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A vizinhança e a concessionária de energia

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Capítulo IV – A COMUNICAÇÃO ENQUANTO RELACIONAMENTO

3. Relacionar para comunicar

3.1 A vizinhança e a concessionária de energia

Conforme antecipado no capítulo 2, Ferreira (2011) desenvolveu sua tese sobre diálogo social na concessionária Ampla para avaliar os resultados de um projeto de diálogo social implantado pela organização para se comunicar/relacionar com a comunidade vizinha. O pesquisador caracteriza teoricamente o diálogo social e avalia a adoção dessa prática pela empresa.

De fato, a organização estabeleceu relacionamento com a comunidade do entorno, ofereceu capacitação para os sujeitos envolvidos no diálogo social, manteve a prática continuada dos encontros presenciais e, ainda assim, atendeu apenas parcialmente as dimensões do diálogo social para o consenso. “Ela ainda está em um estágio anterior, o diálogo participativo” (FERREIRA, 2011, p. 314).

Entre os aspectos responsáveis por esse resultado parcial estão a centralidade do processo de mobilização comunitária e a propriedade do local dos encontros, decisões que, segundo o estudioso, precisam ser revistas caso a empresa queira saltar para a condição do diálogo para o consenso. A questão dos locais onde ocorrem as interações face a face será debatida nesta tese, de forma mais profunda, no capítulo 7.

Uma das conclusões mais instigantes do estudo de Ferreira é que a prática da comunicação face a face, através do método do diálogo social, provocou mudanças significativas tanto na empresa como na comunidade. Conforme visto anteriormente, a Ampla encarou um processo de abertura e conseguiu incorporar aspectos da cultura externa, enquanto a comunidade vizinha passou a estabelecer expectativas e exigências diferenciadas em relação aos agentes produtivos locais. Percebe-se, nesse caso, um indício de intensidade do

relacionamento, considerando que se o vínculo criado fosse frágil, dificilmente promoveria tais mudanças de atitude. A alteração de comportamento representa, nas concepções de Ferreira (2011) e Galerani (2006), uma das possibilidades de ganho da comunicação organizacional.

O depoimento de uma liderança dos usuários envolvida no diálogo social obtido pelo pesquisador aponta para a percepção de que “a relação com a Ampla melhorou bastante. Eu não vou dizer que o serviço melhorou tanto assim, mas a relação da empresa com o usuário melhorou. A empresa está mais flexível” (FERREIRA, 2011, p. 303). A satisfação do consumidor se manifesta no depoimento, no momento em que ele declara a evolução positiva do relacionamento.

O autor da tese afirma ainda que o início da relação foi conturbado, porém, aos poucos, as duas partes reconstruíram o relacionamento a partir de mudanças (planejadas pela organização) na forma de atuar e reagir. Parte dessas transformações pode ser explicada pela citação abaixo, que, apesar de longa, resume boa parte do pensamento do investigador a respeito das potencialidades do diálogo presencial (daí a opção por reproduzi-la na íntegra):

Na interação dialógica face a face, estabelecida no cotidiano da relação entre os agentes sociais, são instituídos o relacionamento, o grau de confiança, de reciprocidade, as assimetrias e as complementaridades. Isto se dá pelo fato de uma organização poder ser definida como um sistema de interações endógenas e exógenas. Portanto, deveríamos fazer uma retomada da interação, por parte das teorias da comunicação. Parte significativa do pensamento sobre interação está atrelada à relação entre indivíduos. A relação entre uma pessoa jurídica e uma pessoa física é pouco tratada. Todavia, o cruzamento do debate teórico entre interação e reputação nos levou a considerar a comunicação como um processo de interação dialógica com os stakeholders, em um sistema pautado pela transparência e a ética. É um sistema permeado por conflitos, significados, consonâncias e dissonâncias. A interação dialógica é um processo de comunicação interpessoal no qual os agentes sociais compartilham significados, mantêm, adquirem, mudam ou excluem valores que constituem ou não a realidade (objetiva e subjetiva) em que vivem. Na perspectiva organizacional, a interação é uma forma de resolver conflitos e estabelecer canais de diálogo que equalizem as expectativas dos públicos de interesse e as dela. A interação comunicativa trata do conteúdo e da relação – comunicação e metacomunicação, respectivamente. Portanto, ao proferir um discurso, o agente social está trabalhando o conteúdo em si e a relação com os interlocutores. Quanto mais saudável for a relação, menos tempo será destinado ao confronto relacional. Tais relações são duradouras porque estão em constante desenvolvimento e constroem uma história compartilhada. A continuidade e a consistência da relação são fundamentais. (FERREIRA, 2011, p. 319-320).

A questão da confiança é profundamente discutida no estudo. Para o autor, “o conceito de confiança passa pela necessidade de conhecer o outro e se dar a conhecer e reconhecer os atributos positivos da identidade da organização (o que ela realmente é)” (FERREIRA, 2011, p. 191). Novamente, depoimentos colhidos na pesquisa com a Ampla permitem averiguar a ocorrência desse fenômeno envolvendo a organização, começando pela perspectiva de um diretor: “a relação deles [clientes] com a empresa ficou menos distante e de mais confiança. A gente ainda tem muito problema. São problemas de qualidade, de faturamento, de conta errada, mas ele confia mais” (FERREIRA, 2011, p. 290, grifos nossos).

Do ponto de vista de um líder social, representante dos usuários da concessionária, a confiança aparece subentendida no relato sobre a melhoria do relacionamento:

Hoje eu entendo a posição da Ampla. É um diálogo porque eles ouvem as nossas críticas. Eu costumo dizer que tudo que é bom tem uma coisa que é falha. [...] Existem falhas? Existem falhas, mas as falhas que eu vejo são coisas pequenas. As coisas positivas que eu vejo são mais aproveitáveis. Tem muito mais ganhos do que perdas [...]. (informação verbal) [de uma liderança social pesquisada]. (FERREIRA, 2011, p. 288).

Ao instituir o programa de diálogo social com a comunidade do entorno, a Ampla introduziu uma estratégia de comunicação que implica, igualmente, cuidado com o relacionamento. A empresa se dispôs a ouvir esse stakeholder e o estudo da USP indica avanços nas relações. Embora não seja possível afirmar categoricamente que os relacionamentos construídos a partir dos contatos face a face refletem um alto nível de qualidade, as conclusões do autor e depoimentos apresentados permitem inferir que não se trata de relações superficiais.

As comunidades estudadas por Ferreira8 constituem um importante público externo com o qual a empresa decidiu se relacionar. Assim como os habitantes do entorno, outros grupos configuram-se como relevantes, seja para legitimar a reputação organizacional, seja para ampliar seus negócios (e lucros). A proximidade física é uma variável condicionante para a pesquisa que ele desenvolveu, entretanto, nem sempre o público de interesse se encontra tão acessível geograficamente.

O fato é que, esteja ele perto ou longe, “[...] as organizações geralmente tomam decisões melhores quando ouvem e colaboram com seus stakeholders, antes de tomar decisões finais, em vez de simplesmente tentar persuadi-los a aceitar os objetivos

organizacionais depois que as decisões são tomadas” (HON; GRUNIG, 1999, p. 8, tradução nossa)9.

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