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As Portas

No documento Mirandela Setecentista. (páginas 120-124)

CAPÍTULO III – A PAISAGEM URBANA

1. Morfologia Urbana

1.2. As Portas

A dialéctica da parte de dentro e de fora e de trás de uma cidade exercia-se através das muralhas, das ruas, portas e das vias que nela confluíam. Se a primeira tinha como função isolar o espaço por si delimitado, e protegê-lo dos perigos externos, cabia às portas ligar o espaço intramuros e o exterior que se interligava pelas suas articulações à rede viária. Homens e produtos transitavam entre os dois espaços, transpondo as portas, nos dois sentidos, para a paz ou para a guerra463.

Além da importância militar das portas, o seu papel era fundamental no panorama económico: ao encaminhar através das portas a circulação comercial, tornava-se mais fácil o controle do mercado e o exercício de fiscalidade sobre as mercadorias464. Até no plano higiénico a sua importância, era relevante, uma vez que, aquando de surtos epidémicos, serviam de barreira à sua difusão, fazendo-se através delas a triagem de quem vinha do exterior465.

462 No reinado de D. João I, Mirandela era considerada como fortaleza. Foi uma das fortificações

da Comarca de Trás-os-Montes que obedeceu ao mandado de D. João I para o ajudar, juntamente com as de Bragança, Vila Real, Lamas de Orelhão, Alfândega da Fé, Chaves, Mogadouro, Monforte de Rio Livre, Montalegre, Vinhais, que não tomaram o partido do rei de Castela. (LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, Barcelos: Livraria Civilização editora, 1983, vol. I, cap. 68, pp. 133-134. Convém referir que no início do século XXI, o arqueólogo Isidro Gomes, do Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Mirandela encontrou na Travessa de Santo António restos da muralha medieval (ver apêndice n.º 3), o que ajudou a compreender melhor o espaço amuralhado da urbe; SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, vol. I, Bragança: Junta Distrital de Bragança, 1970, p. 48.

463 LE GOLFF, Jacques – “L’apogée de la France urbaine médievale». In LE GOLFF, Jacques

(Dir.), Histoire de la France urbaine, T. 2, la vile médievale des carolingiens a la Renaissance, Paris: Seuil, 1980, p. 210.

464LE GOLFF, Jacques – ob. cit., p. 300.

465 BENNASSEAR, Bartolomé – « Organization Municipale et communantés d’ habitants en

temps de peste : l’ exemple du Nord de l’ Espagne et de la Castille à la fin du XVI siècle ». Villes de l’ Europe mediterranienne et de l’ Éurope Occidentale du Royen Age au XIX siécle. Actés du colloque de Nice (27-28 mais). Annales de la Faculté des letres et Sciences Humaines de Nice, 1969, n.º 9-10, pp. 139-143.

Quanto à noite, em períodos de guerra, ou noutra circunstância, os centros urbanos fechavam as suas portas reforçadas a ferro466, defendiam o espaço intramuros dos contactos e perigos exteriores: a guerra, a doença e as malfeitorias.

As portas eram então por um lado um ponto de interesse vital, mas por outro lado apresentava uma grande vulnerabilidade, sobretudo quando a urbe era cercada467. Como tal, a sua defesa era considerada prioritária.

Resumindo: as portas ligavam as cidades ao exterior. A elas conduziam e delas partiam estradas e caminhos, integradas numa rede viária organizada com diversos níveis hierárquicos468.

Em 1706 em Mirandela verificamos que a muralha apresentava um estado avançado de degradação, mas ainda possuía as suas três portas469: Porta de Santo António, Porta de Santiago e uma denominada Portela. Existia ainda o Postigo de S. José rasgado na muro470. Do número de portas existentes no período setecentista, resta actualmente a de Santo António.

1.2.1 Porta de Santo António

É de arco ogival em granito aparelhado até ao começo do arco, sendo este constituído de xisto e argamassa. Voltada para o rio, dava acesso à vila aos transeuntes vindos da barca de passagem no Tua. Esta porta era da exclusividade dos peões, uma vez que trânsito de gado cavalar, muar, asinino, carros de madeira e carretos se fazia pela de Santiago e Portela471. Junto da porta de Santo António foi construída um capela de invocação a Santo António472. Na cornija da porta existia a seguinte inscrição: “Esta capela se fez no ano de 1701, com arte sagrada em honra do Paulo Português”473. Sales

466 BENNASSEAR, Bartolomé – ob. cit., p. 141.

467 MONTMAYOR, Julián – “Una cindad frente à la pest: Toledo a fines del XVI”. La cindad

hispanica durante los siglos XII al XVI, Madrid: Univ. Complutense, 1985, T. II, pp. 1113-1132.

468 MONTMAYOR, Julián – ob. cit., p. 1132. 469 COSTA, António Carvalho da – ob. cit., p. 395.

470 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, Bragança: Junta

Distrital de Bragança, 1970, vol. I, p. 51.

471 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – ob. cit., p. 51.

472 A. D. B.., Capela de Santo António de Mirandela, 1659, cx38, Doc. 098, p. 14. 473 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – ob. cit., p. 55.

opina ter sido reconstruída em 1701 por Paulo de Sá Morais, capitão-mor de Mirandela, anexada a um edifício de moradia, com a qual comunicava pelo interior. Era sua administradora (1758) D. Doroteia Morais Sarmento e Castro, viúva de Vasco de Morais Sarmento, provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1745 e Capitão da vila de Mirandela474.

Ilustração N.º 4 - Porta de Santo António (2004)

1.2.2 Porta de Santiago

Esta porta da muralha dava acesso à vila através da praça do município. Era a única construída em granito, e possuía arco de volta inteira. Não pertencia à primitiva fortificação, sendo reconstruída posteriormente ao mesmo tempo que uma capelinha situada sobre o arco da cerca, de invocação a Santiago (1696)475. Foi nesta data que a família Pinto Cardoso “se assenhorou do arco e sobre ele construiu a pequena capela de Santiago”. Nela se celebrava missa no dia 25 de Julho, dia deste Santo e de feira anual, a que o povo e feirantes assistiam ao ar livre. Encontrava-se anexada ao morgadio desta família. A capela era de dimensão muito reduzida, apenas da largura da

474 CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal ed. Popular e Ilustrada, 3.ª ed., Lisboa: Empresa da

História de Portugal, 1899, vol. X, p. 117.

muralha. No seu interior existia somente um altar. O frontispício estava voltado para a Praça do Município, tinha portas em vidro, era encimado por uma escultura tosca em granito de Santiago a cavalo, empunhando uma lança476.

Santiago era um santo de muita devoção nesta zona, por Mirandela se incluir nos Caminhos de Santiago, num dos itinerários portugueses que conduziam a peregrinação a Santiago de Compostela na Galiza em trajecto mais directo. Ia de Castelo Rodrigo a Chaves, passando por Mirandela477.

1.2.3 Portela

Era uma porta da muralha (1688) que dava acesso ao tráfico das freguesias localizadas a Sul de Mirandela, nomeadamente Frechas, Caravelas, Freixeda, S. Salvados, etc. Dela já nada resta, a não ser o topónimo e a tradição. De acordo com a toponímia, a portela é pressuposto ter-se situado no local onde as ruas de S. Miguel, S. Mateus e da Portela se juntam478.

1.2.4 Postigo de S. José

Na opinião de Ernesto Sales, este postigo ou fresta rasgava-se na cerca provavelmente junto ou na proximidade do sítio onde a Rua de S. José termina na Rua do Rosário e encontrava-se voltado para o Toural. A acta de sessão camarária de 8 de Junho de 1688 relativa aos mordomos da procissão do Corpo de Cristo refere-o: “...para mordomos de Santa Catherine e Santa Barbora Lourenço Pinho alfaate do postigo desta villa”. Dele resta apenas o topónimo Travessa do Postigo, que designa uma travessa que liga a Rua do Rosário com a das Amoreiras479.

476 Na década de oitenta do século XIX a Porta de Santiago no interior da muralha encontrava-se

em bom estado de conservação. Em 27 de Setembro de 1880, a câmara de Mirandela alegando ser a porta de Santiago estreita e dificultar o trânsito de veículos de carga, decidiu demoli-la e com ela o referido arco de volta inteira. Também a capelinha de Santiago foi derrubada para alargar a rua entre o Cabo da Vila e Praça do Município. A imagem de Santiago em pedra que rematava a fachada principal do pequeno templo, foi levada para remate do frontispício do palacete da Família Pinto Cardoso. (SALES, Ernesto Augusto Pereira de – Mirandela Apontamentos Históricos, Bragança: Junta Distrital de Bragança, 1970, vol. I, p.51.)

477 GIL, Carlos e João Rodrigues – Pelos Caminhos de Santiago Itinerários Portugueses para

Compostela, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1990, p. 113.

478 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – ob. cit., p. 52. 479 SALES, Ernesto Augusto Pereira de – ob. cit., p. 52.

No documento Mirandela Setecentista. (páginas 120-124)