• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

3.4 Capacidades como Disposições Estruturadas: Compreendendo a VBR a

3.4.1 Competição Baseada em Recursos, Capacidades e Competências

Uma das principais questões no campo da gestão estratégica é entender como as empresas alcançam e sustentam vantagens competitivas. Com o objetivo de compreender esse ponto, Teece, Pisano e Shuen (1997) apresentam três paradigmas que versam sobre as fontes da vantagem competitiva. Segundo estes autores, durante a década de 80, o paradigma dominante era o da abordagem das forças competitivas, concebida por Porter (1986 e 1989). Este modelo

109

discute as relações da firma com o seu ambiente, considerando, principalmente, como as empresas devem se adaptar/posicionar no setor econômico em que atuam a fim de construir e sustentar vantagem competitiva. Trata-se, portanto, de um modelo, até certo ponto, determinista, concebendo a estratégia de forma adaptativa, reativa e mimética

Uma segunda abordagem, proposta por Carl Shapiro em 1989, visava analisar a natureza da interação competitiva entre empresas concorrentes. Nesse caso, avaliava-se como uma firma podia influenciar os comportamentos e as ações dos concorrentes e, dessa maneira, o seu mercado. A idéia principal dessa teoria era que “ao manipular o mercado, a empresa seria capaz de aumentar seus lucros” (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997, p. 511).

A terceira abordagem é a Visão Baseada em Recursos (VBR). Segundo Rodrigues (2004), a VBR é considerada por muitos analistas como portadora de uma concepção de empresa que rompe com as abordagens econômica e da escolha estratégica, pelo fato de conferir à dimensão interna, aos recursos e às capacidades, um papel determinante no comportamento da empresa. Essa teoria é congruente com o pensamento de teóricos como Barnard, Selznick, Penrose e Chandler.

De acordo com Herzorg (2001), a VBR teve uma rápida penetração porque abrange uma grande quantidade de conceitos e questões que vinham sendo investigados em vários campos paralelos ao da estratégia e que não eram englobados pelos paradigmas anteriores que priorizavam o ambiente externo da empresa. Na mesma linha, Rodrigues (2004, p.11) afirma que a VBR contrapõe-se “à visão hegemônica da mainsteam teórica da economia, na qual firmas são concebidas como entidades atomizadas e reativas dentro do universo econômico”.

Assim, na visão deste autor, Penrose, pioneira desta abordagem, teria deslocado para os processos internos o foco prioritário da análise e da explicação do comportamento empresarial ao definir a firma como um “conjunto de recursos produtivos”. Estendendo esta idéia, Wernerfelt (1984) argumenta que as empresas deveriam ser vistas mais como uma carteira de recursos historicamente constituída do que como uma carteira de produtos.

Segundo Mackay e Chia (2005), Penrose estabeleceu relações causais entre oportunidades de inovação e os recursos específicos da firma, assim como enfatizou a diversidade das firmas e das suas circunstâncias externas e internas como explicações para as diferenças das mesmas

110

em termos de crescimento. Na visão desses autores, ela deu uma grande contribuição para os estudos de estratégia ao incluir como recursos as idiossincrasias dos gerentes, conhecimento tácito, esforço imaginativo, “timing” na identificação de oportunidades produtivas a explorar ou de escassez de recursos, assim como a experiência adquirida ao se trabalhar em um determinado grupo.

Teece, Pisano e Shuen (1997), na medida em que adotam a VBR, defendem que as decisões estratégicas da firma não são apenas uma função da relação entre oportunidades e ameaças, mas dependem também de que recursos a organização pode se valer. Rodrigues (2004) e Herzog (2001) complementam afirmando que os determinantes de como e porque as firmas diversificam e crescem reside na capacidade da firma de usar eficazmente os serviços produtivos propiciados por seus recursos a fim de atender às oportunidades de mercado.

Herzog (2001) define como recursos da empresa (a) seus ativos contáveis (elementos do inventário da firma); (b) os ativos intangíveis externos e internos, que não podem ser contabilizados nem controlados pela organização, como a reputação da empresa, reconhecimento da marca, imagem da marca e cultura organizacional; (c) os fatores externos controlados por ela; (d) informações, conhecimento e capacidades organizacionais que se desenvolvem e acumulam internamente; (e) os processos e sistemas configurados em suas ferramentas de gestão; (f) os conhecimentos, habilidades, competências e motivação das pessoas que nela trabalham, tanto individualmente, como em equipe.

Wernerfelt (1984) classifica os recursos das firmas em dois grandes grupos: tangíveis e intangíveis. Recursos tangíveis são aqueles recursos físicos que se pode tocar e medir de maneira precisa. Incluem capital financeiro, imóveis, instalações físicas etc. Recursos intangíveis são divididos em duas categorias: ativos e capacidades organizacionais. Os ativos são elementos que integram o patrimônio da empresa e podem ser objeto de transações econômicas. Exemplos de ativos intangíveis são a propriedade intelectual, imagem da marca, base de clientes. Já as capacidades organizacionais são definidas por Herzog (2001, p.9) como

rotinas, ou padrões repetíveis de ação que permitem à empresa criar, produzir e oferecer produtos ao mercado. Uma capacidade, ou competência organizacional, exige, para que possa ser reconhecida como tal, a convergência de três requisitos fundamentais: 1) a condição de organização, necessária para o desenvolvimento coordenado de recursos; 2) a condição de intenção; e 3) a exigência da realização dos objetivos propostos. Os elementos que constituem as capacidades

111

organizacionais (...) [são]: os conhecimentos (dos indivíduos e da organização), o contexto (físico e social, cultura e tecnologia) e a coordenação (as ferramentas de gestão).

Herzog (2001) identifica três condições fundamentais para que haja vantagem competitiva com base em recursos: heterogeneidade, sustentabilidade e apropriabilidade. A heterogeneidade está relacionada ao valor e à escassez do recurso. Um recurso é valioso a uma empresa quando reduz custos, cria diferenciação e aumenta as suas entradas. Esse autor ressalta que isto ocorre apenas quando o recurso não está disponível a muitas empresas. A sustentabilidade baseia-se na idéia de que o recurso deve gerar rendas não só momentâneas. As empresas precisam criar barreiras para evitar a imitação e se antecipar às ameaças de substituição. A apropriablidade firma-se na possibilidade de apropriação, por parte da empresa que possui o recurso, das rendas que este possa gerar. É importante pontuar que as três condições são correlatas, ou seja, os elementos que conferem sustentabilidade à vantagem podem ser, igualmente, fontes de heterogeneidade.

Numa outra perspectiva, Dierickx e Cool, citados por Rodrigues (2004, p.13), apontam que os recursos essenciais são acumulados ao longo do tempo, resultam de conhecimento tácito e estão enraizados na cultura da empresa. “Nesse sentido, tais recursos são idiossincráticos, não imitáveis e não transferíveis”. Reforçando, os autores Mello e Cunha, também apresentados por Rodrigues (2004, p. 13), afirmam que “a empresa é vista como uma coleção de recursos, tangíveis e intangíveis, mantidos coesos e organizados através de uma rede de entendimento e significados comuns”.

Rodrigues (2004) apresenta a perspectiva das capacidades organizacionais como uma série de desdobramentos do conceito da VBR, no que se refere à natureza dos recursos e aos pressupostos econômicos e sociais usados. Nesse sentido, ela visa captar os impactos dinâmicos da relação dos agentes com o ambiente que os cerca incorporando à análise novos elementos tais como a questão da incerteza, o tempo econômico, a especificidade da firma e de sua organização interna e a relação entre concorrência, progresso técnico e inovação.

Este autor apresenta três correntes teóricas que abordam o tema capacidades organizacionais: (a) a perspectiva da economia evolucionária; (b) a abordagem das capacidades dinâmicas; (c) a perspectiva da competição baseada em competências.

112

A perspectiva da economia evolucionária foi inaugurada por Nelson e Winter em 1982, inspirada na tradição teórica proposta por Shumperter, Veblen e outros autores institucionalistas, que faziam analogias a modelos biológicos. Rodrigues (2004, p.15) identifica que

a capacidade, que no âmbito da VBR é um recurso, para a teoria evolucionária são as rotinas, ou seja, padrões repetidos de atividades fundados em conhecimento de caráter predominante tácito e desenvolvidos localmente para utilizar recursos específicos, os elementos que capacitam a empresa no processamento de estímulos provenientes do seu meio ambiente.

As rotinas resultam de processos evolutivos de tentativa e erro e cristalizam as práticas consideradas satisfatórias em termos de objetivos operacionais e estratégias. São elas que dirigem a atenção para as ações que permitem atingir os objetivos, absorver incertezas e tornar os comportamentos homogêneos, exercendo, assim, a função de mecanismo de coordenação. A rotina configura a memória, o saber fazer, as habilidades e o conhecimento da organização. São as rotinas correntes que determinam grande parte dos novos aprendizados, do desenvolvimento, da trajetória da firma. Nesse sentido, segundo Rodrigues (2004, p.15), “são simultaneamente, uma capacidade e um fator de rigidez, uma vez que qualquer nova atividade para ser incorporada ao repertório da organização, exige um esforço não apenas de formulação e implementação como de desaprendizado da rotina existente”.

Numa perspectiva complementar à proposta por Nelson e Winter (1982), Teece, Pisano Shuen (1997) definem como capacidades dinâmicas “a aptidão da empresa em integrar, construir e reconfigurar suas rotinas internas e externas” (RODRIGUES, 2004, p.15). A trajetória de uma empresa explica tanto como ela se adaptou ou moldou seu ambiente concorrencial quanto como sua trajetória impôs limites à sua aptidão/habilidade de reproduzir ou imitar capacidades desenvolvidas por outras firmas.

Nesse contexto, Eisenhardt e Martin (2000) argumentam que essa visão tradicional percebe as capacidades dinâmicas como sendo dependentes da trajetória da firma em sua emergência e idiossincráticas em suas especificidades, mas pode haver muito mais homogeneidade entre as melhores práticas (best practices) das firmas do que pensamento original. Para esses autores, a singularidade dessas capacidades encontra-se em detalhes, dependendo em maior ou menor grau da velocidade do mercado em questão. Já na visão de MacKay e Chia (2005), outra

113

explicação para essa homogeneidade seria o fato das rotinas que alcançaram o estágio de maturidade no seu ciclo de vida terem se tornado mais habituais e menos conscientes.

A perspectiva da competição baseada em competências busca integrar os conceitos centrais da perspectiva evolucionista e das capacidades dinâmicas e se constituir como uma referência teórica de base para o pensamento e à prática da estratégia. Sua referência principal é o conceito de competências essenciais introduzido por Prahalad e Hamel (1990, p. 82), tendo o mérito de trazer para o centro das discussões as relações entre os ativos de saber, as atividades e as competências da firma. Para esses autores, as competências essenciais resultam do “aprendizado coletivo da organização, especialmente sobre como coordenar diversas habilidades de produção e integrar diversas tecnologias”.

Como essa perspectiva admite que as forças competitivas das empresas repousem sobre capacidades organizacionais aprendidas, “para crescer no futuro, a empresa precisa desenvolver competências no presente”. Prahalad e Hamel (2005, p.254) apontam, assim como Rodrigues (2004), que a vantagem competitiva deriva de capacidades profundamente enraizadas, ao mesmo tempo que as competências são o resultado do processo de aprendizado coletivo da organização.

No contexto desta discussão, Rodrigues (2004) e Herzorg (2001) afirmam que não há uma teoria consolidada e amplamente aceita sobre competências, pois a multidimencionalidade inerente à noção de competência permite uma enorme variedade de interpretações. Também não há um acordo sobre os meios adequados para identificá-las, ou sobre metodologias apropriadas à construção de estratégias orientadas por competências. Nesse sentido, Mackay e Chia (2005, p. 06) argumentam que esses modelos teóricos não proporcionam respostas mais profundas sobre porque as firmas diferem, o que fica mais saliente quando se percebe que “firmas significativamente diferentes em termos de características importantes se mostram igualmente viáveis em um mesmo ambiente econômico”.

114