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Cruzamento de exigências

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 62-65)

ARTICULAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE LICENCIAMENTO ZERO COM OS PROCEDIMENTOS URBANÍSTICOS

C. Cruzamento de exigências

Do exposto previamente, resulta que é essencial articular, perante uma pretensão concreta, as exigências normativas relativamente à localização do empreendimento, às operações urbanísticas a levar a cabo, aos procedimentos destinados a controlar o impacto do estabelecimento no tecido empresarial existente, aos requisitos aplicáveis à atividade específica a desenvolver e às exigências dele decorrentes (em termos de publicidade, por exemplo) e às regras técnicas de construção e de funcionamento (certificação energética, acessibilidades, ruído).

A forma de cruzamento destas exigências tem vindo a evoluir de uma solução única para uma variedade de soluções.

De facto, a visão tradicional assentava na criação de um procedimento especial ou complexo para as operações urbanísticas relativas a actividades económicas e carecidas da aprovação da Administração central (licenciamento industrial, comercial, etc.). Este procedimento previsto

até à alteração do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, no artigo 37.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, assentava nos seguintes pressupostos:

• A autorização da atividade cabia ao Estado, autorização esta que se apresentava como requisito prévio para a prática de actos de gestão urbanística, sob cominação de nulidade; • A instalação de um estabelecimento surgia como uma pretensão complexa: envolvia várias

valências, da responsabilidade de distintas entidades, as quais eram objecto de procedimentos distintos de controlo que, embora conexos, se sucediam sobre aspectos parcelares daquela pretensão. Esses passos eram, tradicionalmente, os de autorização de localização, autorização da atividade, eventual “licenciamento” de obras e de utilização do edifício e autorização de funcionamento.

A visão actual assenta num paradigma distinto. Com a revogação do artigo 37.º do RJUE, que regulava um esquema supletivo de relacionamento supletivo entre os vários actos e procedimentos que compõem os procedimentos especiais, assumiu-se em definitivo a "ausência de modelo" como a melhor forma de proceder, porque mais ágil e ajustada a realidade e regular. Já não pode falar-se, por isso, de um modelo legal base aplicável a todos os procedimentos especiais, remetendo-se antes para o "reino" das soluções especiais e avulsas.

Mas mesmo que estas soluções especiais divirjam – como, aliás, veremos – continua a valer e a constituir a matriz orientadora neste domínio a diferença entre o procedimento de controlo da instalação e modificação da actividade específica a desenvolver e o procedimento de controlo preventivo das operações urbanísticas que, por aquele motivo, tenham de se realizar (quer se trate de obras, quer da utilização dos edifícios nos quais aqueles empreendimentos ou instalações vão funcionar).

Existe, pois, uma indubitável autonomia entre os dois regimes: • Um relativo à instalação e funcionamento da atividade;

• Outro referente às operações urbanísticas necessárias à instalação e exploração daquela actividade3.

Em especial, é necessário diferenciar entre autorização de utilização e a comunicação prévia da actividade, de modo a acentuar o carácter dominantemente objectivo da primeira e o carácter subjectivo (empresarial) da segunda. Enquanto a autorização de utilização visa definir o quadro dos usos possíveis num edifício ou fracção (portanto, sendo o mais ampla possível), a típica comunicação de atividade visa afunilar aquelas possibilidades, de modo a que seja

3 Contudo, é essencial que eles se articulem nos termos específicos previstos em legislação especial e que variam consoante o tipo de situações: se a instalação da actividade implica a construção de uma nova edificação, tal demanda o controlo de obras e da respectiva utilização; se se localiza em edifícios legalmente existentes, pode ser necessária a realização de obras sujeitas a procedimentos urbanísticos ou a alteração de uso, com a correspondente necessidade de alteração da autorização de utilização.

viável, em cada momento, identificar o uso específico que se encontra a ser levado a cabo num edifício e fracção e por quem (cfr. quadro infra). Assim se a autorização de utilização é dada para comércio, a comunicação de atividade pode referir-se a qualquer uso comercial específico, devendo definir-se qual4.

Nem sempre é fácil levar a cabo esta distinção acima ensaiada, por haver "licenças" de utilização antigas que indicam usos específicos (de cabeleireiro, por exemplo) acompanhando a tradicional ausência de uma lista fechada de autorizações de utilização. Neste caso entendemos que se se pretender posteriormente exercer uma actividade distinta no edifício ou fracção, instalando, por exemplo, uma clínica dentária, que não há motivos para exigir uma alteração à autorização de utilização, uma vez que as duas actividades integram o mesmo tipo de uso. Quando muito poderá proceder-se a uma rectificação da autorização de utilização e do seu título para esta passar a mencionar o uso genérico do edifício e não a atividade específica que nele se instalou.

Hoje em dia, porém, dada a distinção clara acima efectuada entre uso urbanístico e atividade económica, já não faz sentido reduzir o escopo das autorizações de utilização a uma finalidade muito específica, sob pena de a instalação de uma atividade distinta obrigar a uma alteração

4 De tal forma estes conceitos são distintos, que a autorização de utilização enquadra o exercício de actividades plurais. É o que sucede com as secções acessórias de um estabelecimento: em princípio abrangidas pela autorização de utilização deste estabelecimento (na medida em que em causa está um uso funcionalmente uno), ainda que estejam sujeitas às regras específicas para cada tipo de atividade. Da mesma maneira, é possível a emissão de autorizações de utilização para partes delimitadas de edifícios (ou das suas fracções) desde que susceptíveis de utilização autónoma e legítimo que um estabelecimento se instale em um ou mais edifícios ou fracções (que tenham uma ligação funcional entre si).Logo, a actividade a exercer não tem de coincidir espacialmente com uma autorização de utilização. Todavia, o edifício ou fracção onde se instala o estabelecimento deve possuir título de autorização de utilização compatível com a atividade a exercer.

de utilização, uma vez que a utilização inicial foi emitida em conformidade com a vontade esclarecida do requerente para uma única atividade.

Naturalmente que a diferença entre ambas as figuras se reflete procedimentalmente diferenciando-se entre um procedimento administrativo autorizativo que, ainda que iniciado pelo proprietário culmina num acto administrativo expresso ou tácito (que se pronuncia sobre o cumprimento do projeto licenciado ou comunicado ou com a aptidão do edifício ou fracção para receber tal uso) de outras atuações mais ágeis, da responsabilidade quase exclusiva dos interessados, que noticiam o seu exercício de atividade, a alteração desta e o eventual encerramento do estabelecimento.

No documento Direito e Processo Administrativo (páginas 62-65)