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1 INTRODUÇÃO

3.4 Capacidades como Disposições Estruturadas: Compreendendo a VBR a

3.4.4 Competência no Nível do Indivíduo

Barbosa (2003, p. 287) afirma que existem duas abordagens teóricas sobre competências, sendo uma mais conceitual e outra mais prática. Contudo, citando Barato, este autor diz que, em ambas as correntes, competência pode ser definida como a “capacidade pessoal de articular saberes com fazeres característicos de situações concretas de trabalho”.

Segundo Wood e Payne, citados por Bitencourt e Barbosa (2003), foi Boyatzis o primeiro autor a usar o termo competência. Em seu modelo teórico sobre competência gerencial, Boyatzis (1982) articula três variáveis: (a) as funções e demandas do trabalho de gerente (o que se espera que o gerente faça); (b) o ambiente organizacional no qual o trabalho existe (como se espera que a pessoa responda às demandas do trabalho); (c) as competências gerenciais (o que a pessoa é capaz de fazer e porque talvez aja de certa forma).

Cabe ressaltar que, para Boyatzis (1982), um gerente é alguém que consegue obter resultados por meio de pessoas. Logo, a efetividade no desempenho de cargos gerenciais deve ser medida pelo atingimento dos resultados específicos requeridos pelo cargo, sendo que as ações específicas executadas nesse sentido devem ser consistentes com as políticas, procedimentos e condições do ambiente organizacional. Por resultados específicos, ele entende tanto uma

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contribuição direta para a criação do produto/serviço da empresa quanto para a manutenção de sistemas que facilitem que outros possam contribuir para o alcance dos objetivos empresariais.

Para que “ações específicas” levem a “resultados específicos”, é necessário, segundo Boyatzis (1982), que a pessoa possua certas características ou habilidades denominadas competências. Essas competências são capacidades que o indivíduo trás para a situação de trabalho e mobiliza quando seu trabalho o exige, sendo que tudo isto ocorre no contexto de uma organização que possui estrutura, sistemas, missão, objetivos e estratégia corporativa que lhe são próprios. Assim, os resultados alcançados têm valor para aquela organização em um contexto ambiental (ambiente técnico e institucional) específico.

Na medida em que define competência como uma “característica implícita” de uma pessoa que resulta em desempenho efetivo e/ou superior no trabalho, Boyatzis (1982) afirma que ela é genérica, podendo ser uma habilidade, caráter/traço de personalidade, motivação, aspecto da auto-imagem/papel social ou corpo de conhecimento que a pessoa mobiliza de forma consciente ou não. Representa uma habilidade ou capacidade que descreve o que a pessoa pode fazer, não necessariamente o que ela sempre faz ou não, desconsiderando-se a situação específica. Não há, portanto, segundo Boyatizis (1982), uma relação causal entre competência e performance superior no trabalho. Ela é vista como um pré-requisito.

Boyatzis (1982) aponta 21 atributos que norteariam a construção de um perfil ideal de gestor. São eles: (a) orientação eficiente; (b) proatividade; (c) diagnóstico e uso de conceitos; (d) preocupação com impactos; (e) autoconfiança; (f) uso de apresentações orais; (g) pensamento lógico; (h) capacidade de criar conceitos; (i) uso de poder socializado; (j) otimismo; (k) gestão de processos grupais; (l) auto-avaliação e senso-crítico; (m) desenvolvimento de outras pessoas; (n) uso de poder unilateral; (o) espontaneidade; (p) autocontrole; (r) objetividade perceptual; (s) adaptabilidade; (t) preocupação com relacionamentos próximos; (u) memória e (v) conhecimento especializados.

Este autor ressalta, ainda, que as competências existem no indivíduo em vários níveis que interagem entre si. As motivações, por exemplo, encontram-se no nível inconsciente; a auto- imagem e papéis sociais no nível consciente e as habilidades no nível comportamental. Cada

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nível pode influenciar de forma diferente na disposição da pessoa, tanto em termos de freqüência quanto de grau/intensidade, de usar a competência.

Segundo Bitencourt e Barbosa (2003), o modelo de Boyatizis possui uma concepção behaviorista/racionalista, restringindo-se a considerar “comportamentos observáveis”. Contudo, para estes autores, essa contribuição inicial permitiu o surgimento de muitas abordagens, dentre elas a de Sandberg (1994).

Este autor critica o conceito de competências como conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, ou seja, aquisição de atributos. Como limitações dessa perspectiva racionalista ele aponta: (a) uso de descrições fragmentárias e atomísticas; (b) fraca evidência empírica que suporte as categorias de competências definidas/escolhidas como fundamentais; (c) uso de competências pré-definidas que pouco informam sobre o efetivo uso da competência no trabalho e (d) concepção das capacidades/atributos do funcionário e das atividades como duas entidades separadas, desconsiderando-se, portanto, a maneira como o trabalhador usa suas habilidades e se/quando as usa.

Em uma abordagem de cunho fenomenológico/interpretativista, Sandberg (1994) destaca o papel crucial desempenhado pelo significado do trabalho na mobilização das competências ao afirmar que o valor que uma pessoa atribui ao conhecimento e habilidades que possui depende da forma como ela concebe o seu trabalho e o seu papel.

Segundo Bitencourt e Barbosa (2003), Sandberg acredita que as competências se desenvolvem por meio da interação entre pessoas no ambiente de trabalho, podendo-se falar em uma “visão compartilhada de competência”. Assim, tendo como cerne a concepção do trabalho, o ciclo de competência de Sanderg, segundo estes autores, inclui também os conhecimentos teóricos e práticos, a rede de trabalho e as capacidades do trabalhador.

Citando Moscovici, Bitencourt e Barbosa (2003, p. 250) acrescentam a esta discussão o conceito de competência interpessoal, que refere-se “à habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais, de lidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada uma e às exigências da situação”, sendo composta, portanto, por uma “percepção acurada e realista de situações interpessoais e de habilidades comportamentais específicas”, como, por exemplo, flexibilidade perceptiva e comportamental (capacidade de

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identificar/analisar os vários ângulos/aspectos da situação e agir de forma diferenciada); capacidade criativa para apresentar soluções/propostas não convencionais, dentre outras.

Complementando o modelo de Sandberg, Bitencourt e Barbosa (2003) apresentam a contribuição de Boterf que situa competência valendo-se de três eixos principais - biografia e socialização; formação acadêmica e experiência profissional, além de ressaltar aspectos como responsabilidade (domínio do métier e comprometimento com a atividade) e legitimidade (reconhecimento por parte de superiores, pares e subordinados da capacidade de agir e responder às situações que aparecem).

Bitencourt e Barbosa (2003, p. 254) afirmam, a partir desses autores, que: (a) “a interação entre as pessoas propicia uma melhor articulação referente às diretrizes e aos níveis organizacionais”; (b) “a identificação do significado da competência permite sua legitimação” e (c) “a experiência relaciona-se diretamente à formação no sentido de capacitação que implica visão pessoal, educacional e profissional”. Já Zafarian (2001), destaca que o construto competência é dinâmico, pois articula as competências centrais da organização e as dos indivíduos e grupos e seu impacto sobre as organizações.

Bitencourt e Barbosa (2003) ressaltam também, que as competências técnicas (saber-fazer) não seriam suficientes para o novo contexto produtivo, cabendo ao funcionário desenvolver atitudes críticas e reflexivas (saber-ser e saber-agir) a fim de preparar-se para o trabalho em geral e não somente para uma única ocupação. Logo, ele deve se apropriar do conhecimento (saber/saber-fazer) para agir no trabalho (saber-agir), pois, caso esse conhecimento não seja incorporado às atitudes e manifeste-se por meio de ações ou práticas no trabalho, ele não agregará valor às atividades e à organização. Nesse sentido, o funcionário deve ser capaz de aprender a aprender, além de atuar de forma ética, solidária, participativa, cooperativa. Segundo Arruda, citada por Barbosa (2003), a competência é, portanto, um fator decisivo para a empregabilidade, valorizando-se tanto as qualificações tácitas quanto as oriundas da educação continuada.

Sintetizando a contribuição de diversos autores, Bitencourt e Barbosa (2003) apresentam os diferentes aspectos apontados na literatura como estando envolvidos com o conceito de competência. São eles: (a) desenvolvimento de conceitos, habilidade e atitudes (formação/saber); (b) capacidade (aptidão); (c) práticas de trabalho, capacidade de mobilizar

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recursos (ação); (d) articulação de recursos (mobilização); (e) busca de melhores desempenhos (resultados); (f) questionamento constante (perspectiva dinâmica); (g) processo de aprendizagem individual no qual a responsabilidade maior desse processo deve ser atribuída ao próprio indivíduo (auto-desenvolvimento); (h) relacionamento com outras pessoas (interação).

Bitencourt e Barbosa (2003) apontam, também, as principais críticas encontradas na literatura sobre o tema competência: (a) diferenças e contradições relativas ao conceito de competência; (b) ênfase excessiva nos atributos que compõem as competências (visão estática); (c) falta de visão processual (perspectiva dinâmica); (d) negligência em relação às competências indispensáveis para o desempenho futuro da organização; (e) superficialidade no desenho de competências, enfatizando-se muitos atributos, mas não se questionando a sua qualidade; (f) dificuldade de precisar o que seja efetividade do comportamento gerencial, principalmente em função da precariedade dos métodos de mensuração de atitudes; (g) descontextualização das competências, criando-se listas genéricas que não refletem as necessidades específicas e o momento histórico de cada organização; (h) formalismo traduzido pela busca de confirmação sobre a existência ou não de competências, desconsiderando-se o seu desenvolvimento; (i) desarticulação entre competência e a visão estratégica de Recursos Humanos; (j) falta de espaço para a aprendizagem a partir do erro; (k) priorização da avaliação de padrões pessoais e não de processos/atividades, fazendo-se poucas críticas construtivas; (l) visão skinneriana de desenvolvimento de competência (estímulo/resposta); (m) enfraquecimento da ligação entre competência e significado do trabalho, perdendo-se a oportunidade de desenvolver no funcionário a percepção do seu trabalho como algo único e que faz diferença para o sucesso da organização.

Hirata (1994, p.128) acrescenta a estas críticas o fato de que “os novos paradigmas da produção têm como referencial explícito ou implícito o trabalhador homem como encarnando o universal”, além de desconsiderarem as especificidades dos processos produtivos dos países em desenvolvimento. Assim, os modelos de competências apresentam falhas que precisam ser sanadas.

Nesse contexto, Luz (2003) sugere que os modelos de competências consideram aspectos como:

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a) competência é uma capacidade/atributo do indivíduo e não se confunde com seu desempenho ou com os seus saberes;

b) envolve não só a capacidade de buscar, interpretar, transformar e produzir informações, mas também estruturar modelos mentais capazes de representar informações e desempenhos, assim como de agir tendo por base o uso desse conhecimento;

c) pressupõe capacidade de transferência, de combinação e integração, de aprendizagem e adaptação;

d) refere-se à capacidade de inovar, criar, “improvisar onde os outros não fazem mais do que repetir”, improvisação esta que não se faz por acaso, mas tem por base um conjunto de conhecimentos e habilidades acumulados pelo indivíduo na sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica (p.131);

e) é de natureza combinatória, não se realizando simplesmente pela adição de saberes parciais, mas da síntese dos saberes;

f) implica no exercício sistemático da reflexividade no trabalho, isto é, “no distanciamento crítico diante do trabalho, no questionamento sistemático dos modos de trabalhar e dos conhecimentos que a pessoa utiliza”, não podendo, portanto, ser imposta (p.133);

g) é uma atitude social de engajamento, de comprometimento ou envolvimento, mobilizando inteligência e subjetividade, significando assumir riscos de fracassar;

h) se realiza na ação, isto é, não reside simplesmente nos recursos (conhecimentos e habilidades), mas na mobilização de tais recursos, implicando não só na aplicação, mas na construção e reconstrução desses saberes e habilidades;

i) sua essência está no saber-agir, que se distingue do saber-fazer, na medida em que a competência tem significação para o sujeito;

j) envolve reconhecimento social da competência, dependendo, portanto, do julgamento de outros, constituindo-se em um construto social e não apenas operatório;

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k) é contingente, isto é, exerce-se num contexto particular, sendo regrada por restrição e recursos, exigindo flexibilidade, pois varia em função da situação em que intervém;

l) depende da rede de relações pessoais e profissionais a que o indivíduo pertence, bem como de banco de dados, anotações etc, sendo fruto, portanto, da confrontação com o saber-fazer de outros indivíduos;

m) significa a realização daquilo que se sabe em um contexto particular, não sendo, portanto, um estado nem um conhecimento que se tem;

n) está ligada à cultural organizacional, no que esta valoriza ou deprecia, nos circuitos de informação que gera, à concepção dos papéis ou das funções que institui, ou seja, os valores organizacionais criam o quadro de referência para o uso das habilidades e para a aplicação dos conhecimentos.