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Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional

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Capítulo V – REAÇÕES PREVISÍVEIS E AJUSTES DO DISCURSO ORGANIZACIONAL

3. Contrafluxo da escuta e outras ideias sobre antecipações

3.4 Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional

A necessidade de planejar a comunicação com base na antecipação de reações alheias é observada ainda por Braga (2012b, p. 7), ao apresentar o conceito de contrafluxo da escuta, um mecanismo “que vai da recepção à produção. Não como „retorno de resposta‟, mas como previsão, pela auscultação anterior, da leitura que será feita daquilo que dizemos: uma antecipação”. Continua o pesquisador: “no contrafluxo, passamos a produzir a partir das respostas que pretendemos, esperamos ou receamos” (BRAGA, 2012b, p. 7). Embora o foco de Braga seja a produção de formas simbólicas pela mídia, suas inferências são adequáveis à comunicação organizacional, considerando a empresa como instância produtora de sentido.

Para compreender melhor o conceito de contrafluxo da escuta convém explorar o contexto em que Braga o introduz. O autor aborda essa definição ao tratar do que ele chama de sistema de resposta social (BRAGA, 2006) ou sistema de circulação interacional (BRAGA, 2012a), que pode ser entendido como uma terceira dimensão do processo comunicacional. De acordo com suas obras, as formas simbólicas produzidas pelo emissor e consumidas pelo receptor continuam circulando na sociedade por meio de processos de interação social.

O conteúdo não se esgota na recepção, pois passa a constituir objeto de circulação que se espalha por outros canais, denominados circuitos11. Braga (2006, p. 28, grifo do autor) acrescenta que

[...] quando se trata de valores simbólicos, e da produção e recepção de sentidos, o que importa mais é a circulação posterior à recepção [...]. O jornal pode virar papel de embrulho e lixo, no dia seguinte, mas as informações e estímulos continuam a circular.

A mesma lógica vale para conteúdos da comunicação empresarial. Um discurso transmitido por vídeo, jornal, panfleto ou áudio é consumido pelos receptores e, mesmo que ele se desvincule de seu suporte físico inicial, continuará circulando entre e a partir de funcionários, acionistas, jornalistas, fornecedores ou quaisquer outros públicos que tenham tido acesso ao texto original. Maio (2014c, p. 18) observa que “[...] a informação emitida por uma organização e consumida por seus distintos públicos pode, posteriormente, submeter-se a um processo de ressignificação e ser levada adiante no tecido social por meio de interações que ocorrem através de circuitos”. Os comentários pós-consumo das formas simbólicas são registrados ou não, facilitando ou dificultando eventuais monitoramentos por parte da organização. Uma conversa informal face a face, em ambiente familiar, pode se referir ao conteúdo produzido pelo emissor, mas dificilmente será registrada para análises e feedback.

Aliás, Braga (2012b) pontua que os processos fundamentais de circulação midiatizada estão menos relacionados aos retornos imediatos ao ponto de partida (instância emissora) e mais à disseminação dos conteúdos através dos circuitos ampliados (instância circulante).

Percebemos, então, um fluxo comunicacional contínuo e adiante. Após a apropriação dos sentidos de uma mensagem qualquer, seus receptores podem sempre pôr em circulação no espaço social sua resposta. Essa resposta, independente de um retorno imediato, segue adiante, em processos diferidos e difusos. Eventualmente, no conjunto da circulação e pelo embaralhamento cultural dos múltiplos circuitos, as ideias, proposições, imagens, posições

11 Braga (2012a, p. 41) pondera que esses circuitos “são culturalmente praticados, são reconhecíveis por seus usuários e podem ser descritos e analisados por pesquisadores”. O autor os considera determinantes na definição da qualidade das formas simbólicas que circulam na sociedade. “Podemos assumir que, em grande parte, a qualidade das falas, das criações, dos produtos que circulam na sociedade depende das características e da qualidade dos circuitos nos quais circulam. Não se trata apenas (e talvez nem principalmente) de competências individuais dos criadores e produtores. Na continuidade histórica, os produtos gerados em qualquer tipo de circuito dependem dos processos interacionais que estimulam essa produção, assim como da qualidade da recepção e da pós-circulação desses produtos” (BRAGA, 2012b, p. 8).

polêmicas e tendências expressas se reforçam, se contrapõem, desaparecem ou retornam. O “retorno” que consideramos relevante, nesse nível, é o do circuito ampliado e não a volta imediata ao ponto de partida. (BRAGA, 2012b, p. 6, grifo do autor).

A circulação contínua pós-recepção e o contrafluxo da escuta são fenômenos potencializados na sociedade midiatizada, embora já existissem anteriormente. Na perspectiva do autor, eles representam componentes fundamentais do processo comunicacional contemporâneo.

O pressuposto meadiano da adaptação às reações do Outro se incorpora harmoniosamente ao pensamento de Braga (2012b, p. 7):

Pela escuta, pela importância de “sintonizar” a recepção, pelas delicadezas de ajuste de endereçamento (nunca exato, sempre disperso e tentativo) alguma coisa retroage, “modificando” a produção a partir das expectativas sobre sua recepção e pela repercussão destas expectativas na configuração das falas. Cada “momento” da circulação, por antecipar os seguintes, procura se adaptar previamente a estes.

Desta maneira, o contrafluxo da escuta configura-se como um mecanismo que considera as reações alheias na etapa de produção de conteúdo que vai circular além da recepção. Thompson também se mostra atento a essa terceira dimensão do processo de comunicação ao abordar o fenômeno da “midiação ampliada” e, assim como Braga, concentra suas observações ao universo midiático.

As mensagens recebidas via televisão e outros meios são, comumente, sujeitas a elaboração discursiva: elas são discutidas pelas pessoas no curso de suas vidas cotidianas, tanto dentro da região primária de recepção, como numa variedade de outros contextos interativos nos domínios públicos e privados. Dessa maneira as mensagens mediadas podem adquirir uma audiência adicional de receptores secundários que, pessoalmente, não participaram na quase-interação mediada mas assimilaram alguma versão da mensagem através da interação com os receptores primários. As mensagens podem, também, ser assumidas por organizações da mídia e incorporadas em novas mensagens de mídia, um processo que pode ser descrito como uma midiação ampliada. Através da elaboração discursiva e da midiação ampliada, as mensagens recebidas através da mídia são adaptadas e divulgadas para um círculo sempre crescente de receptores secundários que podem, com isso, adquirir uma informação sobre acontecimento que eles nem vivenciaram diretamente nem testemunharam através da mídia. (THOMPSON, 2011, p. 317-318, grifo do autor)12.

12

Quase-interação mediada é definida por Thompson (2008) como aquela que ocorre por meio dos veículos de comunicação de massa; ele a considera monológica, ou seja, o fluxo de comunicação se dá, predominantemente, em único sentido.

O sistema de circulação interacional de Braga e a noção de midiação ampliada de Thompson apresentam-se como elementos contextuais significativos para a atualização da teoria de Mead e sua consequente aplicabilidade na sociedade midiatizada. Embora os estudos do pesquisador norte-americano não contemplem explicitamente instâncias posteriores à recepção, é factível estender suas ideias ao sistema de circulação, a partir da premissa que ao controlar a reação do indivíduo, absorvendo seu papel, produz-se uma comunicação que referencia a organização da conduta coletiva.

A seguir, será descrita a ocorrência desse fenômeno em três organizações onde se verifica que a ação de antecipar as reações do Outro a partir de contatos face a face permite não só a adaptação personalizada do discurso dos interlocutores como também ajustes no próprio relacionamento profissional.

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