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A violação dos IGT

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 48-51)

O MINISTÉRIO PÚBLICO NA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA

1. Urbanismo e instrumentos de gestão territorial

1.3. A violação dos IGT

Aqui entramos num tema da maior importância: a problemática dos ilícitos de natureza administrativa em matéria de instrumentos de gestão territorial.

É possível distinguir duas grandes categorias de ilícitos administrativos por violação dos IGT: • A violação de um IGT por outro IGT de plano inferior, obrigatoriamente compatível. • A violação de um IGT por um ato administrativo – de informação prévia, ou de

licenciamento.

A violação de um IGT por outro IGT

Nesta vertente rege o artigo 102.º n.º 1 do RJIGT (Decreto-Lei n.º 380/90), que comina a sanção de nulidade para a violação de determinada disposição de um plano por outro plano com o qual devesse ser compatível.

Como é sabido a nulidade é a sanção mais grave. Assim, o plano ou alguma das suas normas que violem outro plano de nível superior (com o qual devesse ser compatível) não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, que pode ter lugar a todo o tempo, mesmo oficiosamente, e a título principal ou incidental.

Nestes casos, pode estar em causa a nulidade de todo o plano ou de algumas das suas normas, e pode mesmo estar em causa o ato administrativo de aprovação do plano.

Esta distinção reveste-se da maior importância para efeitos de declaração da nulidade a título principal, porque, embora o meio processual próprio seja o mesmo – ação administrativa especial – no caso da ação para impugnação de normas existem especificidades, pressupostos e efeitos próprios, previstos nos artigos 72.º a 77.º do CPTA.

Para se saber quando estamos perante uma situação ou outra, cremos que é determinante apreciar a validade do procedimento administrativo de elaboração do plano.

Em princípio, se o procedimento decorreu sem qualquer vício, com observância das disposições legais aplicáveis, sem preterição de formalidades a que a lei obriga, designada mente no processo decisório, estaremos, sem dúvida, perante uma situação de ilegalidade de normas, por vícios próprios.

Caso contrário, se o próprio procedimento está inquinado por algum vício, inquinado fica o ato final de aprovação do plano, o mesmo sucedendo se é nesse próprio ato que se verifica algum vício, e então poderemos estar perante uma invalidade do ato administrativo que aprovou o plano, o que tem como decorrência necessária a inexistência de plano aprovado.

No entanto, do artigo 76.º n.º 1 do CPTA parece resultar que, mesmo em caso de vícios no âmbito do respetivo procedimento de aprovação, estaremos perante uma situação de impugnação de normas. Daí que muitas vezes as fronteiras entre estas duas realidades poderão não ser assim tão nítidas, levantando sérias dificuldades de caracterização do vício.

No âmbito do planeamento municipal, é na revisão dos PDM, na aprovação dos Planos de Urbanização (PU) e nos Planos de Pormenor (PP) que podem ocorrer situações de tráfico de influências, na medida em que é nesta sede que se define a política dos solos quanto à sua classificação – rural ou urbano – e quanto à sua qualificação – uso e edificabilidade.

São atividades que envolvem os decisores camarários/políticos e os grandes promotores imobiliários, e se caracterizam pela existência de um alto risco de prevaricação da lei, de forma a obter situações de maior rentabilidade, normalmente através da permissão de excesso de edificação.

A violação de um IGT por um ato administrativo – de informação prévia, ou do licenciamento.

Esta é, sem dúvida, a vertente predominante em matéria de ilícitos administrativos por violação dos IGT, estando em causa os atos próprios das competências dos municípios, praticados através dos seus órgãos, no exercício da função de controlo administrativo da atividade urbanística dos particulares, através do licenciamento e autorização das respetivas operações urbanísticas.

É também, e por isso, nesta área que sobressai o papel da IGF, no exercício das suas competências, no âmbito da tutela sobre as autarquias locais.

O exercício da tutela administrativa faz-se, sobretudo através as Inspeções, podendo haver lugar também a Inquéritos e Sindicâncias.

Como é sabido, a IGF elabora o seu plano anual de inspeções, mas a sua atividade abrange muitas intervenções extraordinárias e/ou pontuais, motivadas por queixas denúncias e exposições que lhe são feitas pelos particulares ou, por vezes, por outras entidades.

Para estas situações em que um ato administrativo seja praticado em violação de qualquer instrumento de planeamento territorial, a nulidade é também a sanção legalmente prevista – artigo 68.º, al. a), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, diploma que tem sido objeto de sucessivas alterações, a última (12.ª) pela Lei n.º 28/2010, de 2 de setembro.

Uma das grandes dificuldades que se colocam na deteção e sancionamento de situações de violação dos IGT prende-se com o facto de a aprovação das operações urbanísticas resultar da aplicação de um verdadeiro emaranhado de legislação.

Por vezes os procedimentos são conduzidos de tal modo que resulta a aparência de que a operação urbanística está em conformidade com a legislação aplicável, quando efetivamente tal não corresponde à realidade, ou seja, pelo meio está alguma coisa desconforme com as disposições normativas aplicáveis.

Por outro lado esse emaranhado de legislação facilita aos técnicos responsáveis uma posição de domínio sobre os munícipes, construtores e promotores.

Querendo, facilmente encontram sempre alguma coisa que não está bem, tornando num verdadeiro calvário a obtenção de um licenciamento.

Mas, também querendo, podem assumir uma atitude de maior tolerância ou até de colaboração, quando não de iniciativa, para resolver as sucessivas questões que se podem suscitar no decurso do procedimento, cujo rol às vezes parece infindável.

Este modus operandi envolve sobretudo os técnicos e os pequenos promotores imobiliários, muito embora também os decisores camarários/políticos e os grandes promotores imobiliários surjam ligados a estas situações, quando se trata de projetos de grande envergadura.

Consequências dos ilícitos administrativos por violação dos IGT no âmbito da tutela:

Existem ilícitos administrativos em matéria de violação dos IGT que, para além das consequências sancionatórias ao nível da invalidade dos atos praticados, também têm consequências sancionatórias tutelares: dissolução do órgão ou perda de mandato.

Com efeito, pela violação culposa de instrumento de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes, pode ser dissolvido o órgão autárquico, nos termos do artigo 9.º, al. c), da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, e incorrem em perda de mandato os membros de órgãos autárquicos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 1, alínea d) e 9.º, al. c), da mesma Lei.

Contudo, a jurisprudência tem-se mostrado particularmente exigente na apreciação da culpa para estes efeitos, sob entendimento de se trata de medidas sancionatórias graves que colidem com direitos políticos fundamentais como o do exercício do cargo e o direito de ser eleito para cargos públicos e que, portanto, só devem ser tomadas depois de atenta ponderação, devendo apurar-se nomeadamente e de forma cuidadosa a culpa de quem por elas é atingido.

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 48-51)