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Com um trabalho sério e transparente, os especialistas defendem que a crise pode transformar-se em página virada na história de uma organização. Rosa (2001) cita afirmação de James Lukaszewski, um dos mais renomados especialistas dos Estados Unidos. Eis: a percepção da opinião pública sobre como uma empresa gerencia o problema conta mais do que os próprios fatos.

Ao se posicionar, a organização mostra que deixa de lado os próprios interesses em detrimento do interesse do público ou dos públicos. Uma postura proativa tem seus ganhos e demonstra a preocupação com o outro. Camuflar o problema ou diminuí-lo não muda na prática a dimensão dos estragos. Apenas uma ação reparadora, somada ao diálogo com as partes interessadas, é capaz de fazê- lo.

No entanto, mais que saber conduzir uma situação crítica, eles destacam que prevenir ainda é o melhor remédio. “Examinando-se casos concretos, inclusive internacionais e de empresas de grande expressão, fica patente que o planejamento prévio pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma organização” (ROSA, 2001, p. 146).

Sobre a ocorrência de crises, Kuhn (2011) sugere a ciência como fonte de inspiração e oferece importante contribuição para este estudo. Longe das equações que pretendem vencer e neutralizar as crises, o teórico vai além e as compreende como um ponto de virada rumo à evolução. São, em seu entendimento, necessárias e representam o momento de rever o paradigma vigente.

Kuhn (2011) escreve sobre a ciência, mas suas premissas podem ser aplicadas no contexto organizacional. Para ele, o processo de sedimentação do conhecimento é marcado por períodos da “ciência extraordinária”, ou seja, períodos nos quais os paradigmas são questionados e revistos pela comunidade científica,

quando ocorrem as “revoluções científicas”, momento da transição para um novo paradigma. É por meio delas que a ciência evolui.

Fazendo um comparativo, o mesmo raciocínio é válido para empresas e as crises representariam o período no qual os paradigmas vigentes são questionados e revistos, passando para um novo paradigma. Seria então o ponto de virada da organização dentro de uma escala evolutiva, assim como ocorre na ciência.

A teoria de Kuhn (2011) foi publicada em 1962, sob o título original em inglês The Structure of Scientific Revolutions, baseada em um projeto de pós-graduação de física teórica escrito quinze anos antes. Ele mostra que o desenvolvimento do conhecimento científico não se dá de forma cumulativa, ao contrário, o processo é não-cumulativo e descontínuo.

No meio do caminho, há “saltos qualitativos” que nem sempre se respaldam em critérios de validação da própria ciência, mas são atribuídos a fatores externos que reverberam na prática científica. Esses fatores externos são, para as organizações, os problemas geradores de crises.

Kuhn (2011) denomina de anomalias os quebra-cabeças sem solução no campo científico. Anomalias que se multiplicam, resistem aos esforços dos melhores cientistas e impactam na teoria paradigmática, revelando situações de crise. É no espectro da crise que a comunidade científica se reúne para propor alternativas.

Para o autor:

A emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal. Como seria de esperar, essa insegurança é gerada pelo fracasso constante dos quebra-cabeças da ciência normal em produzir os resultados esperados. O fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras. (KUHN, 2011, p. 95).

Na ciência normal, as crises abriram caminhos para novas teorias. Isso porque é esse o estado no qual as pesquisas e resultados são previsíveis, e não há espaço para novidades. Porém, se uma peça não se encaixa no quebra-cabeças da pesquisa e a anomalia persiste, Kuhn (2011, p. 126) denomina esse evento de crise de paradigma. “O sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré-requisito para a revolução.”

Tomando por exemplo, é possível dizer que a organização pode superar a crise se, da mesma forma, substituir crenças ou procedimentos anteriormente

aceitos por outros. Isso porque, normalmente, as crises expõem modelos geralmente vencidos, a despeito de práticas antiéticas, falhas de segurança, baixa qualidade de produtos e serviços, entre os possíveis detonadores de situações críticas.

No juízo de Kuhn (2011, p. 105), “o significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos.” Se levada para o ambiente corporativo, a afirmativa evidencia a necessidade de superar problemas com soluções criativas em uma “revolução organizacional”, parafraseando Kuhn e sua expressão “revolução científica”.

O caso Tylenol é emblemático nesse sentido. Após sabotagem no medicamento, o que levou à morte sete pessoas, a empresa recolheu todo o estoque e modificou o produto. A versão em cápsulas deu lugar a tablets e embalagens mais resistentes à adulteração. A crise mostrou outro caminho e o paradigma antigo foi abandonado. Em pouco tempo, o novo Tylenol recuperaria 65% de suas vendas anteriores à crise. (MORAES, [200-]).

Sob este ponto de vista, a crise torna-se então desejável e está presente na cadeia evolutiva sugerida por Kuhn (2011). O eixo central da concepção dele paira na tese de que o desenvolvimento de uma disciplina se dá ao longo de uma estrutura aberta: fase pré-paradigmática (construção do paradigma), ciência normal (paradigma aceito), crise, revolução, nova ciência normal, nova crise, nova revolução.

O paradigma é uma espécie de modelo a ser aplicado, funcionando como uma bússola usada pelos cientistas. Pesquisas calcadas nas teorias, métodos e exemplos de um paradigma são, para Kuhn (2011), a ciência normal. Podemos encontrar características semelhantes nas organizações, regidas por princípios, regras, missão, visão e valores.

A crise é o elemento desestabilizador dessa ordem organizacional e expõe o “sentimento de funcionamento defeituoso”, sustenta Kuhn (2011). Se o quebra- cabeças encaixava antes, as peças descoordenada indicam que algo não vai bem. Quando as anomalias se multiplicam, o paradigma, frutífero até então, perde sua força. No caso da ciência, chegou o momento de considerar a substituição do próprio paradigma. Não é diferente com gestores e executivos.

O ciclo de Kuhn (2011) é espelho para a dinâmica organizacional. Assim como na ciência, as crises fazem parte da natureza das instituições e empresários

americanos são incisivos em dizer que situações críticas são tão inevitáveis como a morte ou os impostos. (FORNI, 2013). Ao mostrar que todo paradigma tem prazo de validade, a proposta kuhniana sugere que estar preparado para buscar um novo é questão de sobrevivência.

Esse caminho vai na contramão dos planos de prevenção sugeridos por especialistas da área, para os quais as crises devem ser mapeadas e evitadas ao máximo. Métodos de detecção precoce estão cada vez mais detalhados para prever todo tipo de problema. Porém, cabe ressaltar que até mesmo os esquemas mais seguros um dia podem falhar.

É o caso dos ataques terroristas da Al-Qaeda contra os Estados Unidos no famoso 11 de setembro de 2001. Na manhã do dia que entrou para a história e revelou a vulnerabilidade de uma das nações mais poderosas do Planeta, quatro aviões comerciais foram sequestrados. Dois deles protagonizaram a destruição das famosas Torres Gêmeas do World Trade Center, em Manhatan, Nova Iorque. O terceiro foi direcionado ao Pentágono destruindo parte do edifício, em Virgínia, e as autoridades encontraram na Pensilvânia os destroços do quarto, que atingiria o Capitólio. Os atentados suicidas tiveram saldo de mais de três mil mortos e mostraram que era hora de rever o paradigma da segurança no país.

O episódio dos atentados mostra que a crise acaba chegando, mesmo em governos e organizações com altos níveis de preparação. Pode-se evitar um ou outro problema, mas não há como garantir a total imunidade.

Se a crise é um ponto inevitável no trajeto, o melhor momento de questionar um paradigma é quando ele está dando certo porque certamente vai atingir seu auge e declinar. Como ocorre no ciclo da vida, nasce, vive e morre. Nada é estável, nem as uniões mais felizes e duradouras, nem a segurança de um dos países considerados mais blindados como os EUA à época dos ataques.

Para desestabilizar a aparente felicidade e lua-de-mel com os bons resultados, Kuhn (2011) sugere um olhar diferenciado. A prática da comunidade científica, intensa na observação dos fenômenos e nas pesquisas, pode ser adotada pelas organizações.

Uma ideia é manter no staff um Comitê Estratégico Crítico (CEC) com o objetivo de questionar o paradigma vigente. Um trabalho de perceber, avaliar e apontar possíveis incongruências na estrutura, produtos e serviços, o que inclui também as chamadas críticas construtivas para melhorias.

O CEC é útil na medida em que o mar de rosas organizacional é efêmero. Executivos encastelados no sucesso não encontraram a fórmula pronta e acabada do êxito. As críticas são bem vindas e ajudam a oxigenar a empresa com novos desafios ao mapear pontos de aperfeiçoamento.

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)4 atua nessa linha e oferece suporte e vasto material para empreendedores que desejam alcançar o sucesso. Dentre eles está o Programa Sebrae Mais, que apresenta soluções de expansão do negócio com modelos avançados de gestão e estratégias de inovação. Implementar melhorias garante a sobrevivência no mercado e exige do empreendedor uma dose de criatividade.

A revolução organizacional para a guinada prevista por Kuhn (2011) pede criatividade da parte dos gestores. Ideais originais fazem o barco sair da tempestade ou da proximidade dela e seguir para um rumo diferente em busca de outro paradigma, onde novamente as peças do quebra-cabeças voltem a encaixar. O Sebrae registra que vale até correr um certo risco, desde que seja calculado.

Crise, crítica e criatividade são palavras recorrentes até aqui e sugerem cada qual algum tipo de rompimento com a ordem vigente. Crises interrompem o negócio, afirma Forni (2013), e mostram que é hora de rever o paradigma. A crítica detecta distorções e oportunidades, levantando insumos para uma reação da organização. Reação pautada pela criatividade, divisor de águas entre o velho e o novo5.

Crise vem do latim crisis, do grego krisis, refere-se a julgamento, seleção, resultado de uma avaliação. Deriva do verbo grego krinein (separar, decidir, julgar), que está também na origem da palavra crítica. Dois termos intimamente ligados na etimologia e que se estreitam tanto nos estudos de Kuhn (2011) quanto no cenário das organizações. Já a palavra criatividade, de criar, vem do latim creare (erguer e produzir), relacionado ainda a crescere, de aumentar e crescer.

A crise é um chamado para fazer escolhas (separar, decidir, julgar), momento oportuno para o exercício da crítica (separar, decidir, julgar) e de colocar a criatividade (erguer e produzir, aumentar e crescer) em prática para superar o paradigma vencido e ir em busca de um novo. Há mais: crítica e criatividade podem e devem anteceder os episódios de crise, adiantando a troca desse paradigma. É o

4 Cf. www.sebrae.com.br.

5 Crise, crítica e criatividade: citação em aula da disciplina Comunicação e Identidade nas Organizações, do professor Luiz Carlos Assis Iasbeck, 2º semestre de 2012, Mestrado em Comunicação – UCB.

momento ideal para se pensar na mudança e em como implementá-la, distante do alto grau de estresse e pressão que envolve cenários negativos.

Mas, se a crise chega, antes de culminar em um novo paradigma, ela precisa de um tratamento no que diz respeito à comunicação com os públicos que se relacionam com a organização. Alguns modelos com vistas a garantir o perdão da opinião pública são válidos nesse momento, muito embora não sejam decisivos para superar o problema propriamente dito.

Para ser uma página virada, a crise precisa de algo mais: ultrapassar o modelo velho e criar algo novo. Saídas criativas e propostas diferenciadas para superar a questão são a saída. Nos referimos a práticas de gestão engendradas no sentido de resolver o que deu origem ao episódio negativo e fazer com que a organização viva uma revolução e dê um salto qualitativo, assim como ocorre na ciência.

5 SEMIÓTICA DA CULTURA