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1 INTRODUÇÃO

3.2 Concorrência Paradigmática

3.2.2 Abordagem Cognitivista/Culturalista

A visão ortodoxa descrita acima passa a ser questionada por autores representativos de correntes teóricas como, por exemplo, a cognitivista. Simon (1965), pioneiro dessa abordagem, argumenta que a organização é um sistema complexo de decisões. Ou seja, é um sistema de comportamento cooperativo orientado pelo planejamento, o qual tem por função não apenas alocar os participantes, mas, sobretudo, permitir que cada membro particular saiba com relativa certeza o que os outros irão fazer. Assim, a organização estabelece as condições para a ação e para a consideração racional das conseqüências da ação num grupo social.

Na visão de Simon (1965), os tomadores de decisão comportam-se racionalmente apenas com relação a um conjunto de dados característicos de uma determinada situação tal como esta se lhes apresenta. Suas escolhas são influenciadas por sua personalidade, motivações e atitudes, assim como pelo contexto em que está envolvido e a maneira como percebe essa situação, ou

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seja, os dirigentes tomam decisões racionais (adequação de meios e fins) apenas em relação aos aspectos da situação que conseguem perceber e interpretar.

Os decisores, segundo Simon (1965), contentam-se com simplificações da realidade, nas quais há os elementos mínimos que as limitações humanas conseguem manejar. Já que não podem conhecer totalmente as conseqüências de suas ações, eles formam expectativas acerca das conseqüências futuras com base na sua experiência prévia e nas informações que obtém sobre a situação. Assim, a decisão sempre resultará no estabelecimento de pesos e em uma síntese particular. Portanto, nas organizações, as decisões não se baseiam, exclusivamente, em conteúdos e informações técnicas, ou seja, não são neutras e puramente racionais. A este fenômeno Simon (1965) dá o nome de racionalidade limitada, processual.

Tendo como referência o conceito de racionalidade limitada, Simon (1965) argumenta que não existem decisões perfeitas, na medida em que os tomadores de decisão não têm condições de analisar integralmente todas as situações nem de procurar todas as alternativas possíveis, identificando as possíveis conseqüências de cada uma delas. Desta maneira, não é possível à

priori, pelo menos, tomar decisões ótimas, mas sim satisfatórias, isto é, a alternativa escolhida

dificilmente permitirá a realização completa dos objetivos visados, representando apenas a melhor solução encontrada naquela circunstância. Para ele, a escolha de uma alternativa qualquer implica na renúncia das demais alternativas e a criação de uma seqüência de novas situações e alternativas ao longo do tempo. A esse leque de alternativas em cada decisão Simon (1965) dá o nome de “árvore de decisão”.

Os limites da racionalidade humana, segundo Simon (1965), são institucionalizados na estrutura e modelos de funcionamento das organizações, principalmente através de elementos como: (a) divisão de tarefas, focalizando a atenção dos funcionários em atividades e funções específicas; (b) padrões de desempenho, que servem de guia para o comportamento racional das pessoas e para o controle pela organização; (c) sistemas de autoridade, estabelecidos pela hierarquia formal e pelo sistema informal de influenciação das pessoas, utilizados para condicionar o comportamento dos funcionários; (d) canais de comunicação, que fornecem informações vitais para o processo decisório na organização; (e) treinamento, visando socializar os funcionários nos critérios de decisão que a organização considera mais adequados ao alcance dos seus objetivos.

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Dessa forma, vê-se que estes elementos não somente definem a estrutura da atividade de trabalho, mas também criam a estrutura de atuação, interpretação e tomada de decisão, exercendo influência crucial sobre as operações diárias da organização. Nesse contexto, Simon (1965) alerta que, para evitar a incerteza, o “homem administrativo” segue regras padronizadas pela organização para a tomada de decisão, redefinindo-as somente quando sob pressão, o que torna lento o ajustamento da organização a mudanças qualitativas do ambiente.

Cabe ressaltar aqui que Simon (1965) distingue dois tipos de decisões: programadas e não- programadas. As primeiras são repetitivas e tomadas automaticamente. Hábitos, rotinas, manuais de instrução e operações padronizadas são recursos para a tomada de decisões programadas, já as decisões não programadas não possuem soluções automáticas. Para lidar com estas decisões, Simon (1965) indica que os gerentes devam desenvolver sua capacidade de julgamento, intuição e criatividade. Essas habilidades, na sua opinião, permitem lidar com a complexidade de modo mais eficiente do que a tendência a simplificação excessiva que caracteriza as decisões satisfatórias.

Outro ponto destacado por este autor é o fato de que os tomadores de decisão nunca têm, de maneira consciente, uma idéia completa da hierarquia de objetivos da organização, sendo os objetivos finais, muitas vezes, formulados de maneira obscura e contraditória. Este conceito de hierarquia de objetivos leva em consideração o fato de que um objetivo pode ser um fim em relação a um nível mais baixo e um meio em relação aos de ordem superior.

Simon (1965) não condena o ser humano por sua racionalidade limitada, mas sim reconhece a complexidade do ambiente no qual os indivíduos têm que operar. Especialmente nas grandes organizações é difícil alcançar consenso geral quanto à definição dos problemas, decisões e metas, pressuposto básico do modelo de decisão racional. Diferentes indivíduos, grupos de trabalho e departamentos tendem a ordenar de forma diferente resultados diferentes. Como alternativa a uma falta de consenso, normalmente são utilizados processos políticos de barganha e compromisso para chegar às decisões, minando, assim, os processos analíticos nos quais as pessoas tentam maximizar seus ganhos mediante o uso de técnicas racionais, calculadas.

Ao se associar à abordagem cognitivista a visão culturalista, passa-se a perceber a ação organizacional como estando assentada sobre sistemas de significado comuns, isto é, em

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esquemas interpretativos que criam e recriam os sentidos. Assim, pode-se afirmar, segundo Bastos et al. (2004), que as empresas organizam os seus ambientes externos como o fazem com suas operações internas, representando as realidades com as quais devem lidar, embora detenham comparativamente menor controle sobre eles. Nesse contexto, o líder passa a ser visto como um “administrador de sentido”, desempenhando papel fundamental na construção da realidade social, ou seja, do contexto no qual a empresa opera.

Na visão de Bastos el al. (2004), o culturalismo contribui também para a compreensão do papel proativo e, muitas vezes, inconsciente que os diversos atores sociais podem desempenhar na estruturação de quadros de referência/paradigmas e na configuração da realidade. De acordo com essa perspectiva, os líderes formais não têm o monopólio da criação da cultura organizacional, apesar de se constituírem em agentes privilegiados, na medida em que controlam mecanismos, como, por exemplo, os de contratação, promoção, demissão, assim como os de comunicação interna e externa. Para os autores desta corrente teórica, a cultura se desenvolve durante o curso da interação social.

Morgan (1996, p.144) enfatiza os perigos de se adotar leituras simplificadoras da abordagem culturalista. Para ele, a cultura organizacional não pode ser manipulada de forma instrumental, assim como o processo de representação contempla uma importante dimensão de poder. Logo, na visão deste autor, “os gerentes podem influenciar a evolução da cultura estando a par das conseqüências simbólicas de suas ações e tentando promover valores desejados, mas nunca podem controlar a cultura”.

Para Weick (1973, p. 91), outro representante influente da perspectiva cognitivista- culturalista, as organizações são “sistemas frouxamente unidos”, sendo vistas como um lugar caótico no qual a ordem é imposta sobre condições de interesses divergentes, competição nas carreiras e rotatividade de pessoal. Assim, em sua opinião, a organização “é fluida, em mudança contínua, continuamente com necessidade de reformulação, e parece ser uma entidade apenas quando essa fluidez é ‘congelada’ em certo momento do tempo”. Torna-se, portanto, necessário definir a organização “a partir do processo de sua formação, que consiste na solução da ambigüidade num ambiente criado através de comportamentos interligados e incluídos em processos condicionalmente relacionados”.

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Como implicação dessa forma de conceber as organizações, tem-se que os acontecimentos decisivos que devem ser explicados não são os componentes tangíveis da organização, mas sim seus processos, sua estruturação, sua modificação, sua dissolução. Os componentes tangíveis constituem, apenas, os meios através do quais os processos se exprimem. Na abordagem de Weick (1973), a preocupação com os processos de organizar implica assumir que o comportamento social é fundamental na própria ontogênese da organização e crítico na determinação dos seus resultados.

Segundo Weick (1973), mais do que ver a ação como resultado da cognição, deve-se compreendê-la como fonte para cognições. As pessoas agem e, de forma retrospectiva, constroem explicações que sustentam aquelas ações. Ou seja, a ação passada torna-se o estímulo para pessoas, nas organizações, desenvolverem teorias sobre o que elas fizeram e o que acontecerá se o fizerem novamente.

Weick e Roberts (1993) afirmam ainda que o indivíduo age, muitas vezes, “como organização”, no momento em que sua ação expressa valores, crenças e objetivos que são compartilhados coletivamente. Ou seja, seu comportamento, apesar de individual, é mais macro que micro, pois representa a sua coletividade. Por outro lado, decisões tidas como organizacionais podem refletir cognições, crenças, objetivos ou metas que são apenas de um indivíduo que tem o poder de tomar tais decisões.

Considerando, conjuntamente, as abordagens cognitivista e culturalista, pode-se afirmar que o decisor apreende a realidade por meio de categorizações mentais e as utiliza para perceber e compreender situações e eventos, principalmente na ausência de certeza. Ele compartilha e renova o conjunto de significados resultante por meio da interação social, exteriorizando-os na forma de valores/crenças e interesses. Na sua associação com os grupos ocupacionais, sobretudo com aqueles localizados no topo da hierarquia, ele pode usar esses padrões cognitivos para propor operações e arranjos organizacionais e, quando bem-sucedido, consegue convertê-los em fonte de orientação para a conduta de outros indivíduos, obtendo influência dentro da organização. Logo, ele é portador de múltiplas racionalidades e sua cognição individual produz ação organizacional e, conseqüentemente, desempenho dentro de um contexto que também é cultural. Sendo assim, representações, imagens, símbolos, esquemas, idéias etc são indispensáveis para explicar, por exemplo, a variabilidade do comportamento organizacional.

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