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III. MIGRAÇÃO FEMININA PERSPECTIVAS E CONCEITOS –

3.3 Teoria das migrações internacionais

3.3.1 Abordagens integradoras

As abordagens integradoras surgem, assim, na tentativa de superar a dicotomia acção – estrutura. Consideram que a migração é, por um lado, fruto de uma decisão individual, por outro, a manifestação de uma sociedade que impõe constrangimentos aos indivíduos.

Estas perspectivas, ao procurarem estabelecer a ligação entre um nível de análise macro e um nível de análise micro, vão especificar um objecto de análise intermédio que possa sintetizar as duas abordagens dicotómicas.

De entre as várias tentativas, as propostas que surgiram como as mais coerentes são as que consideram a família e as redes de migrantes. Considera-se que ambas são objectos empíricos que residem algures entre o indivíduo e a sociedade; tanto a família como as redes sociais são apresentadas como meios que têm em conta, tanto o conjunto de 95

acções dos decisores individuais, como a estrutura de constrangimento do comportamento pela economia política global ou nacional.151

No que concerne à família, considera-se que a decisão de migrar é parte de uma estratégia do agregado familiar para melhorar as suas condições de vida.

A família era classicamente entendida como homogénea, sendo que os indivíduos do agregado familiar agiam de modo altruísta uns em relação aos outros, tomando, desse modo, a decisão de migrar. Esta noção clássica de família para explicar a dinâmica das migrações internacionais traduzia-se, no entanto, numa simples substituição do indivíduo racional e calculista pela família racional e calculista, o que não vinha diferir muito das perspectivas funcionalistas.

Além disso, uma vez que as decisões de migrar reflectem também as relações de poder na família, elas são influenciadas tanto por interesses individuais como por interesses colectivos, em que influem aspectos diversos.152 A família, num sentido lato, está pois, longe de ser homogénea e racional.

Como refere Hondagneu-Sotelo, “Opening the household «black box» exposes a highly charged political arena where husbands and wives and parents and children may simultaneously express and pursue divergent interests and competing agendas.”153 Reconhecendo esta complexidade das relações familiares, no entanto, torna-se inegável a importância da família nas migrações internacionais e bem assim em todos os processos sociais.

Em primeiro lugar, porque a família, seja nuclear ou extensa, é um agente socializador por excelência que transmite aos indivíduos valores e normas culturais que vão influenciar no sentido ou não da migração dos seus membros. Essas normas e valores traduzem-se igualmente em determinadas obrigações por parte dos seus membros ao longo do espaço e do tempo. Este aspecto tem consequências, nomeadamente para as mulheres no que diz respeito ao papel que lhes é atribuído e que é o da prestação de cuidados que tem de ser assegurado também num quadro migratório, estejam os seus dependentes no país de origem ou no país receptor.

Em segundo lugar, porque, além dos valores ou normas veiculadas, as próprias características da família vão favorecer ou não a migração dos seus membros.

151 GOSS, Jon, LINDQUIST, Bruce, 1995 “Conceptualizing International Labor Migration: A Structuration Perspective”, International Migration Review, vol. XXIX, No. 2, Center for Migration Studies, p.327.

152 Investigações etnográficas sugerem que os membros da família muitas vezes não seguem os interesses colectivos e às vezes lutam abertamente contra o poder normativamente investido no homem da família.

153 HONDAGNEU-SOTELO (1994), citado em KOFMAN, Eleanor et al, op. cit. p. 27 96

“A number of studies show that the motivation and ability to migrate as well as the pattern of migration are influenced by the resources levels of household, the age and sex structure of the family/households and the stages of family life cycle.”154

Assim, por exemplo, as famílias com mais recursos, mais facilmente financiam um ou dois membros para migrarem sendo que as famílias com menos adultos e com mais dependentes poderão ser menos propensas à migração, por falta de quem reúna as condições para o fazer. Também este último aspecto parece ser relevante no caso das mulheres, pois permite equacionar se o facto de, na família, a mulher ser a principal prestadora de cuidados surge como obstáculo para a mesma decidir migrar. Frequentemente, o recurso a outros familiares para a prestação de cuidados a

dependentes aparece como uma alternativa; no entanto, a idade dos filhos, por exemplo, é uma condicionante.

A família tem igualmente um papel determinante nos próprios projectos migratórios. Como refere Maria Engrácia Leandro:

“É normalmente na família e em função da família de orientação ou de procriação e numa dada situação que se concebem, tomam forma e realidade e reelaboram os projectos migratórios.”155

De facto, é a família que, frequentemente vem legitimar as opções do migrante em termos de projecto migratório, quer quando o migrante parte para proporcionar àquela melhores condições de vida, quer quando permanece, adiando assim o regresso, para impedir que os filhos sofram a ruptura com a sociedade receptora ou para favorecerem a integração e promoção dos mesmos no país de destino.

Nas migrações internacionais, a família está, assim, longe de ser irrelevante. Trata-se de uma entidade que tem permanecido no tempo e no espaço mas, ao mesmo tempo, “reinventando-se e criando condições de adaptação à luz das várias mutações económicas, sociais e culturais.”156 E, ao mesmo tempo, aparece integrada noutras dinâmicas sociais.

154 BOYD, Monica, “Family and personal networks in international migration: recent developments and new agendas”, International Migration Review xxii, n.º 3, p. 642

155LEANDRO, Maria Engrácia, “Dinâmica social e familiar dos projectos migratórios – uma perspectiva analítica”, Análise Social, vol. XXXIV (170), 2004, 95 – 118, p. 95.

156 LEANDRO, op. cit. , p. 97 97

No caso das mulheres migrantes, assume importância significativa. Em primeiro lugar, porque as mulheres aparecem permanentemente associadas à migração familiar, apesar de a família não ser o universo exclusivo onde se move a mulher migrante. Depois, porque o seu papel vem muitas vezes sofrer o impacto da migração e a sua mobilidade tem consequências para si próprias, diferentes das dos homens e que se reflectem na família, nomeadamente no que diz respeito aos seus dependentes e às relações de poder no seio da família. Finalmente, porque o universo familiar complementa as relações sociais e comunitárias que o migrante desenvolve.

A crítica à perspectiva centrada na família refere que, em termos da teoria das migrações internacionais, a mesma não soluciona o impasse entre as perspectivas funcionalistas e as perspectivas estruturalistas, principalmente porque as famílias são apenas parte do conjunto de instituições que desempenham um papel no processo migratório. Nós reafirmamos que, para o estudo da mulher migrante e, tendo em conta o papel que a mulher desempenha na família e como é influenciada pela mesma, a sua importância é significativa.

O estudo da família para explicar o fenómeno migratório, despertou o interesse para o papel das redes sociais, que estarão na base do estabelecimento das redes migrantes. As redes sociais traduzem-se nas ligações dos indivíduos, não só às famílias, mas também aos amigos e à comunidade, bem como as associações forjadas através de actividades sociais e económicas que agem como ligação e através das quais flúem a informação, a influência e os recursos.157

No caso da migração laboral, as redes sociais assumem uma especial relevância. Elas providenciam aos potenciais migrantes informações sobre destinos disponíveis, contactos, etc. no destino, a assistência em forma de alojamento e emprego, reduzem o custo da migração, permitem a continuidade cultural e a comunicação com a

comunidade de origem, tornando-se mediadoras entre o migrante e a sociedade de destino.

Embora sejam recursos explorados pelo migrante, ajudam também a determinar a natureza da migração, influenciando a disponibilidade de destinos e as condições de emprego, podendo desenvolver-se numa auto-sustentação, independentemente das circunstâncias iniciais.

157 GOSS, Jon, LINDQUIST, Bruce, op. cit., p. 329 98

Na linha das redes sociais, Jon Goss e Bruce Linquist158 apresentam um outro conceito, alternativo à família e às redes sociais e que é o conceito de “instituição migrante”, que é baseado na já referida teoria da estruturação de Giddens.

O conceito de “instituição migrante” é definido como “a complex articulation of individuals, associations and organizations which extends the social action of and interaction between these agents and agencies across time and space.”159

A institucionalização da migração resultou da rotinização de determinadas práticas de interacção social entre os indivíduos potenciais migrantes e agentes institucionais. As práticas de interacção social, por seu lado, vão também reproduzir as regras e os recursos da instituição migrante.

O principal contributo da noção de instituição migrante prende-se com o facto de englobar uma miríade de agências e organizações que operam no negócio da migração. A instituição migrante tem sido também um conceito útil para explicar a “feminização” da migração laboral.

Embora nem todos os processos migratórios estejam formalmente institucionalizados do mesmo modo, diferentes tipos de canais e organizações profissionais facilitam e regulam fluxos migratórios contemporâneos, mesmo dos migrantes com habilitações. Esta noção de “instituição migrante”, no entanto, aparece fortemente associada à migração laboral. Para o estudo da mulher migrante, uma perspectiva orientada apenas para o aspecto laboral é, no mínimo, redutora. Ao mesmo tempo, denota uma certa formalidade que, embora se coadune com a migração laboral e com todos os actores e agências envolvidos neste processo, não parece suficiente para captar alguns aspectos de natureza informal da migração feminina, como sejam, por exemplo, outros motivos que não os económicos, que possam estar na origem da decisão de migrar.

Retiraremos das abordagens integradoras o conceito de rede, entendido não apenas no sentido de mediação entre o indivíduo e a sociedade receptora, mas enquanto produto de uma estratégia, consciente ou inconsciente, do migrante para dar resposta à

complexidade das situações que se lhe colocam tanto no país receptor como no país de origem; não apenas como uma rede de relações, mas também de cuidados e de assistência, em que o indivíduo é menos um elemento passivo, do que um construtor activo. Este é um aspecto essencial da migração feminina.

158 GOSS, Jon, LINDQUIST, Bruce, op. cit., 159 Ibidem p. 319