• Nenhum resultado encontrado

A Vinha

No documento Mirandela Setecentista. (páginas 88-94)

CAPÍTULO II – A PAISAGEM RURAL

6. Culturas e Técnicas Agrícolas

6.3. A Vinha

Tal como sucedia com a seara e o olival, a implantação da vinha acompanhava de forma estreita o povoamento humano. O vinho era considerado a bebida por excelência, consumido em todas as mesas e empregue ainda no culto religioso. Por isso, plantava-se vinha em toda a parte, fosse em manchas compactas e homogéneas, fosse em associação com olival, seara, ou pomar e a horta, ou outros cultivos. Com as suas longas raízes, a videira não receia tempos secos e é favorecida por uma boa exposição aos raios solares e pelos calores estivais, que beneficiam a maturação das uvas. Desenvolve-se muito bem nas encostas do Douro, onde antes crescia espontâneo mato. No século XVI começaram a levantar-se geios ou socalcos para suster a terra parte dela provinda da rocha desfeita, que teimava desviar-

281 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, Bragança 2.º vol.,

Junta Distrital de Bragança, 1983, pp. 82 e 186.

282 RAPOSO, José Hipólito Ribeiro – “Campanha de Valorização do Azeite na Agricultura,

Lavoura Portuguesa”, Boletim da Associação Central de Agricultura Portuguesa, Abril-Maio, 2. ed., Abril- Maio, Barcelos: Comp. Ed. do Minho, 1948, n.º 2, p. 195.

se pela encosta. Distingue-se a viticultura da Terra Quente do Douro e alguns dos seus afluentes (Tua) com vinhos maduros e generosos283.

O vinho fino do Douro, quando ventilado e tratado chega a produzir Vinho do Porto. Desenvolve-se e produz-se em toda a bacia do Douro e é criado nos outeiros que demarcam o vale deste rio compreendido entre os seus afluentes da margem direita Sabor e Corgo. Na margem esquerda do mesmo rio os vinhos também são bons, mas não finos284.

A viticultura tornou-se assim muito diversificada, de acordo com as condições da qualidade do terreno e clima, suplantando outras bebidas fermentadas antes utilizadas285.

Relativamente a Mirandela, não é um concelho especialmente vocacionado para o vinho, mas os agricultores no século XVIII, como hoje produziram-no para consumo corrente ou familiar.

A vinha é já conhecida em Mirandela desde tempos remotos286, mas só a partir do século XVII é que a sua cultura se generalizou na região, e só na 2.ª metade do Setecentos é que a produção aumentou a nível geral devido às exportações do vinho do Porto para Inglaterra. A nível económico este tratado levou à decadência as indústrias portuguesas e aumentou as exportações de Inglaterra para o nosso país287.

283 RIBEIRO, Orlando – Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico, 7.ª ed. Lisboa: Sá da Costa, 1998,

p. 72; LAUTENSACHT, Herman e, DAVEAU, Suzane, “A vida económica e social”, Geografia de Portugal, Lisboa: Sá da Costa, 1987, vol. IV, pp. 963-965. .

284 MORAIS, Rodrigues de – Tratado Prático de Vinificação, 3.ª ed., Porto: Tipografia Mendonça,

1902, p. 160.

285SAMPAIO, Alberto – “As Vilas do Norte de Portugal”, Estudos Históricos e Económicos, 2.ª

ed. Lisboa: Vega, 1923, vol. I, p. 79; RIBEIRO, Orlando – Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico, 7.ª ed. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1998, p. 72.

286 Existe uma Carta de Venda (1275) de uma vinha localizada nas proximidades do castelo

velho. Também D. Dinis alude uma vinha na carta que outorgou a Mirandela em 1882 ordenando a sua transferência do Monte de S. Martinho para o Monte de S. Miguel onde actualmente se encontra: “...e mando que todos os que y avedes vynhas e ortas e chousas e moynhos que os aiades livres...SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, vol. I, ed. da Junta Distrital de Bragança, Bragança, 1983, 2º vol. p. 182.

287 As freguesias do concelho de Mirandela: Romeu, Avantos, Frechas e Carvalhais (são as

denominadas propriedade de Clemente Meneres) e são da Região Demarcada do Douro. A maior parte dos vinhos do concelho de Mirandela estão integrados na Denominação de Origem de Trás-os-Montes. In de – O Tratado de Methwen de (1703) assinado em Lisboa em 1703, Lisboa: E. N. P., 1966, p. 20.

A partir do século XVIII, procede-se a uma nova legislação que abrange a produção agrícola e sua direcção. A regulamentação mais notável foi a da produção do vinho do Porto, quando em 1756 o Marquês de Pombal instituiu a Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro288.

Desenvolveu-se intensamente nas encostas xistosas do Douro e região do Nordeste Transmontano, onde ocupa um lugar de relevo. Desenvolve-se bem em toda a Terra Quente do Douro e seus afluentes. O seu limite em altitude é de 800 a 900 metros nas montanhas do norte do país289. Em todos os concelhos da região do Nordeste cultiva-se até altitudes de 500/600 m290.

Foi a cultura que mais se desenvolveu no Setecentos, a que beneficiou do novo mercado pelo aumento da procura em finais do século anterior, reforçada e aumentada pelo Tratado de Methwen (1703), em que Portugal se comprometeu a ceder o vinho do Porto a Inglaterra e esta fornecia ao nosso país produtos têxteis291. Foi o Marquês de Pombal que vulgarizou intensamente a viticultura, movido pela defesa da qualidade vinícola, criando para o efeito a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756292. No

primeiro quartel do século XVIII há uma grande exportação de vinho. Foram enviadas para Inglaterra vinte mil pipas de vinho, nível que se manteve, ou até

A regulamentação e demarcação da actual Região Demarcada do Douro consta do Decreto n.º 166/86 de 26 de Junho, art. 2 e encorpora parte do concelho de Mirandela com a freguesia de Frechas e a Sociedade Clemente de Meneres na freguesia de Romeu, Avantos Carvalhais e Frechas. Uma das suas principais atribuições é apoiar e incentivar a produção vitivinícola em contacto com os devidos e competentes serviços e dar assistência técnica aos seus produtores. In CARRERA, Ceferino – Vinho do Porto e a Região do Douro, História da Primeira Região Demarcada, Sintra: Colares Editora, 2002, p. 318.

288 RIBEIRO, Orlando e TENSACH, Hermann – Geografia de Portugal, Lisboa: Edições João Sá

da Costa, 1991, vol. IV, p.979.

289 RIBEIRO, Orlando – Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 7.ª ed., Lisboa: Sá Costa, 1998,

p. 71.

290 AGROCONSULTORES E COBA – Carta dos Solos ,Carta de Uso Actual da Terra e Carta da

Aptidão da Terra do Nordeste de Portugal, Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 1991, p. 85.

291 SERRÃO, José Vicente – “Foi o Século XVIII uma Época de Crise ou de Progresso para a

Agricultura Portuguesa?” – (ISCET), Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa, s/d, p. 5.

292 OLIVEIRA, Aurélio de – “Douro País Vinhateiro, da Produção ao Comércio. Algumas

acrescido. Foram também remetidos para o mesmo país grandes quantidades de ouro vindo do Brasil, com balança desfavorável a Portugal293.

As vinhas que produzem o vinho do Porto situam-se ao longo do rio Douro, que se prolonga pelos seu afluentes, como o Tua que banha parte do concelho de Mirandela. No século XVIII a área que produzia este vinho abrangia uma área de vinte e cinco milhas de comprimento e menos de cinco de largura294. O vinho do Porto é espesso, bom e de elevado teor alcoólico. Exportava-se em grandes quantidades para Inglaterra, Holanda e Báltico295.

A cultura da vinha encontrava-se em 1754 muito reduzida e decadente em detrimento dos lavradores da região do Douro originada pela despesa da sua cultura e por o escoamento do vinho ser adulterado pelos taberneiros do Porto, que entretanto haviam aumentado em grande número nesta cidade296.

Até ao século XVIII as encostas da Terra Quente encontravam-se cobertas de mato espontâneo, de que restam pequenos tufos297.

Columbano Ribeiro de Castro informa (1796) que em Lamas de Orelhão, se cultivava vinha e aconselhava Abreiro a optar pelo seu cultivo por seu solo ser fértil e mais propício para esta cultura. Produzia-se também em Frechas, Lamas de Orelhão em terrenos baldios e terra própria, bem como em Torre D. Chama298. Na mesma data visitou Mirandela e verificou que o cultivo da vinha

293 FRANCIS, David – O Tratado de Methwen, Braga: Associação Luso-Britânica do Minho, 1956,

n. 1, p. 8.

294 SCHNAIDER, Susan – O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto. Dependência e

subdesenvolvimento em Portugal no Século XVIII, Lisboa: A Regra do Jogo, 1980, pp. 27 e 21.

295 SCHNAIDER, Susan – ob. cit., p. 30

296 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – “Panorama Agrário, História de Portugal O Despotismo

Iluminado (1750-1807), Lisboa: Verbo, 1981, vol. VI, p. 206.

297 Actualmente a vinha na Terra Quente cobre 300 ou 400 metros quadrados, normalmente

disposta em geios ou socalcos para reter o criado solo constituído por uma mistura de rocha, estrume e terra. A partir de 1807 com o rebentamento do grande penedo do Cachão da Valeira, houve um significativo aumento da vinha que se propagou até à fronteira com o país vizinho. In RIBEIRO, Orlando e Hermann, Suzana – Geografia de Portugal, IV vol. Sá Costa, 2.ª ed., Lisboa, 2000, p. 1249.

298 CASTRO, Columbano Ribeiro de - Mappa do estado actual da província de Tras-os-Montes

feito no anno de mil setecentos noventa e seis por Columbano Ribeiro de Castro juis comissario da sua demarcação, conforme as informações dadas pelas camaras, juizes das terras e parocos, ADB, Manuscrito ms. 908, pp. 214, 92, 233, 116.

se havia intensificado no concelho. Depois menciona que em Abreiro e outras povoações da região se haviam feito novas plantações de vinha299.

As videiras em Trás-os-Montes eram plantadas de diversas formas. Umas vezes tinham por suporte árvores pelas quais trepavam, outras em paus grossos, mas também eram apoiadas em arame e em forma de latada300.

No século XVIII havia sessenta e sete variedades de uvas que produziam o vinho do Porto301. As castas tradicionais de uvas no concelho de Mirandela eram tintã, negreda, moscatel, rabigato, mourisco preto, ferrel, verdelho, cornifesto, malvasia grossa, alvoraça, bastardo tinto, folgasona, alvarelhão, etc.. A produção da vinha merecia o interesse da edilidade e lavradores, como se verifica em sessão de vereações da Câmara de Mirandela em 7 de Agosto do ano de 1723, que em Código de Posturas a vinha foi aludida. Foi decidido durante o tempo das uvas mantidas na vinha, ter presos todo tipo de cães, nomeadamente rafeiro, perdigueiro e podengo. Aquele que fosse encontrado solto o seu dono pagaria de multa 500 réis para o concelho pela primeira vez e a terça parte era para o meirinho302.

Desenvolveu-se a vinha em sistema de monocultura ao logo das centúrias, por sua vez, as vinhas plantadas em terrenos pouco férteis declinaram e algumas até se extinguiram303.

As casta tintas das uvas são touriga, alvarelhão, farinheira, tinto-cão e tinta amarela; as castas brancas são malvasia ou côdea, gouveia ou verdelho, mourisca, sarilho e rabo de ovelha304.

299 CASTRO, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, ob. cit., p. 123v.

300 DIAS, Jorge – Vilarinho das Furnas Uma Aldeia Uma Aldeia Comunitária, Lisboa: Imprensa

Nacional – Casa da Moeda, 2.ª ed., 1983, p. 134.

301 SCHNAIDER, Susan – O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto. Dependência e

subdesenvolvimento em Portugal no Século XVIII, Lisboa: A Regra do Jogo, 1980, p. 27.

302 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, vol. II, Bragança:

Junta Distrital de Bragança, 1983, pp. 183 e 85-88.

303 No século XIX, a vinha foi alvo de uma praga, a filoxera, que lhe reduziu as áreas vinícolas,

pois muitas não foram replantadas. A vinha foi mais tarde enriquecida com as máquinas agrícolas, que lhe aumentaram a propagação e produção; RIBEIRO, Orlando – “Significado Ecológico, expansão e declínio da oliveira em Portugal”, Opúsculos Geográficos – O Mundo Rural, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, vol. IV, p. 86.

304 MORAIS, Rodrigues de – Tratado Prático de Vinificação, 3.ª ed., Porto: Tipografia Mendonça,

A videira é uma planta delicada. Se chover com frequência, o vinho fica fraco e aguado. No Setecentos, a vindima tinha início em fins de Setembro e princípios de Outubro, para a qual era preciso grande número de vindimadores que vinham da Galiza305.

A multiplicação da vinha faz-se com bacelo, plantado nas surribas de quatro palmos de profundidade, em vales e encostas. É usual fazer-se a plantação de Outubro a Março, fazendo-se mais cedo nas terras secas e mais tarde nas húmidas. Numas regiões plantam-se bacelos de uvas pretas e brancas misturados no mesmo terreno, noutros faz-se em quarteirões diferentes. A cultura do bacelo plantado requer muitos cuidados nos três primeiros anos para não secar. Deve cavar-se todos os anos e pôr espetada uma estaca no solo junto de cada um, para nele se prenderem as vides que vão crescendo. Concluía-se a cultura podando e empando as videiras. A poda costumava fazer-se em Janeiro ou Fevereiro. A empa fazia-se de acordo com a vegetação da planta se é mais ou menos forte. A lavra era frequente fazer-se apenas uma vez por ano. No princípio de Agosto, as uvas começam a amadurecer e a vindima fazia-se no fim de Setembro e princípio de Outubro. As uvas eram colhidas pelas vindimadoras e vindimadores para cestos de asas e depois levadas e despejadas em cestos vindimeiros, estes transportados depois para o pio do lagar para serem pisadas as uvas pelos homens306.

Era usual na região do Douro fazer-se a vindima quando a uva estava completamente madura, de acordo com a temperatura, entre 15 de Setembro e 8 de Outubro. Em cada dia da vindima procurava encher-se o lagar e à noite as uvas eram pisadas por homens com os pés bem lavados e as calças arregaçadas até cima do joelho. A pisa começava às vinte horas e terminava por volta da uma da manhã, tendo dado o “corte” ao lagar e executado a 1.ª “sova”. Na manhã seguinte os pisadores voltam para novamente darem “sova” e é nesta em que há os primeiros sinais visíveis para se conhecer se a

305 SCHNAIDER, Susan – O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto. Dependência e

subdesenvolvimento em Portugal no Século XVIII, Lisboa: A Regra do Jogo, 1980, pp. 28-29.

306 BAPTISTA; Manuel Dias – “Ensaio de Uma Descrição de Coimbra - Cultura do Trigo, Cevada

e Milho”, CARDOSO, José Luís, (Dir.), Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o Adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas Conquistas (1789- 1815), Lisboa: Banco de Portugal, 1990, T. I, pp. 219-220.

fermentação do mosto chegou ao ponto certo e que convém separá-lo do “bagaço” ou “cango” e levá-lo para tonéis. Após esta operação procede-se ao aproveitamento do “bagaço”, que pode ter diversas aplicações: produzir água- pé, bebida pouco alcoólica, para uso doméstico do agricultor; produzir vinhos de açúcar com maior teor alcoólico e resulta da fermentação do bagaço que fica na vasilha, onde se mistura açúcar; Produzir aguardente através da destilação do bagaço na caldeira do alambique. O bagaço é muitas vezes utilizado como estrume nos terrenos, o que é muito prejudicial, pelo que é aconselhável misturar-se com estrume disposto em pilhas. Também os líquidos resultantes da destilação do vinho lançam no ar grandes quantidades de materiais em decomposição que pode afectar a saúde pública das localidades onde a destilação se efectua307.

No documento Mirandela Setecentista. (páginas 88-94)