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Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 3 O sistema jurídico-tributário brasileiro

23. Princípios jurídicos constitucionais

23.1. Princípio é norma do sistema jurídico positivo

A noção do significado do termo “princípio” carece do referencial eleito para se determinar o seu limite, o seu alcance. Trata-se de termo sem representação física e de delimitação abstrata, o que dificulta qualquer tentativa de precisão no processo interpretativo.

Contudo, partindo-se de sua expressão mais básica, podemos aduzir a idéia leiga de que “princípio” corresponde a início, a partida de algum desiderato, fonte ou até mesmo origem de alguma coisa.

Roque Antonio Carrazza, depois de apresentar o significado etimológico do termo e de registrar que, depois de introduzido na filosofia, Platão utilizou-o como “fundamento de raciocínio” e Aristóteles como a “premissa maior de uma demonstração”, assevera que “em qualquer Ciência, princípio é seu começo, seu alicerce, seu ponto de partida” e que “pressupõe, sempre, um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo.”192

191 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 36

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Segundo o dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa,193 o termo “princípio” pode possuir a seguinte extensão semântica: 1) “origem, causa, começo, início.” 2) “Preceito, regra, lei.” 3) “Máxima, norma, sentença.” 4) “Estréia.” 5) “Razão, base: O trabalho é o princípio de toda riqueza (Séguier).” 6) “Teoria.” 7) “Opinião, parecer, modo de ver, ponto de vista: Ser fiel aos seus princípios (idem).” 8) Pl. “Antecedentes.” 9) “Educação, instrução; convicções, opiniões: É um homem sem princípios.” 10) “Elementos, noções, rudimentos, tintura: Princípios de álgebra.”

Como se vê, ao buscar recurso na lexicografia, podemos anotar que há uma diversidade relevante do emprego do termo “princípio”, acarretando conseqüentemente, alguns significados que podem ser bem ou mal empregados de acordo com a situação eleita.

Sob a ótica do dicionário de filosofia Logos,194 “princípio” significa “começo, início, origem, fundamento, primeiro de uma série e, em geral, aquilo de que algo procede, seja de que modo for. No sentido original, é o começo de uma grandeza espacial e, por conseqüência, do movimento e do tempo. Desde Aristóteles, a noção de princípio tem de comum ser a fonte de que deriva o ser, o devir e o conhecimento”. Segundo esse dicionário, os princípios podem ser ontológicos e lógicos. Os ontológicos dizem respeito ao “ser” e podem ser extrínsecos, se se distinguem dele (ser), ou intrínsecos, se constituem o “ser” de que se dizem os princípios. Já os princípios lógicos atinam aos enunciados de que deriva o conhecimento de outros enunciados. Podem ser lógico-formais, quando dizem respeito às proposições de que deriva o conhecimento de outras proposições, ou lógico- materiais, ao enunciarem fatos a partir dos quais se conhecem outros fatos.

De qualquer forma, os primeiros princípios sempre foram compreendidos por Aristóteles, Descartes e Kant como a base segura, a última fundamentação de todo o conhecimento, pois, racionalmente, a última fundamentação faz entrar na axiologia.195

193 Francisco Fernandes. 1999, p. 696

194 Dicionário Logos da Enciclopédia Luso-brasileira de filosofia, Lisboa/São Paulo. Editorial Verbo. Edição

realizada sob o patrocínio da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa. 1992.

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Anota-se que, por ora, é evidente tratar-se de termo ambíguo, pois, mesmo no conhecido dicionário jurídico de Maria Helena Diniz,196 é possível conceber inúmeras possibilidades de empregos do termo pelos juristas, comprovando sua ambigüidade no direito.

Em que possa parecer aproveitável, essa plurivocidade do termo “princípio” para a linguagem do cotidiano, para fins científicos isso não é produtivo. Constatamos a dificuldade de delimitação desse termo, ou melhor, a utilização com sentidos variados até mesmo pelo discurso da nossa doutrina. Não há consenso na delimitação de seu significado.

Conforme Hugo de Brito Machado, o problema da delimitação do significado do termo “princípio” é correlato à influência filosófica do intérprete, pois, v.g., para os jusnaturalistas, os princípios são o fundamento de validade do direito positivo. Seriam os princípios um elemento integrante do Direito Natural. Ainda, segundo esse autor, para aqueles que têm uma concepção positivista, “princípios” são normas jurídicas.197

Para Paulo de Barros Carvalho, o termo “princípio” conota uma força valorativa axiológica muito grande influindo na construção de grande parte do ordenamento jurídico. Segundo ele, isso se deve ao fato de o direito e as normas serem objeto cultural.198

Por isso, em direito positivo, os princípios são empregados tanto para expressar valores quanto para normas. Contudo, arremata, afirmando que “em direito positivo, princípios são normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica, de tal forma que a compreensão de outras unidades do sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles vetores.”199

Outro aspecto relevante dos comentários de Paulo de Barros é no sentido de que não há um universo de valores suprapositivos, pairando sobre o sistema do direito positivo.

196 Dicionário Jurídico. “Nas linguagens, jurídica e comum, pode significar: a) preceito; norma de conduta; b)

máxima; c) opinião; maneira de ver; d) parecer; e) código de boa conduta através do qual se dirigem as ações e a vida de uma pessoa; f) educação; doutrina dominante; h) alicerce; base”. 2005, Vol. 3, p. 830.

197 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 1991, p. 14 198 Curso de direito tributário, 2005, p. 144/148

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Assim, para ele, como as normas, os princípios integram o sistema do direito positivo e que, em face da existência de hierarquia sintática no sistema, eles (os princípios) distribuem escalonadamente os valores, garantindo-lhes, ao lado de sua supremacia hierárquica, posição de superioridade axiológica.

Da destreza analítica demonstrada por Paulo de Barros Carvalho, importa lúcida a explicação que ele entende deva ser dada aos princípios jurídicos ao lecionar que “a interpretação dos princípios, como normas que verdadeiramente são, depende de uma análise sistemática que leve em consideração o universo das regras jurídicas, como organização sintática (hierarquia sintática) e organização axiológica (hierarquia dos valores jurídicos), pois assim como uma proposição prescritiva do direito não pode ser apreciada independentemente do sistema a que pertence, outro tanto acontece com os valores jurídicos injetados nas estruturas normativas. Desse processo de integração resultará o entendimento da mensagem prescritiva, em sua integridade semântica, sempre elástica e mutável.”200

Geraldo Ataliba doutrinou sobre princípios entendendo como um valor condicionante da atividade interpretativa. Essa concepção se faz presente ao asseverar que “princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências.”201

Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello entende “por princípio a disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema, que informa o sentido das normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva. Vale dizer: mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua

200 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, RDT 61, p. 89 201 República e Constituição. 2001, p. 34.

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exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe outorga o sentido harmônico.”202

Em remate, as lições de Roque Antonio Carrazza vigorizam as posições acima, quando diz que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.”203

Como se percebe da lição dos mestres, o termo “princípio” conota, principalmente, os vetores normativos exegéticos que norteiam os intérpretes na construção de outras normas jurídicas em conformidade com um estado de coisas finalisticamente desejado pelo direito positivo.