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Operações urbanísticas

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 60-62)

ARTICULAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE LICENCIAMENTO ZERO COM OS PROCEDIMENTOS URBANÍSTICOS

A. Operações urbanísticas

As operações urbanísticas previstas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (também designado por RJUE) referem-se essencialmente a formas de fraccionamento e ocupação do solo com infra-estruturas e edificações, bem como à sua destruição e utilização.

Todavia, o conceito de outras operações urbanísticas inclui operações de uso do solo para fins urbanísticos, como sucede com stands de venda.

A noção de operações urbanísticas que é dada pelo RJUE, em especial o conceito de obras de edificação, não cobre todo o tipo possível de actuações sobre o território. Se aquela noção não nos merece, em princípio, reservas, a verdade é que ela tem potenciado o surgimento de múltiplas situações em que “novas” formas de utilização do solo, com grande impacto neste, parecem não ter um suficiente ou inequívoco enquadramento legislativo.

Um dos requisitos legais que mais tem potenciado esta situação prende-se com a exigência, para que se esteja perante uma obra de edificação, de que a mesma seja um imóvel destinado a utilização humana ou se trate de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. Ora, novas formas de “edificação” como os pré-fabricados, as estufas (sobretudo quando inseridas em grandes empreendimentos agrícolas), e, mesmo, os contentores (seja para fins de armazenagem, seja para habitação, sobretudo de trabalhadores rurais), têm vindo a proliferar muitas das vezes a reboque do entendimento que a instalação de tais actividades não carece de qualquer controlo municipal, o que as torna de mais fácil instalação e de mais difícil detecção.

Ora, julgamos que é hora de aqueles requisitos das “obras de edificação” passarem a ser entendidos de forma adequada, em especial o critério da permanência. Deverá bastar para que este critério se mostre cumprido que a construção, ainda que amovível, se instale no solo de forma estável e que a sua “deslocação” ou “desmontagem” do solo em que se implantou o comprometa, de tal forma que a sua instalação e reposição na situação anterior venham a carecer de intervenções de grande monta (movimentos de terras, infra-estruturação, etc.). E não se diga que não podemos ler o carácter de inamovibilidade (aliado ao de permanência) de forma diferenciada da noção civilística de imóvel. Isto porque cada ramo da ordem jurídica tem a sua intencionalidade própria, devendo os respectivos conceitos ser lidos em consonância com ela (é o caso, por exemplo, da noção do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que presume o carácter de permanência de edifícios e construções que, ainda que móveis, estejam assentes no mesmo local por período superior a um ano – artigo 2.º, n.º 3). E é por isso mesmo que a alínea a) do artigo 2.º do RJUE acrescenta à noção de imóvel a de “outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência”, precisamente para indiciar que ambas não se confundem, não se tendo de exigir uma ligação tal que converta uma construção móvel numa construção absolutamente marcada pela fixidez.

De uma conjugação desta noção de edificação com a noção da ocupação de utilização do solo "desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais,

mineiros ou de abastecimento público de água", resulta uma esfera de confluência não despicienda entre operações urbanísticas e outras actividades que encontram no solo a sua sede.

E, por isso, os Municípios têm também competências avulsas em domínios conexos com o direito do urbanismo (não se esgotando nas operações urbanísticas abrangidas pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), como sucede com o licenciamento de acções de aterro ou escavação que conduzam à alteração do relevo natural e das camadas de solo arável [artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril]2.

O mesmo se diga, como veremos, a propósito de acções como as de ocupação de espaço público e do exercício de actividades económicas (como sucede com a afixação de publicidade, com a definição dos critérios dos horários de estabelecimento e com a definição dos moldes de instalação de algumas actividades económicas).

E é precisamente na confluência destas competências que surgem núcleos problemáticos relacionados com a distinção dos contornos entre operações de edificação e operações de uso do solo a que se associam diferentes regimes jurídicos.

Por exemplo, perante uma certa ocupação do solo para venda de fruta, como muitas que se encontram à beira de vias públicas, é necessário que o Município identifique se está perante uma edificação (se a actividade assentar numa estrutura com uma ligação permanente ao solo), se em face de uma situação de venda ambulante (se a actividade for desenvolvida de forma itinerante em unidades móveis ou amovíveis, nos termos do artigo 81.º do Decreto-Lei 10/2015); se perante uma actividade não sedentária (em edifícios ou unidades móveis ou amovíveis, com limitação de eventos, nos termos do artigo 2.º, alínea k) e 138.º do Decreto-Lei 10/2015); ou se está em face de um uso do solo para fins urbanísticos (como sucederá com unidades de comércio com carácter permanente que não dependem, porém, da implantação de edificações).

Dependendo da integração jurídica do tipo de uso do solo, assim variarão as regras aplicáveis, bem como as consequências jurídicas em caso de incumprimento.

B. Procedimentos

Com a alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, manteve-se a referência à licença, à autorização e à 2 Note-se que ao ter vindo regular os procedimentos de controlo preventivo a que devem ficar sujeitas também as operações urbanísticas de remodelação de terrenos, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação revogou parcialmente, de forma tácita, o Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril. Este, aplicando-se também a situações de aterro ou escavação que conduzam à alteração do relevo natural e das camadas do solo arável, continua a ter importância numa perspetiva essencialmente rural, mas já não urbanística (cfr. o Parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro de 7 de Agosto de 2009, proferido no processo DSAJAL 140/09). Ainda assim, o município mantém as suas competências licenciadoras, ao abrigo deste diploma, para autorizar situações de aterro ou escavação que conduzam à alteração do relevo natural e das camadas do solo arável, para quaisquer outros fins (que não os urbanísticos).

comunicação prévia, bem como o critério que está na base da mobilização de cada uma delas: a autorização continua reservada para a utilização dos edifícios; a comunicação prévia fica tendencialmente reservada para as situações em que as regras aplicáveis são suficientemente precisas e concretas de modo a que o interessado saiba exatamente o que pode fazer; e as licenças ficam reservadas, também tendencialmente, para as situações em que, por as regras aplicáveis não serem suficientemente precisas, existe maior discricionariedade administrativa na apreciação do projecto.

A grande novidade introduzida por este diploma prende-se com a nova configuração que ele vem conferir à comunicação prévia, que passa a corresponder a uma “declaração que, desde que correctamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer actos permissivos” (n.º 2 do artigo 34.º). Uma mera comunicação prévia, portanto, e não, como se afirma incompreensivelmente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 136/2014 e no n.º 1 do artigo 4.º, uma comunicação prévia com prazo.

Não se trata, por isso, de um procedimento de controlo prévio, mas de um procedimento de responsabilidade do interessado que envolve ainda alguma actuação prévia mínima por parte da Administração, como a de saneamento, mas que acaba por se centrar no domínio do controlo sucessivo da operação comunicada.

Cumpre-se, assim, neste domínio, a substituição do princípio da autoridade pública pelo princípio da autorresponsabilização dos particulares: em vez de mecanismos de controlo assentes em procedimentos de autorização administrativa, criam-se formas de controlo preventivo da responsabilidade dos próprios interessados em desenvolver a atividade que tem algum potencial de risco e cujo desenvolvimento se mantém, por isso, dependente da observância de requisitos fixados na lei.

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 60-62)