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TESES DA SEMIÓTICA DA CULTURA

Na linha de investigação do processo de transmissão e transformação de mensagens (semiose), o seminário de 1964 da Escola de Tártu-Moscou constituiu- se um marco para a consolidação dos estudos. Foram apresentadas na ocasião as Teses para uma Análise Semiótica da Cultura com aplicação aos textos eslavos, assinadas por V. V. Ivánov, I. M. Lótman, A. M. Piatigórski, V. N. Topórov e B. A Uspiênski. (MACHADO, 2003).

Na sequência, houve a publicação periódica dos trabalhos na revista “Semiótica. Trabalhos sobre os Sistemas de Signos” por esforço de Lótman. E, seis anos depois, a quarta conferência apresentou seminário que foi denominado pela primeira vez como estudos de Semiótica da Cultura, sob o tema Toda atividade humana em desenvolvimento troca e armazena informação por meio de signos e apresenta uma certa unidade. O movimento ganhou força não apenas de uma tese

para a compreensão da cultura, como também do direcionamento para nova disciplina teórica.

As Teses firmam a Semiótica como ciência para estudo da semiose, de transmissão e transformação de mensagens. A Semiótica da Cultura, por sua vez, examina semioses mais específicas: “processos de cultivo da mente pelas civilizações.” Ou seja, as semioses que transformaram as informações em texto e o texto em estrutura pensante (memória). A disciplina estuda então os mecanismos de funcionamento das transmissões. (MACHADO, 2003, p. 52-53).

Complementa Machado (2003, p. 101): “o mecanismo da cultura é um dispositivo que transforma a esfera externa em interna, a desorganização em organização, os profanos em iniciados, os pecadores em justos, a entropia em informação.” Esse ponto mostra um elemento-chave para situações de crise, ao formatar um entendimento de significação e ressignificação dos acontecimentos que envolvem o problema e da mensagem emitida pela organização.

Ainda sobre cultura, a ideia de que ela é uma combinação de vários sistemas de signos, cada um com codificação própria, configura-se a máxima da Semiótica da Cultura, que se definiu como uma semiótica sistêmica. A codificação do sistema em si não acontece de forma independente de outros sistemas e era mediante esse prisma que a proposta tentava compreender, como já falamos neste capítulo, o mito, a religião, o folclore, literatura, teatro, artes, cinema, costumes e comportamentos como linguagem. (MACHADO, 2003).

Os estudiosos abriram a possibilidade de considerar o sistema no contexto de uma ampla tradição. É aí que o pensamento sistêmico, registra Machado, alcança um dos aspectos mais caros do mecanismo da Semiótica da Cultura: a tradução da tradição. A conjunção desse processo decorre da compreensão do encontro entre culturas como experiência dialógica – ou seja, semiótica – com uma áurea de enriquecimento mútuo.

Preleciona Machado (2003, p. 28):

Devemos a Bakhtin8 a noção de encontro dialógico entre culturas como forma de enriquecimento mútuo. Para o teórico do dialogismo, o simples fato de toda cultura ser unidade aberta já é o indicativo de que é próprio da cultura interagir e conduzir sua ação em direção a outra, vale dizer, experimentar outra.

A ideia de tradução da tradição marca um dos mecanismos básicos da abordagem da semiótica e um dos trabalhos inaugurais da Escola de Tártu-Moscou, dentro dessa proposta, é justamente o texto-manifesto das Teses Russas – que, embora tenha sido desenvolvido dentro do ambiente da contemporaneidade, o trabalho se dá com base na cultura eslava remota. São 9 as teses e aqui traçamos um paralelo com as crises.

De acordo com a tese 1, nenhum sistema de signos é dotado de mecanismo que lhes permita funcionar isoladamente. Isso quer dizer que existe um texto e um contexto (ambiente). Da mesma forma, as crises não são fenômenos isolados e estão interligados a outros fenômenos nem sempre óbvios ou claramente identificados.

Tudo que faz parte de um fenômeno, sendo um sistema de signos, contém signos que pertencem a outros sistemas de signos (tese 2). As crises são sistemas de signos, fenômenos que nos levam a significar de modo diferente cada um dos elementos que entram em sua composição. Esses elementos, tomados isoladamente, pertencem a outros sistemas e interagem com outros fenômenos, sendo pois suscetíveis de levarem consigo novos sentidos gerados pela crise do sistema original observado.

Podemos considerar como texto qualquer sistema de signos (tese 3), a depender do recorte que se faz. Uma crise pode circunscrever um texto, mas elementos dessa crise levam à formação de novos textos. Texto é tudo o que pode ser lido e não importa a qual linguagem pertença: uma coreografia, um gesto, uma roupa, um cor, o ambiente, a temperatura, as imagens da mídia, a mídia que escolhe as imagens da crise etc.

Há também a questão da cultura, que pressupõe uma linguagem natural que funcione como modelo universal para os sistemas modelizantes da comunicação mais vasta (tese 4). Aos sistemas que se auto-organizam, Lotman (1978) dá o nome de sistemas modelizantes de segundo grau, formados a partir do sistema primário ou modelizante de primeiro grau – a língua natural, com a qual falamos, ouvimos, lemos.

Nessa perspectiva, a língua natural influencia a língua da cultura, as maneiras como os sentidos articulam-se na cultura, que não de forma verbal. Portanto, uma crise nos Estados Unidos lida e interpretada por um brasileiro estará em um

ambiente de sistema modelizante secundário diferente, então não terá o mesmo sentido.

Uma informação passa a ser um texto no sistema modelizante secundário (tese 5), o que significa que a informação é unidade do texto e, portanto, um signo. Dessa forma um texto é um conjunto de informações ou um conjunto de signos. Tomando-se o signo como informação isolada, temos sua proliferação no contato com outros signos ou outras informações. É esse sistema de montagem de textos que possibilita diferentes abordagens e diferentes percepções da crise. A crise não é o que ela deve ser, mas aquilo que a organização quer ou pode significar.

Os sistemas de signos têm sua estruturalidade, o que garante a organização interna e também a desorganização externa ou entropia9, sem a qual nenhum dinamismo é possível. O mecanismo da cultura transforma a esfera externa em interna, a desorganização em organização (tese 6). Do ponto de vista da empresa, a crise é entropia, uma desorganização externa que pressiona a organização interna a desenvolver novas possibilidades para lidar com ela.

Os russos sugerem que a cultura não somente lute contra o caos externo, como dele também dependa – para cada tipo de cultura, há o seu caos correspondente. Em uma crise, o que não é crise (o que fica de fora e é estável) se valoriza na mesma proporção em que a crise gera instabilidade e significados indesejáveis. A tendência é surgir um desejo de superação e de revalorização da estabilidade (ambiente sem crise).

As teses trazem ainda o problema da tradução dentro da tradição favorável à interação (tese 7). Cada cultura particular traduz uma crise da maneira como ela mesma se reconhece dentro da situação. O ponto de referência é mais o observador que o fenômeno externo e a tradução, feita segundo a tradição de quem faz a leitura.

Na tese 8, presume-se o funcionamento da cultura a partir das relações entre estruturas diferentes a passagem de um nível a outro ocorre mediante a redefinição de regras. Um elemento em determinado nível pode expandir para todo o texto, o que mostra que as crises têm lastro para contaminar o texto integral da organização modificando as regras de funcionamento do sistema.

Se as crises estremecem a organização, elas não significam necessariamente o fim. A tendência à diversidade é um dos mecanismos básicos da cultura (tese 9) e a crise é uma forma de se abrir ao novo, à reinvenção. Se por um lado o conflito interfere diretamente na estabilidade da cultura, por outro, contribui para enriquecer sua forma de ver o mundo.

É nesse ponto que autores de crise divergem. Para eles, as crises devem ser superadas a qualquer custo, em uma discordância quanto ao saldo positivo que ela pode gerar. De um problema, a organização pode ressurgir com novos dispositivos de segurança ou novo modelo de gestão e fazer as pazes com a opinião pública.