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Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 3 O sistema jurídico-tributário brasileiro

22. Tributo é norma do sistema jurídico positivo

A linguagem adotada pelo legislador não carrega em si mesma o rigor perseguido pela Ciência do Direito.

O parlamento, em regra, congrega homens das mais diversas experiências e conhecimentos, cada um com suas influências formadoras, com vocação para representar o povo segundo os interesses que cada um entende estar representando. Disso, resulta um emaranhado de enunciados que são introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo, com uma linguagem eivada dessa ascendência heterogênea.

Por esse motivo, importa registrar que o termo “tributo”, empregado na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, não é unívoco, dá margem à ambigüidade e, portanto, dificulta o conhecimento do direito positivo.

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Tanto é verdade que Paulo de Barros Carvalho registra seis acepções181 comumente encontradas na manipulação do direito positivo brasileiro, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. Diz o autor ter encontrado os seguintes significados: “a) tributo como quantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; e, f) tributo como norma, fato e relação jurídica. Eis aí a nossa ambigüidade.

A Constituição Federal possui dezenas de enunciados em que é empregado o termo “tributo”, assim como encontramos variações decorrentes desse termo, tais como “tributário” e “tributar” sem, entretanto, qualquer delimitação de seu significado. Se contarmos, um a um, considerando o termo “tributo” e seus derivados, identificaremos 52 (cinqüenta e duas) referências expressas a eles no texto constitucional.182

O Código Tributário Nacional, por sua vez, prescreve em seu artigo 3º, uma definição de tributo, porém, como resultado legislativo, vez que a linguagem técnica empregada não foi suficiente para oferecer um adequado entendimento desse termo.

Por assim ser, a boa doutrina, há muito tempo, vem criticando a atecnia do legislador acerca da definição de tributo e, como atividade científica, descritiva do direito positivo, tem tentado oferecer uma definição mais rigorosa desse objeto cognitivo.183

Nesse mister, por ser uma criação do subsistema constitucional tributário e em face da superior hierarquia que as normas constitucionais exercem sobre as demais normas da denominada pirâmide jurídica, o significado de “tributo” não pode ser construído a partir das normas infraconstitucionais.

Assim, se admitimos como critério validador das normas a hierarquia sistêmica, do mesmo modo não podemos admitir que a definição de termos empregados na

181 Curso de direito tributário, 2005, p. 19

182 Não relacionamos os artigos para não se tornar exaustiva uma mera exemplificação que não agregaria

muita coisa ao nosso discurso.

183 A propósito disso Roque Antonio Carrazza ensina que não cabe à lei definir, muito menos à Lei Maior.

Segundo ele, definir é missão da doutrina. A lei deve mandar, proibir ou facultar. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380

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Constituição Federal sejam definidos pela legislação infraconstitucional num processo de inversão da pirâmide, especialmente no caso de termos cujo significado implica uma obrigação jurídica e ainda que a tentativa seja com significado aclarador. Em nosso sistema jurídico, as significações devem ser buscadas nas normas de superior hierarquia, não o contrário.

Com efeito, podemos antever que a definição de tributo não pode ficar ao arbítrio do legislador infraconstitucional, sendo indispensável a sua construção a partir dos enunciados da Constituição Federal. Essa tem sido a tônica de uma doutrina mais vigorosa visto que, como profere Roque Antonio Carrazza, “a procura pela verdade científica não pode terminar na simples leitura de um texto legislativo (ainda mais quando ele briga com texto legislativo hierarquicamente superior)”.184

Nesse sentido, então, encontramos o esforço da doutrina de José Artur Lima Gonçalves, em que ao tratar do conceito constitucional de “renda”, para fins de conhecer sobre o “tributo” incidente sobre a “renda”, teve a feliz constatação de que “admitindo-se que é a Constituição que confere ao legislador as competências tributárias impositivas, o âmbito semântico dos veículos lingüísticos por ela adotados para traduzir o conteúdo dessas regras de competência não pode ficar à disposição de quem recebe a outorga de competências”.185

Fosse assim, o limite da competência ficaria à discricionariedade do próprio legislador infraconstitucional e, aí, teríamos o desmoronamento do sistema do direito positivo brasileiro.

Assim como acontece com o termo “renda”, também o termo “tributo” não encontra definição no texto constitucional, havendo, portanto, a necessidade de sua edificação por meio do contexto normativo constitucional, ou seja, há que se promover construção da definição constitucional de “tributo” a partir das normas constitucionais.186

184 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 42

185 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. 2002, p. 171

186 Nesse sentido temos o endosso de Roque Antonio Carrazza que adverte que “o fenômeno tributário não

pode ser analisa com respaldo, apenas, na legislação infraconstitucional. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 377

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Em outras palavras, cabe ao intérprete construir o significado de tributo a partir das normas constitucionais.

Por esse caminho já trilhou Geraldo Ataliba, o qual identificou que as relações jurídicas decorrentes do sistema jurídico nacional, que se caracterizam pela entrega de dinheiro ao Estado, são oriundas de situações lícitas ou ilícitas. Assim, concluiu ele, em face da relação constituída, que a entrega de dinheiro decorrente de condutas lícitas é uma obrigação tributária e a de ilícitas outras obrigações não tributárias.187

Também com o mesmo ânimo científico, Roque Antonio Carrazza, após reconhecer que a Constituição não estabeleceu explicitamente o que venha a ser “tributo”, cuidou de figuras afins a ele, como, v.g., a desapropriação, o serviço militar e outras obrigações impostas pelo Estado ao cidadão, e concluiu que os contrastes oferecidos pela Constituição Federal, em termos de relações jurídicas, propicia a construção do significado de “tributo”. Por esse caminho, ele definiu “tributo” como sendo “a relação jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer.”188

Por entendermos ser esse o caminho adequado para o significado do termo “tributo” é que também entendemos que a definição oferecida pelo Código Tributário Nacional, no citado artigo 3º, ou seja, “tributo é toda obrigação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, só será válida189 se estiver em consonância com o significado empreendido pela Constituição Federal sem, entretanto, existir margem para interpretações restritivas ou extensivas do significado que lhe é hierarquicamente superior.

187 Conclui Geraldo Ataliba assim: "a obrigação pecuniária, legal, não emergente de fatos ilícitos, em

princípio. Estes fatos ilícitos podem ser geradores de multa ou de obrigação de indenizar." Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 37.

188 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380

189 Como se trata de texto do direito positivo, a validade aqui decorre da lógica deôntica, alética, em que os

valores são a validade e invalidade dos termos, e não da lógica apofântica cujos valores são a verdade e falsidade.

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Como se observa, quer-nos parecer que a definição constitucional de “tributo” exige a fixação em dois termos normativos que podem ser extraídos por meio da estrutura

analítica190 das normas jurídico-constitucionais que regem as obrigações; o primeiro diz

respeito à instituição por lei de uma hipótese obrigacional de ato lícito, praticado discricionariamente pelo sujeito administrado e, como segundo termo, a conseqüência de entregar dinheiro, pelo sujeito que praticou o ato discricionário, ao órgão credenciado por aquela lei.

A existência desses elementos no antecedente e conseqüente da norma jurídica a discrimina das demais normas jurídicas, permitindo-nos a identificação do significado de “tributo” e a individualização como norma jurídico-tributária.

Por derradeiro, tributo é norma jurídico-tributária, em cujo antecedente encontramos a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja ocorrência implica uma relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um objeto pecuniário, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. É esse o conceito de “tributo” que enredaremos nesta dissertação.