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Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência tributária

Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito

Capítulo 3 O sistema jurídico-tributário brasileiro

23. Princípios jurídicos constitucionais

23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência tributária

Como visto, é na Constituição Federal que encontramos as normas de superior hierarquia, aquelas que dão fundamento de validade para as normas inferiormente escalonadas.

Nessa linha, vimos que a nossa Lei Maior foi quase casuística ao tratar da matéria tributária, contendo uma marca expressiva de enunciados com a diretriz normativa para as relações jurídicas, envolvendo matéria dessa natureza.

Notadamente, o princípio federativo implicou a divisão jurídica do Estado brasileiro e, com ela, a necessária atribuição de competência tributária aos Estados- membros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Em face disso, as normas constitucionais delimitaram, em certa medida, as normas jurídico-tributárias, vinculando, desta forma, a atividade legislativo-tributária das unidades federativas.

Com efeito, é a partir dos enunciados prescritivos, insculpidos na Constituição Federal de 1988, que o intérprete do direito deverá construir normas relativas à produção normativa e à competência tributária.

Em outras palavras, o texto constitucional possui uma série de prescrições normativas estabelecedoras de critérios para a produção de enunciados em matéria tributária, fixando o procedimento, o sujeito e a matéria correspondentes. É o plano primário aduzido originalmente por Renato Alessi, em que a competência tributária tem a

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ver com o controle abstrato da instituição de um tributo, mormente por decorrer de atividade que antecede à sua instituição.222

Trata-se, então, de normas dirigidas à região material da atribuição das pessoas políticas, estabelecendo-se, como hipótese normativa para a instituição de tributos, o procedimento do ente político.

Assim, importa destacar que saber quando essas normas constituem princípios envolve avaliação subjetiva, de cunho axiológico. Tem muito a ver com a ideologia cultural do intérprete como adverte Hugo de Brito Machado.223

Como se sabe, a Constituição Federal possui inúmeros princípios, ditos gerais, que são aplicáveis a todo o ordenamento jurídico, e os que, de modo específico, estão diretamente ligados à atividade exacional do Estado.

No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a construção de normas jurídicas, a partir dos princípios, vem influenciada por fortes vetores axiológicos ou por limites objetivos, que acabam compondo a sua estrutura como antecedente ou conseqüente normativo. Para esse autor, os princípios constitucionais, tanto os gerais quanto os tributários, são elementos integrantes da estrutura sintática das normas de competência tributária e das normas de produção jurídica correspondentes.224

Os princípios constitucionais tributários são, em outras palavras, elementos proposicionais normativos que orientam, com maior ou menor influência, o sentido das normas jurídicas.

Desse modo, a construção das normas de competência, assim como das normas de produção jurídica a elas relacionadas, deve partir de uma articulação entre os textos que exprimem os princípios constitucionais tributários e os demais enunciados prescritivos da Constituição Federal. É por meio dessa atividade cognoscente que o intérprete chegará ao

222 Renato Alessi fala em planos abstratos e concretos da atividade tributária para se referir, respectivamente,

à competência tributária, que ele denomina de primário, e à atividade administrativa de cobrança do tributo, designado por plano complementar. Instituzioni di Diritto Tributário, G. Stammati, 1ª Ed. Torino, UTET.

223 Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 1991, p. 14.

224 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. RDT. vol. 61, p. 81 e também Curso de Direito

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sentido daquelas normas jurídicas, desvendando os valores ou os limites finalísticos inerentes aos princípios constitucionais correlatos.

Nessa seara convém um último e importante destaque acerca da diferença entre norma de competência e norma sobre produção jurídica. A norma de competência é o que Paulo de Barros Carvalho denomina de “regra de estrutura”,225 reguladora do comportamento de criação de normas, que é diferente da disciplina sobre o comportamento em relação ao processo legislativo, que é disciplinado pela norma sobre produção normativa.

Levando-se em conta a estrutura normativa, podemos anotar que a norma de competência possui estrutura diversa da norma sobre produção normativa. Esta, como aduzido no item 16, do capítulo II, retrocomentado, possui como antecedente um enunciado protocolar – fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem constitutiva do agente competente, do espaço e do tempo em que se realizou a sua atividade, bem como deixa indícios (nome da espécie do veículo introdutor – Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei, etc...data e local) do procedimento utilizado para a confecção do documento.226

O conseqüente da norma sobre produção jurídica é composto de uma relação jurídica modalizada pelo modal obrigatório, que prescreve o dever de toda a comunidade observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada competência e de um dado procedimento. Em outras palavras, é a norma que regula o processo de elaboração do enunciado prescritivo.

Já a norma de competência tributária, nada tem a ver com o processo legislativo em si mesmo. Em largas palavras, podemos dizer que o antecedente da norma de competência descreve como hipótese227 normativa a existência do sujeito credenciado para a criação, modificação ou supressão de normas no sistema do direito positivo e, em seu

225 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 38

226 Todos presumidos “juris tantum” para os efeitos do teste de sua validade.

227 Considere o emprego do termo para indicar tanto o evento (abstratamente previsto) como o fato jurídico

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conseqüente, a permissão ou obrigação a esse sujeito de legislar sobre o objeto de sua competência.

Com intuito de nos fazermos entender melhor, cotejemos os exemplos abaixo. Norma de competência

antecedente: dada a existência da pessoa política estadual;

conseqüente: deve-ser a permissão para legislar a respeito do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação - ICMS e o dever jurídico de a sociedade observar a faculdade de legislar nos termos em que for estabelecida.

Norma sobre produção jurídica

antecedente: se órgão legislativo estadual cumprir os procedimentos legislativos necessários à edição da lei ordinária e exercitar a faculdade de legislar sobre o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação - ICMS;

conseqüente: deve-ser a obrigação de a sociedade observar os enunciados introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo pelo respectivo veículo introdutor para a construção de normas jurídicas.

Pontuando as distinções sobre as normas de conduta, comentamos, no item 7.1.3, do capítulo II, em que nos referimos à classificação da norma conforme a imediatidade/mediatidade da conduta regulada. Assim, vale repisar que se considera norma de conduta aquela que regula imediatamente as relações interpessoais finais, geralmente oriundas da legislação infraconstitucional.

Em meio a tudo isso, importa dizer que, sendo os princípios constitucionais tributários elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho hierárquico e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para

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estabelecer, finalisticamente, o limite da competência tributária e disciplinar a validade das normas de conduta inseridas no sistema do direito positivo.

Corroborando tudo isso, importa registrar as palavras de Roque Antonio Carrazza, para quem a norma de competência tributária estabelece as nuances principiológicas em que a pessoa política poderá proceder para a criação de tributos, prescrevendo como critérios normativos a hipótese normativa possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, o critério quantitativo possível.228