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IV. MULHERES MIGRANTES NO ESPAÇO TRANSNACIONAL

4.3 Diferentes géneros, diferentes estratégias

Tal como relativamente às causas, a mobilidade traz também consequências diversas para os homens e para as mulheres, sobretudo porque a imutabilidade e rigidez das representações que se fazem da diferença sexual do país de origem podem ser questionadas no contacto com o país receptor ou com outra realidade diversa. Frequentemente, mas também aparentemente, a migração representa, desde logo, para as mulheres a entrada numa sociedade menos segregada que a sociedade original no que diz respeito ao género. Naturalmente, esta circunstância permite o acesso a uma maior variedade de recursos e uma participação em novos espaços, o que aumenta ainda mais a sua mobilidade e liberdade.

181 BRETTELL, Caroline, op. cit.,p. 15 111

No caso dos homens, comparativamente ao que sucede com muitas mulheres, a migração internacional tem o efeito inverso que é o de uma restrição parcial da sua mobilidade e raio de acção, bem como uma perda de poder tanto fora como dentro da família.182 Esta alteração nas relações de poder entre os homens e as mulheres é uma das consequências da mobilidade, uma vez que vai atenuar a desigualdade existente entre o homem e a mulher migrante e colocá-los numa situação equiparada.

Com efeito, a migração representa, para muitas mulheres, a inserção no trabalho extradoméstico, o que leva a que muitas passem a ter o seu próprio rendimento. Esta

circunstância permite-lhes uma maior independência em relação aos seus companheiros e uma possibilidade de escaparem a um sentimento de obrigação e dependência em relação aos mesmos.

Esta alteração nas relações de poder, pela mobilidade, pode, inclusivamente, criar tensões no casamento ou relacionamento. Por exemplo, muitos homens ficam inquietos perante a possibilidade das suas mulheres trabalharem, uma vez que entendem que isso lhes traz a elas uma maior independência, o que constitui uma ameaça ao poder que eles exercem. Por outro lado, embora talvez menos mencionado, o facto de a mulher se mover em espaços extra-domésticos leva muitas vezes a que o seu companheiro/marido receie o abandono e/ou a infidelidade.183

Tendo em conta que estas mulheres experienciaram, no seu país de origem, relações de poder que as colocavam em desvantagem em relação aos homens, o aumento do seu poder e autonomia, pela migração, pode ser um incentivo para permanecerem no país de destino.

Por isso, mesmo se o seu projecto migratório inicial previsse uma estadia mais ou menos breve no país de destino, a satisfação pessoal que as novas circunstâncias lhe proporcionam, levam a que aquele sofra alterações no sentido de uma permanência mais prolongada no país receptor: o desejo inicial de regressar parece, em muitos casos, desvanecer-se.

Consequentemente, muitas mulheres migrantes vão abandonar a estratégia original de acumulação e retorno e reavaliar a ideia de sucesso no projecto migratório.

182 PESSAR, Patrícia R., Mahler, Sarah J., “Transnational Migration: Bringing Gender in” , International Migration Review, Center for Migration Studies of New York, New York, 2003 183 em determinadas culturas, este receio é ainda maior, devido à crítica que a comunidade faz. 112

“The project is itself, however, liable to change during the migration. The desire to return seems, in many cases, to fade, either because is too risky, politically or economically, or because their economic and social integration into the host country, however modest, offers advantages and a possibility for individual satisfaction which became difficult to give up.”184

Para os homens, o impacto da sociedade receptora, com o subsequente aumento da autonomia das mulheres e mitigação das desigualdades que existiam na sociedade de origem, sobre os homens e sobre as mulheres migrantes, tem um efeito diverso, que é o do regresso à terra natal, deixando a sua mulher no país receptor.

Também nos filhos se revela uma tendência semelhante consoante se tratem de homens ou mulheres. Assim, por exemplo, os filhos rapazes, mesmo nascidos no país receptor estão normalmente mais dispostos a aceitar o retorno ao país de origem dos pais e têm uma maior tendência para afirmarem que o seu país é o dos seus pais. Por seu lado, as filhas, embora manifestem lealdade aos seus pais e à sua cultura, excluem a

possibilidade de retorno.

Além de as perspectivas em relação ao retorno serem tendencialmente diversas de acordo com o sexo, também as suas estratégias no país receptor se apresentam tendencialmente distintas. Diversos estudos (Pessar; Jones-Correa; Gaspard) concluem que as mulheres têm uma maior tendência para desenvolverem estratégias consistentes com o estabelecimento a longo prazo ou permanente no país de destino, ao passo que os homens tecem estratégias que os ligam muito mais às terras de origem e ao eventual retorno.

Assim, enquanto que os homens poupam o seu dinheiro para o enviarem para o país de origem, a tendência manifestada pelas mulheres é para gastarem uma parte dessas poupanças no país receptor. No caso das mulheres, esta circunstância contribui fortemente para o adiamento do retorno ao país de origem, onde as oportunidades de trabalho são limitadas e o controle social mais restrito e principalmente na comunidade de origem e de socialização.

O adiamento do regresso com o subsequente desenvolvimento de estratégias no sentido de um estabelecimento a longo prazo ou mesmo definitivo no país de destino deixam,

184 GASPARD, Françoise, “Invisible, Demonised and Instrumentalised – Female migrants and their daughters in Europe”, Shifting Bonds, Shifting Bounds – Women Mobility and Citizenship in Europe, Ferreira, Virgínia et al, (ed.) , Celta, 1998, p.115

de certa forma, transparecer uma maior facilidade de adaptação e, em última análise, de integração no país receptor das mulheres em relação aos homens. Esta circunstância, no entanto, pode estar associada à maior satisfação com a nova realidade onde se encontra e que motiva os esforços no sentido da adaptação e da integração mas não pode igualmente ignorar-se o facto de a própria sociedade receptora ser comparativamente mais tolerante em relação à presença das mulheres migrantes.