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Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto

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Capítulo II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E A COMUNICAÇÃO FACE A

2. Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto

O processo de amadurecimento da comunicação organizacional no Brasil, nesse início do século 21, coincide com um cenário de instabilidade e incerteza promovido pelas relações líquidas da modernidade8; pelos efeitos da globalização nos sistemas econômico, social, político e cultural; pela explosão das novas tecnologias que libertam e, ao mesmo tempo, aprisionam o homem; e pela emergência de uma sociedade pautada pelo consumo/consumismo. A noção de tempo vincula-se à de velocidade; a de espaço à ideia de mobilidade. É nesse contexto hodierno que será trabalhado o conceito de comunicação organizacional.

Seria improdutivo traçar um histórico sobre a evolução da comunicação organizacional no Brasil, trabalho já executado com maestria por estudiosos como Wilson da

8 Conforme visto no capítulo 1, a metáfora da liquidez é tratada em várias obras do sociólogo Zygmunt Bauman e se relaciona à volatilidade e à fluidez que caracterizam a atualidade. “[...] os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo” (BAUMAN, 2001, p. 8).

Costa Bueno (2003, 2009a), Margarida Kunsch (2008), Waldemar Luiz Kunsch (2009), Cleusa Maria Andrade Scroferneker (2011), Backer Ribeiro Fernandes (2011), Maria Aparecida Ferrari (2011a) e Paulo Nassar (2008, 2012). Parte-se da premissa que a comunicação organizacional ou empresarial9 evoluiu de forma exponencial no Brasil da década de 1980 até a atualidade.

Não é desprezível a influência que sofreu de correntes teóricas norte-americanas, com vieses funcionalista, mecanicista ou instrumental. Sua prática caracterizava-se pelo seguinte esquema: a organização (emissora) transmitia mensagens aos públicos (receptores) com os quais desejava se relacionar, sob a convicção de que suas intencionalidades seriam atingidas. Essa lógica parecia sólida e ainda hoje existem comunicadores e organizações que seguem esse modelo.

O problema é que o mundo vem sofrendo profundas transformações. “O que este início de século está nos ensinando é que a instabilidade deixa de ser um momento transitório para estabelecer-se como um estado permanente. Portanto, os momentos de estabilidade se projetam como períodos transitórios de uma instabilidade estrutural” (MANUCCI, 2010, p. 175). Diante desse novo paradigma, em que a solidez é posta em xeque, não há mais espaço para pensar a comunicação como um processo estanque e previsível. A complexidade passou a tecer as bases desse processo envolvendo a organização, seus interlocutores e o contexto onde se desenvolve a comunicação. Nesse sentido, Euclides Guimarães (2011, p. 146) pontua que

para as organizações, isso [a modernidade líquida] traz profundas decorrências, a começar pelo perigo do comprometimento de um aspecto que lhe é essencial, a configuração de procedimentos e rotinas fixas como o que faz dela uma instituição organizada. Na palavra organização encontra-se embutida a ideia de rotinas e hábitos cristalizados. Organizar é, por natureza, conspirar contra o acaso e tal conspiração não se faz senão pela afixação de hábitos, sem a qual os atos humanos se tornam sobremaneira imprevisíveis.

Instaura-se, portanto, um paradoxo organizacional. Segundo esse autor, “a única garantia dada, [é] a de que as coisas não poderão manter-se por muito tempo como estão” (GUIMARÃES, 2011, p. 146). Como forma de mitigar essa inconstância, alguns estudiosos introduzem uma eventual noção reguladora da comunicação no âmbito das organizações. Assim, ela seria definida “como um mecanismo corretor, no intuito de sanear a instabilidade e

9 Neste estudo, os termos comunicação organizacional e comunicação empresarial serão utilizados como sinônimos.

proporcionar a clareza” (FAUSTO NETO, 2011, p. 48). No entanto, antes de atribuir esse “poder” à comunicação, é preciso mergulhar no paradigma relacional para conhecer os limites que norteiam essa prática empresarial10.

Esse paradigma oferece suporte às investigações conduzidas pelo grupo de pesquisa “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais”, vinculado à Pontifícia Universidade Católica (PUC/Minas/CNPq). Seus pesquisadores propõem uma abordagem crítica, que considera aspectos sociológicos da comunicação organizacional, identificada com estudos europeus11.

Nessa linha, Fábia Pereira Lima e Fernanda de Oliveira Silva Bastos (2012, p. 37), em coletânea lançada pelo grupo de pesquisa, explicam que

uma análise da comunicação no contexto organizacional, com base no paradigma relacional, não considera o processo de dimensões estanques; pelo contrário, o analisa com base em seu movimento, suas articulações e relações. Nesse sentido, estudar comunicação no contexto organizacional é analisar a relação entre sujeitos interlocutores (e devemos ver a organização como um dos interlocutores) que constroem sentido na interação por eles estabelecida pelas trocas simbólicas mediadas por diferentes dispositivos, em determinado contexto. O fenômeno comunicacional, dessa maneira, só pode ser compreendido como globalidade em que os elementos se afetam mutuamente e, na relação, se reconfiguram e reconfiguram a sociedade.

Os estudos relacionais consideram o contexto e a linguagem como fatores condicionantes do processo comunicacional e vislumbram a construção de sentido que ocorre, invariavelmente, na esfera da recepção. O interlocutor incorpora o protagonismo da relação, antes reservado à organização. É o que indicam Ivone de Lourdes Oliveira e Carine Caetano de Paula (2011, p. 105):

A hegemonia da organização no processo interativo, assim como o controle e planejamento dos processos comunicacionais, torna-se dependente dos repertórios interpretativos dos grupos que afetam ações organizacionais e são por ela afetados, já que o sentido é processado na instância receptora, fugindo, portanto, da perspectiva da gestão organizacional.

10

“Quando falamos de paradigma da comunicação, não estamos nos referindo propriamente às teorias acionadas, mas ao esquema cognitivo que nos conduz e nos instrui a ver uma coisa e não outra” (FRANÇA, 2001, p. 13). 11 Um dos autores contemporâneos que fundamentam essa visão de mundo é o sociólogo francês Louis Quéré, diretor de pesquisa do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). No entanto, as raízes teóricas que valorizam a análise a partir da interação entre interlocutores remete à obra de George Mead e da escola do interacionismo simbólico.

Assim como a mídia, as empresas passam a atuar como produtoras de repertórios que poderão reorientar eventual atribuição de sentido. Nesse contexto, a gestão da comunicação organizacional e as investigações desse campo abandonam os referenciais do chamado paradigma informacional, que previa a transmissão de informações de modo linear e mecânico de uma instância emissora para outra receptora, com o propósito de provocar determinados efeitos.

Um dos conceitos de comunicação organizacional que se aproximam do paradigma relacional, por valorizar a alteridade no processo comunicativo, é apresentado por Ferrari (2011b, p. 156):

Contemporaneamente, a comunicação organizacional é vista como o processo que visa a conseguir o equilíbrio sustentável entre a visão e a missão estabelecidas pela coalizão dominante12 e as expectativas daqueles que compõem a organização, na busca de uma rede sistêmica que permita uma satisfação de ambos os lados: públicos e organização.

Embora Ferrari atraia para essa noção as expectativas dos interlocutores, nota-se que a idealização e a prática da comunicação organizacional parece limitada às ações e atitudes da instituição. Observa-se o comprometimento da organização com a perspectiva dos públicos; acredita-se que a corporação vá considerar suas necessidades, esperanças e desejos ao planejar a comunicação. No entanto, a centralidade do processo permanece na jurisdição da empresa, diferentemente da proposta de Fábia Lima (2011, p. 118):

O entendimento da comunicação pelo viés relacional implica concebê-la como um processo de construção conjunta entre interlocutores (sujeitos sociais), com base em discursos (formas simbólicas que trazem as marcas de sua produção, dos sujeitos envolvidos e do contexto), em situações singulares (dentro de determinado contexto). Por essa perspectiva, as organizações são consideradas sujeitos sociais enunciadores ou leitores de discursos cuja ação no mundo institui um contexto específico de interações que enquadra, ainda, enunciações e leituras de outros sujeitos sociais.

Essa visão introduz os interlocutores como sujeitos da comunicação e considera possível um posicionamento inusitado da organização, enquanto “leitora de discursos”, e não somente como produtora. O conceito incorpora a ideia de que as empresas precisam praticar a escuta com mais vigor, antes mesmo de elaborar os planejamentos comunicacionais e definir

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Coalizão dominante é uma expressão cunhada por estudiosos da Administração e que, de acordo com o pesquisador norte-americano James Grunig, refere-se à alta direção das organizações, bem como às instâncias tomadoras de decisões (GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2011).

com quais públicos pretendem estabelecer relacionamentos. Essa tendência foi descrita por uma pesquisa sobre comunicação corporativa nas organizações desenvolvida em 2008: “Ouvir os públicos envolvidos com a empresa é uma prática que se consolida para a promoção do diálogo desejável nas relações humanas empresariais”.13

Um parâmetro que se impõe nos estudos contemporâneos da comunicação empresarial é a dimensão humana das organizações, que começa a ser valorizada também na pesquisa brasileira. Por mais que se estabeleçam relações institucionais e que os indivíduos assumam momentaneamente identidades corporativas, ainda assim são pessoas que conversam dentro e fora das organizações, constituindo sua essência. Por mais que as técnicas sejam disseminadas para formalizar esses contatos internos e externos, elas sempre estarão interligando duas ou mais pessoas. A comunicação humana, mesmo nos ambientes organizacionais, precisa ser levada em conta.

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