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IV. MULHERES MIGRANTES NO ESPAÇO TRANSNACIONAL

4.5 Consequências da mobilidade feminina

Como vimos, a migração implica para as mulheres uma possibilidade de autonomia e emancipação sem um “corte de laços” com o seu país de origem.

A razão primeira da manutenção desses vínculos é a família, uma vez que uma das consequências da mobilidade no espaço transnacional é a fragmentação da família.

“Una de las claras consecuencias de los procesos de globalización y transnacionalidad sobre la estructura familiar es la tendencia a la fragmentación de las unidades familiares y la dispersión de los espacios residenciales.”186

Devido à fragmentação da unidade familiar é requerido um esforço no sentido de preservar os laços para manter a integridade familiar no espaço transnacional. As mulheres aparecem como as principais responsáveis por fazer com que os laços familiares se mantenham.

As mulheres migrantes aparecem, não só fortemente comprometidas com a manutenção da integridade familiar, mas também com a mitigação das consequências que a sua mobilidade pode ter para os seus.

A separação da unidade familiar, pela migração do homem ou da mulher traz consequências sobretudo para os filhos. A migração da mãe, no entanto, tem um maior impacto na vida daqueles. Alguns estudos187 evidenciam que a ausência da mãe pode provocar uma regressão no processo de aprendizagem dos menores, situações de

186 ARIZA, Marina, “Migración, familia y transnacionalidad”, Revista Mexicana de Sociologia, vol. 64, n.º 1 ,Oct-Dic., 2002 p.64187 ARIZA, Marina, op. cit., p. 72

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abandono escolar, gravidez na adolescência, bem como uma sobrecarga de tarefas domésticas sobre as filhas.

“La ausencia de la madre parece tener un efecto desestabilizador más fuerte sobre la familia que la ausencia del padre, pues ellos no asumen los roles domésticos, sino que delegan en otros parientes el cuidado y la atención de los hijos.”188

Para mitigarem a separação física dos filhos, as mulheres procuram accionar formas, ainda que indirectas, de prestação de cuidados e assistência.

A circunstância da separação física pela migração e a concomitante necessidade de prestação de cuidados e assistência levaram a uma ampliação do sentido tradicional de “maternidade”, adoptando-se o conceito de “maternidade transnacional” para designar “circuitos de afecto”, cuidado e apoio económicos entre mães e filhos que vivem separados pela migração.189

Neste contexto, as mulheres migrantes aparecem como construtoras de “redes de afecto”, como meio de alcançarem, no âmbito da prestação de cuidados e assistência, uma forma de ubiquidade no espaço transnacional.

Através dessas redes, que são recursos existentes no espaço transnacional, elas organizam o cuidado das crianças, muitas vezes, por sentido de obrigação, mas também como imposição cultural e social, elas organizam também o cuidado dos idosos. Estas redes são assim a resposta à pressão e também à preocupação e ao sentido de responsabilidade pela prestação de cuidados e assistência a dependentes ascendentes ou descendentes.

As mulheres migrantes vêm-se, assim, frequentemente, no centro de um feixe de obrigações para com os seus seja no país de origem, seja no país receptor, seja em ambos, que muitas vezes se torna difícil gerir, ao que acresce a carência de apoio que algumas sentem por estarem longe da família e verem-se perante o desafio permanente de tentarem de conciliar a vida profissional com a vida familiar.

Louise Ackers, no seu estudo Cuidar à distância. Mulheres, Mobilidade e Autonomia na União Europeia”190, que teve por população-alvo mulheres migrantes europeias para países da União Europeia, chama a atenção para a necessidade de prestação de cuidados e de assistência pela mulher migrante durante os seus ciclos de vida e a 188 Ibidem

189 HONDAGNEU-SOTELO Y AVILA, 1997, citado em ARIZA, Marina, op. cit., p. 70

190 ACKERS, Louise, “Cuidar à distância. Mulheres, Mobilidade e Autonomia na União Europeia”, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 50, 1998

pressão que a mesma constitui para si, o que se traduz numa perda gradual da autonomia sentida no período inicial após a migração.

A prestação de cuidados e assistência aos dependentes ascendentes como os pais e, por vezes, os sogros no país de origem revela-se particularmente difícil, por ser mais uma responsabilidade acrescida ao cuidado dos filhos, ou porque, liberta deste, a mulher não consegue subtrair-se ao compromisso permanente da prestação de cuidados e assistência no país de origem, seja pelo sentido de obrigação, seja pelas expectativas que sobre ela recaem em relação ao desempenho desse papel.

A título de exemplo, o referido estudo evidencia que, mesmo quando há irmãos com os quais possa ser partilhada a tarefa de prestação de cuidados aos pais, o mais comum é que sejam as filhas a assumir as responsabilidades de assistência, mesmo que vivam noutro país.

“A natureza das responsabilidades pode ir do suporte continuado nos cuidados de tipo pessoal, a férias prolongadas destinadas a cuidar de pessoas necessitadas ou aliviar outros irmãos encarregados de idêntica tarefa; até formas de apoio como por exemplo o envio de dinheiro, a coordenação de períodos de acompanhamento ao domicílio, o aconselhamento ou a prestação de apoio emocional.”191

Quando não é possível às mulheres prestarem uma assistência a nível pessoal, muitas materializam o seu apoio através de contributos monetários, do contacto com organizações de assistência social (providenciando formas de acompanhamento no domicílio), ou «organizando» redes de apoio informais.192

As estratégias delineadas podem mesmo culminar na circunstância de as mulheres trazerem os pais para junto de si, o que pode trazer também algumas consequências para os próprios como sejam, por exemplo, o desconhecimento da língua, a dificuldade de integração, etc.

Como foi aflorado, a prestação de cuidados e de assistência no espaço transnacional e, em particular, a dependentes no país de origem é mais uma responsabilidade acrescida para as mulheres, do desempenho desse mesmo papel no país receptor, além da conciliação do mesmo com a sua vida profissional.

A migração implicou, para as mulheres, o distanciamento familiar e com este uma menor possibilidade de obterem algum apoio informal por parte da família, sobretudo 191 ACKERS, Louise, op. cit., 136

192Ibidem, p.137 118

em momentos importantes da sua vida como, por exemplo, a experiência da maternidade no país receptor.

No referido estudo de Louise Ackers, muitas mulheres referiram-se à “falta de ajuda no plano prático e afectivo”193durante esse período.

“Quebrados os laços de parentesco e a ligação comunitária com o país de origem, falta-lhes o tipo de apoio com que contam muitas mulheres para poderem conciliar o trabalho remunerado e não-remunerado e para manterem relações equilibradas com os respectivos parceiros.”194

Mesmo tendo família no país receptor, pelo lado do seu cônjuge, o relacionamento difícil com aquela e a subsequente falta de apoio informal levaram algumas mulheres a experienciarem situações de isolamento e de solidão.195

Para fazer face a este problema da falta de apoio no cuidado e criação dos filhos, este estudo revelou algumas opções que estas mulheres tomaram: fazer visitas à família no país de origem, onde têm o apoio da mãe e das irmãs, mandar os filhos para o país de origem ou então mandar a sua mãe vir para junto de si durante algum tempo, após o nascimento de cada filho. Outros aspectos entram aqui em linha de conta como o facto de estas mulheres terem ou não filhos em idade escolar e recursos económicos para suportar as eventuais deslocações.

Apesar da relevância deste estudo, não pode ignorar-se o facto de esta população-alvo estar culturalmente circunscrita a nacionais de países da União Europeia. Um dos aspectos que está associado à responsabilidade da prestação de cuidados e assistência é a questão da “maternidade exclusiva”, ao contrário da noção de “maternidade partilhada” ou “maternidade outra” que é frequente, por exemplo, entre os povos africanos. Além disso, a noção de família, para os africanos tem um sentido muito mais amplo, o que contribui para que se desenvolva uma maior solidariedade tanto no país de origem como no país receptor.