários subsistemas em decorrência das construções mentais do intérprete, passamos a perceber que há uma relação entre norma e o critério por ele (sistema) adotado para considerá-la como parte integrante.

É, pois, uma operação de inclusão do elemento normativo na sua classe (pura construção lógica); daí, sustenta-se que a validade não é propriedade da norma e, sim, uma

relação entre a norma e o critério eleito pelo jurista.125

Pela identidade dos elementos componentes das normas com os critérios eleitos é que se afirma ser a validade uma relação de pertinencialidade dela com o sistema.126

Assim sendo, a validade da norma equivale à existência; se existe é porque faz parte do sistema eleito ou, logicamente, se faz parte do sistema é porque existe. Por essa forma, podemos admitir que o preenchimento dos requisitos necessários implica a entrada no sistema e, a partir desse ingresso, passa a existir (a norma será válida).

124 Destaque-se que este “e” deve ser tido na função lógica para atestar a validade das proposições primária e

secundária, pois, se uma delas não for válida não há estrutura completa da norma, o que implicaria dizer, em direito positivo, inexistência de relação jurídica. É o que assevera Lourival Vilanova quando discorre sobre a “conexão entre norma primária e norma secundária, em “As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, págs. 117 a 122.

125 Martin Diego Farrell, em La metodologia del positivismo lógico, 1979, p. 174. 126 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 50.

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Lourival Vilanova assegura que “não há norma jurídica que não pertença a um determinado sistema. Isoladamente, não tem ela o específico característico de valer, de ser exigível, em sua observância e aplicação. Mesmo diante de toda norma cabe a pergunta: de onde provém, de onde obtém sua existência válida? Há de provir de um sistema, em cujo interior se encontram os modos de constituir e de desconstituir normas.”127

Vista a validade dessa forma, pode-se até mesmo criticar o uso da expressão “norma válida” por caracterizar uma redundância. A norma existe ou não existe; daí que, ao falar em “norma inválida” incorre-se em uma contradição em termos (se é norma, não tem como ser inválida).

Diante desse discurso, logo vamos levantando questão correlata no que atina ao modo de como se reconhecer a validade da norma, a sua existência. Importa dizer que o próprio sistema jurídico estabelece os requisitos da existência da norma (validade), mediante a prefixação do órgão competente e o procedimento128 para a sua introdução e, até mesmo, muitas vezes, delimita a sua matéria. É, em outras palavras, a relação de

pertinencialidade da norma ao sistema do direito positivo.

Note-se que o sistema prescreve o processo de produção normativa e o produto dele resultante há de ser presumido como norma válida. Disso resulta uma conclusão: se é o sistema quem cria a norma, só o sistema pode expurgá-la. Trata-se de um processo intra- sistêmico.

Explique-se que, posta uma proposição prescritiva, ela é presumidamente válida, até que outra proposição prescritiva a exclua do sistema.

Desse processo resulta uma presunção de existência da norma introduzida no sistema (presume-se válida a norma). Conquanto possa parecer que a dúvida acerca de como reconhecer a validade da norma, a sua existência sistêmica, permanece aberta, não

127 Causalidade e relação no direito, 2000, p. 55

128 O modelo kelseniano vem no sentido de ser válida a norma produzida por órgão credenciado pelo sistema

e na conformidade com o procedimento também previsto no ordenamento jurídico. Teoria pura do direito, 2006, p. 166/167.

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nos esqueçamos de que a presunção de validade da norma é juris tantum129 e, portanto, até prova em contrário, ela será considerada válida.

Ocorre, todavia, que, aos olhos do destinatário da norma, nem sempre é clara a visão acerca do seu processo de produção ou da autoridade que a introduziu no sistema, permanecendo a aparência de legitimidade do veículo introdutor ou do órgão emissor. Mas, ainda que seja explicitamente visível aos olhos do destinatário, a norma continuará válida, surtindo, inclusive, todos os seus efeitos130 jurídicos.

Essa afirmação, que pode até doer no espírito do justo, vem carregada pelo pressuposto de que o sistema jurídico é prescritivo e, assim sendo, somente uma prescrição pode afastar outra prescrição do ordenamento jurídico positivo.

Kelsen asseverou que “as normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua validade não termina, de acordo com os preceitos dessa ordem jurídica.”131 Em outras palavras, a norma num sistema jurídico é válida até que o sistema, mediante outra norma válida, cancele sua validade.

Por essa forma, por mais absurda que possa parecer a norma, a eventual não submissão do seu destinatário aos efeitos dela decorrentes carecerá de outra prescrição normativa. Assim como o sistema dispõe de meios para a introdução das normas, possui também outros meios de eliminação daquelas que não cumpriram os requisitos sistêmicos à sua introdução.

Como o destinatário da norma não pode, por si só, expulsar a norma do sistema, ele torna disponíveis meios para ingressar em seu contexto e pleitear a sua invalidação. Igualmente ao processo de introdução da norma, o processo de expulsão também se dará por órgão credenciado e procedimento previsto pelo próprio sistema. É o processo, administrativo ou judicial, conforme a natureza da norma jurídica (geral e abstrata, geral e concreta, individual e concreta ou individual e abstrata).

129 Presunção relativa que admite prova em contrário.

130 Ressalvamos os efeitos em decorrência de vigência e eficácia serem distintos da validade. 131 Teoria pura do direito, 2006, p. 233

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Por isso, ninguém, em sã consciência, deixa de cumprir uma norma pela crença, ou até certeza, de sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Assim, evidencia-se que o sistema estabeleceu que a validade da norma fosse contemporânea à sua introdução no sistema (imediata e presumida) ao passo que a sua invalidação depende de nova norma prescritiva.

Por derradeiro, temos para nós que válida é a norma que pode ser aplicada aos fatos que pretende regular, ainda que sua vigência tenha sido restrita, no tempo, por outra norma, permanecendo aplicável tão somente aos fatos praticados ao tempo em que vigorou.