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Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 3 O sistema jurídico-tributário brasileiro

23. Princípios jurídicos constitucionais

23.2. Princípios, regras e aplicação no direito positivo

Roque Antonio Carrazza assevera, com efeito, que “mesmo na Constituição existem normas mais importantes e normas menos importantes”.204

Humberto Ávila, na esteira dos pensamentos de Carrazza, cuida de delimitar conceitualmente as diferenças entre princípios e regras. Aponta que tanto Josef Esser quanto Karl Larenz consideram como fator distintivo um critério qualitativo; assim, os princípios seriam diferentes das regras por caracterizarem fundamentos normativos para a tomada de decisão, para a aplicação do direito.205

Claus-Wilhelm Canaris assevera que os princípios diferem das regras porque possuem forte conteúdo axiológico, que seria construído por um processo dialético decorrente da interação com outras normas que são decorrentes da axiologia ao contrário das regras.206

202 Curso de Direito Administrativo. 2005, p. 545 203 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 39 204 Idem, p. 36

205 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, pp. 35/36 206 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, 2002, págs. 30/38 e 208/209

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Ronald Dworkin, em aparente antagonismo ao positivismo, assegurou que as regras são aplicadas, por serem válidas e, portanto, suscetíveis de implicar conseqüências, ou não são aplicadas por não serem válidas. É do tipo tudo ou nada. Por isso, no caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. No caso dos princípios, Dworkin afirma que não determinam a decisão, mas fundamentam, conjuntamente com outros princípios, a aplicação do direito. Segundo ele, havendo colisão entre princípios, sobrepõe-se o de maior valor, sem afetar a validade do princípio colidente. Dworkin não os comparou (princípios e regras), mas estabeleceu uma classificação quanto às suas estruturas lógicas.207

Robert Alexy, delimitando as argumentações de Dworkin, advertiu que os princípios são uma espécie de normas jurídicas aplicadas pelas regras da prevalência, assim, havendo colisão entre princípios, pondera-se o peso de cada um e aplica-se o prevalente para o caso concreto.208

Ávila adverte que princípio ou regra dependem do intérprete, pois, conforme o enfoque por ele adotado, uma norma pode caracterizar uma regra ou um princípio. Segundo ele, o qualificativo de princípio ou regra depende do uso argumentativo e, não, da estrutura hipotética.209

Sobre princípios e regras, Ávila assevera que é mais grave descumprir uma regra que descumprir um princípio pelo fato de que a regra é explícita, é mais clara, é mais evidente e, por isso, descumprir o que está à mostra é mais reprovável do que descumprir um fim, um vetor, um conteúdo que carece de complementação, como é o caso dos princípios.210

Quer-nos parecer, que Ávila tem bons argumentos quando traz à colação exemplos que ilustram a prevalência das regras quando em aparente conflito com os princípios. Quando aduz à regra de proibição de prova ilícita em confronto com o princípio do interesse público repressivo, revela-nos que a regra deve prevalecer porque o legislador,

207 Ronald Dworkin – apud Humberto Ávila em teoria dos princípios. 2005, 37 208 Teoría de los derechos fundamentales. 2001, págs. 87/90 e 98/103

209 Teoria dos princípios, 2005, p. 42-43 210 Idem, p. 104

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mesmo conhecedor do princípio, instituiu a regra para situação específica, limitando a aplicação do princípio.211

Noutro caso, destaca a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da ampliação, por lei ordinária, da base de cálculo de uma contribuição social prevista em uma regra constitucional de competência.

Nesse julgamento, discutiu-se se deveria haver a prevalência dos princípios da solidariedade social e da universalidade do financiamento da Seguridade Social, para justificarem a ampliação da base de cálculo (para receita bruta), em detrimento da regra constitucional de competência, que previa, apenas, a instituição do tributo sobre determinado fato jurídico (faturamento de bens e serviços).212

Como se sabe, prevaleceu o entendimento de que as regras de competência, quando em conflito com os princípios, não podem ser alteradas, por estabelecerem balizas conceituais, impondo limites constitucionais.

Nessa esteira, concluiu Ávila que, quando se tratar de princípios e regras de

mesma posição hierárquica, sempre prevalecerá a regra sobre o princípio. Contudo, nem

sempre será assim, pois, no caso de aparente conflito entre regras e princípios, entre regras e regras ou, ainda, entre princípios e princípios de diferentes níveis hierárquicos, há que prevalecer a norma hierarquicamente superior.

Dessa forma, existindo confronto entre um princípio constitucional e uma regra

legal, prevalecerá o princípio constitucional. Note-se que, nesses casos, a prevalência

depende da hierarquia e, não, da espécie normativa (princípio ou regra).213

De outro modo, para Ávila, havendo confronto entre uma regra e um princípio, ambos constitucionais, prevalecerá a regra sobre o princípio. Isso se dá pelo fato de que a regra possui caráter de decidibilidade mais intenso, é causa imediata de regulação da conduta humana e possuidora de forte razão na sua aplicabilidade. Quanto aos princípios,

211 Ibidem, p. 107 212 Ibidem, p. 108 213 Ibidem, p. 105

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sua causa imediata é o fim e não diz respeito diretamente à região material das condutas, possuindo um caráter finalístico e geral na sua aplicabilidade. Então, em face da especificidade das regras em relação aos princípios é que aquelas (regras) são prevalecentes.

Para bem situarmos bem a posição de Ávila, vale dizer que, para ele, não há uma “oposição” entre princípios e regras, havendo, sim, uma relação de “complementação” entre eles, pois, diferem tão somente quanto às suas funções normativas.214

As regras têm função decisória imediata e, por isso, destinadas a solucionar conflitos decorrentes das relações diretamente ligadas a bens e interesses. As regras assumem caráter primariamente retrospectivo, por descreverem um contexto fático conhecido do legislador, ao contrário dos princípios, que possuem caráter prospectivo, determinante de um estado de coisas a ser construído.215 Por essa característica, as regras são mais rígidas nas suas razões para serem superadas por contra-razões, ao contrário dos princípios, que se mostram mais flexíveis, por serem superados com menor ônus argumentativo.

No que tange aos princípios, notamos que Ávila os caracteriza por normas com função de complementariedade, auxiliando na aplicação do direito positivo.

Entre os princípios e as regras, normalmente, há uma “conexão substancial” e, não, uma efetiva oposição entre eles. Havendo confronto efetivo, resolve-se, primeiro, pela hierarquia e, depois, pela prevalência das regras. Essa a opinião de Ávila.

Outro aspecto relevante é atinente à distinção estabelecida por Ávila entre princípios, regras e postulados, pois, para ele, postulados são metanormas e não se confundem com eles. Diferenciam-se dos princípios porque a regra “não tem elevado grau de abstração e generalidade: como norma, dirige-se a situações determinadas (colisão entre princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca efeitos que promovem a realização de um princípio, mas restringem a realização de outro) e a pessoas determinadas

214 Ibidem, p. 105 215 Ibidem, p. 106

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(sujeitos, normalmente autoridades públicas, que adotam medidas com a pretensão de realizar determinados princípios).

Os postulados também não podem ser considerados uma regra, pois não têm hipótese e uma conseqüência que permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma (não diz respeito à conduta diretamente).

Em vez de uma hipótese de fato ou da definição de um efeito, os postulados estabelecem uma estrutura argumentativa de aplicação do direito por meio de critérios relacionais de elementos, tais como a ponderação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a adequação, a necessidade e a relação entre valor e desvalor promovido, algo bem diverso dos princípios e das regras.216

Os postulados são normas que estão num sobrenível em relação aos princípios e regras, disciplinando o modo de aplicação deles. Embora sutil, há diferença entre promover um fim e promover uma estrutura que dê respaldo à promoção do fim. Assim operam os postulados, promovendo o modo de raciocínio e de argumentação para a aplicação das normas relativas à prescrição de comportamentos. É nesse sentido que Ávila entende os postulados e os denomina de metanormas ou normas de segundo grau.217

Tal aplicação, explica Ávila, se dá mediante a exigência de relações de elementos com base em critérios mais ou menos específicos, embora existam alguns postulados que

não pressupõem a preexistência de elementos e critérios.

Resumindo-se os esclarecimentos do ilustre autor acerca dessa espécie de postulado, destacamos (a) “a ponderação de bens como método de atribuição de pesos a elementos que se entrelaçam, sem ter em vista pontos de vista materiais que orientam esse sopesamento”; (b) “a concordância prática exige a realização máxima de valores que se imbricam”; e, (c) “a proibição de excesso que proíbe que a aplicação de uma regra ou de um princípio restrinja de tal forma um direito fundamental que termine lhe retirando seu mínimo de eficácia”.

216 Ibidem, p. 126 217 Ibidem, p. 123

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Além desses postulados, que não exigem preexistência de critérios, Ávila indica outros postulados que dependem deles, como o da igualdade, que estrutura a aplicação do direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade de distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).218

Já o postulado da razoabilidade, segundo o referido Autor, aplica-se por três fórmulas: (1) como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto; (2) como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o objeto referido no mundo fenomênico; (3) diretriz que exige relação de equivalência entre duas grandezas.219

Por fim, Humberto Bergmann Ávila destaca o postulado da proporcionalidade, que é aplicado nos casos em que haja uma relação de causalidade entre meio e fim, concretamente perceptível. Para aferição dessa relação, ele sugere o critério que revele a

adequação do meio ao fim; a necessidade do meio para se chegar ao fim; e, a

proporcionalidade entre o valor e desvalor entre o meio e o fim.220

Sobremais, mister considerar que a mencionada prevalência das regras sobre os princípios só se dará quando ocorrer efetivo conflito entre eles, no mesmo plano normativo, e se fará sempre ao modo dos postulados, ou seja, mediante ponderação de critérios relacionais de elementos como a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade da norma em face do caso concreto.

Interessante atentar-se para a importância de que a relação de complementariedade entre princípios e regras, aplicados sob o influxo dos postulados, tende a concretizar a aplicação do dever de o Estado e os órgãos legislativos escolher o meio que concretamente promova o fim desejado pelo direito positivo.221

218 Ibidem, p. 168 219 Ibidem, p. 169 220 Ibidem, p. 169 221 Ibidem, p. 153

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Seja como for, somos da opinião de que, no confronto ou complementariedade entre princípios e regras, ao final sempre teremos que sopesar a hierarquia de um ou outro princípio ao caso concreto, pois, sempre por detrás de uma regra, há um princípio influindo na aplicação do direito.

23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência