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A volta do Planetário de Brasília e o esvaziamento de uma crise

6.3 ELEMENTOS QUE COMPÕE O TEXTO DAS CRISES ANALISADAS

6.3.4 A volta do Planetário de Brasília e o esvaziamento de uma crise

Depois de 16 anos fechado, o Planetário de Brasília foi reinaugurado em dezembro de 2013 com pompa e circunstância. Grande era a expectativa sobre a volta do espaço e o fato ganhou ampla cobertura da imprensa, com capa nos impressos e destaque em telejornais e programas de rádios. A demanda de público superou as expectativas iniciais de funcionamento e uma semana depois da reabertura veio a primeira crise.

Em entrevista à repórter da revista Veja Brasília, uma jornalista que levou a filha de seis anos para conhecer as novas instalações disse ter ouvido “desaforo” de um funcionário ao reclamar do filme em cartaz. Ela classificou a projeção de infantilizada e a comparou com uma réplica mal-feita de um desenho da Disney, bem longe dos parâmetros de um planetário. O episódio ecoou na imprensa e nas redes sociais com referências negativas e questionou a credibilidade do espaço. (TAHAN, 2013).

Nesse episódio, as falhas ficaram evidentes tanto na exibição de um filme considerado inadequado quanto no treinamento da equipe que faria o atendimento. Houve um erro de gestão nessa avaliação. Um espaço fechado por tanto tempo despertaria naturalmente o interesse do público e o desempenho não poderia decepcionar. Ainda, a despeito de uma grande obra realizada pelo governo, tanto maior seria a vigilância da imprensa.

Nesse episódio, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do DF, responsável pelo gerenciamento do Planetário, providenciou a troca do filme em cartaz após as reclamações e corrigiu o atendimento. O próprio secretário ligou para a jornalista que se sentiu ofendida para se desculpar e dizer que o colaborador fora advertido, informando ainda sobre a alteração da projeção na cúpula.

Essas ações formaram o conjunto operacional de reação à crise, enquanto a comunicação ressaltou as medidas tomadas pela Secretaria e o compromisso com o

público, além de anunciar uma nova programação na semana seguinte. Da mesma forma, a assessoria de comunicação do órgão respondeu as pautas da imprensa sem restrição.

Quando a crise se instalou no sistema, a primeira ação foi colocar em prática um plano de contenção para corrigir os erros. No texto anti-crise, os gestores não se evadiram e construíram uma versão para a imprensa e o público. Chamaram para si a responsabilidade, admitindo as falhas, ao mesmo tempo em que demonstraram as ações corretivas.

Essa crise logo no começo das operações funcionou como um ponto de virada rumo à evolução e representou um momento de reflexão sobre o paradigma vigente, que foi deixado para trás. Novas práticas foram colocadas no lugar, oxigenando o sistema, e a gestão se reinventou.

A estratégia de contenção surtiu efeito: apesar da repercussão negativa e do arranhão na imagem, o Planetário deslanchou e chegou à média de 500 visitas diárias sem grandes sobressaltos um mês depois da reinauguração.

7 CONCLUSÃO

Vimos neste trabalho que a comunicação assume papel estratégico no contexto das crises, mas não dentro de um modelo “passo a passo” rumo à superação. Eventos negativos exigem reflexão e análise para que seja construído um outro discurso que funcione como uma espécie de antídoto contra os efeitos colaterais da situação.

Uma reação que pode ser preparada muito antes do problema e que mantém íntimas relações com a cultura de comunicação da organização e com o relacionamento construído com seus públicos. Essa relação inclui a imprensa, e leva em conta a sedimentação da reputação ao longo da trajetória do negócio, que tem na sua base a percepção positiva por parte dos stakeholders.

Nem antes nem durante o trabalho que envolve uma crise pode ser realizado por amadores. Cabe aos profissionais de comunicação o manejo da narrativa, pensando-a de forma estratégica. Eles funcionam como engenheiros a serviço da produção de sentido e assim, constroem uma massa de textos culturais que vão servir de manobra à gestão no momento da crise, não permitindo que sejam desprezadas as expectativas dos públicos.

O discurso assim produzido é fruto de uma intencionalidade estratégica e busca a redenção. Por isso, esta pesquisa propôs uma reflexão à luz da Semiótica da Cultura no campo de estudo da linguagem da cultura e no território dos sentidos. A crise pode ser vista como um fenômeno que vai ser ressignificado e explicado por meio de códigos culturais, cujos mecanismos são dispositivos que transformam desorganização em organização.

Essa estratégia para produzir a trama textual não pode prescindir do discurso, das mensagens direcionadas ao público que se deseja atingir. Ou seja, o texto inclui o ponto de vista da organização, mas precisa ter aderência com os desejos e expectativas de quem vai recebê-lo e interpretá-lo.

Entendemos ainda que a comunicação (tal como entendida nos departamentos de comunicação) não é um fim em si mesma. Depende de ações concretas no nível administrativo para o esvaziamento da crise. Apenas comunicar por discursos verbais e abster de comunicar por medidas visíveis e coerentes não

resolve o problema. Ao contrário: uma ação proativa da empresa para a contenção dos desgastes requer medidas concretas e comunicação afinada.

Por fim, há que se analisar a conjuntura para não subestimar ou superestimar a crise e oferecer a medida adequada na reação. Situações limite fazem parte do mundo corporativo; não significam a iminência do fim do negócio. E podemos dizer que até certo ponto são desejáveis, uma vez que a tendência à diversidade é um dos mecanismos da cultura mais eficazes para abrir espaços para o novo, para se reinventar.

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