• Nenhum resultado encontrado

IV. MULHERES MIGRANTES NO ESPAÇO TRANSNACIONAL

5.5 Divisão sexual do trabalho

Como foi aflorado anteriormente, o género é, além da classe e da etnia, um elemento constitutivo na formação e estratificação do mercado de trabalho. Ou seja, o facto de se pertencer a um ou outro sexo determina a inserção, a participação e a posição dos indivíduos no sector produtivo. No caso das mulheres, a representação que se faz do sexo feminino, com a atribuição de papéis específicos, vai determinar a sua incorporação no mercado de trabalho.

Contudo, a ideologia do género existente é determinante no mercado de trabalho porque ela está bem presente nas relações sociais e familiares.

“Women’s position in the labour market is defined, not simply by the structure of the labour market or the needs of the economy but also by patriarchal ideologies which define women’s positions in society. Social norms about ‘women’s work’ and ‘men’s work’ underpin the unequal division of labour in the household, occupational segregation of the labour market by gender, and underlie processes whereby a substantial number of women may never enter the labour market”213

É a divisão sexual das tarefas na família que vai reflectir-se na segmentação do mercado de trabalho com base na diferença do sexo.

Do mesmo modo que nas relações sociais e familiares, o sexo é associado a determinadas tarefas e actividades, também no mercado de trabalho, as mulheres vão aparecer a desempenhar tarefas específicas e semelhantes às desempenhadas na vida doméstica e em ocupações consideradas como estereotipicamente femininas.214 “Women tend to be segregated into particular occupations which are carefully delimited by an ideology linking their activity to their gender, as with the vast majority therefore working in occupations defined as having some structural resemblance to their family role.”215

212 PIORE, Michael J. op. cit p.17

213 BRAH, Avtar, “ ‘Race’ and ‘culture’ in the gendering of labour markets: South Asian young Muslim women and the labour market”, New Community, vol. 19, n.º 3, Abril 1993, Commission for Racial Equality, p. 452 214 Aquelas actividades caracterizadas pela necessidade de esforço físico, de exercício de determinadas necessidades

de comando e de decisão estão ligadas ao homem, reservando-se assim para as mulheres todas aquelas nas quais adestreza, a habilidade e a paciência são fundamentais. É a partir daqui que tais trabalhos são caracterizados como “mais próprios de homens” ou “mais próprios de mulheres”.

215 Cit. Em MOROKVASIC, Mirjana, “Minority Women in the Labour Market” 129

A este respeito podemos dizer que a divisão sexual do trabalho atravessa de forma transversal a esfera da vida doméstica e o âmbito do trabalho pago, além de podermos afirmar a permeabilidade da fronteira que os divide. Por outras palavras, queremos dizer que a entrada das mulheres no mercado de trabalho não vai subtraí-las à ideologia do género existente na família e nas relações sociais. Na realidade, a sua inserção profissional irá ocorrer preferencialmente em ocupações “estruturalmente” semelhantes às da vida doméstica e familiar.

Além disso, a participação das mulheres em determinados sectores em detrimento de outros, tem por efeito o reforço ainda maior do estereótipo existente em relação aos papéis atribuídos à mulher em termos sociais e laborais.

Isto porque a incorporação das mulheres “se ha realizado en unas condiciones laborales y en unos sectores que en muchos casos, no solo han cuestionado su posición social [ e por isso laboral] sino que han venido a reforzarla.”216

E contudo, a participação laboral feminina não é assim tão recente como se crê, mas a força desta ideia tem feito persistir o modelo do homem ganha-pão. “esa imagen creada ha modelado las características, las formas y el modo de cómo se ha llevado a cabo esa incorporación femenina al mundo productivo”217

Esta realidade explica o facto de que estas mulheres trabalhadoras se incorporem na produção extradoméstica, ingressando em determinados sectores, pouco qualificados e mal-pagos, como os da economia informal, o que facilita o cumprimento das suas obrigações familiares.218

Há ainda um segundo aspecto que se torna tão relevante quanto a persistência da divisão sexual do trabalho no mercado de trabalho no que concerne à presença das mulheres no sector produtivo. É que a transposição da fronteira da esfera da vida familiar para o âmbito do trabalho pago não representa o fim dos compromissos e responsabilidades que lhe são atribuídos ao nível da vida doméstica e familiar. Pelo contrário, apesar das mulheres ingressarem no sector produtivo e do trabalho pago, o seu papel na família mantém-se sem grandes alterações.

216 D’ARGERMIR, Comas, 1995, citado em CRIADO, Encarnación Aguilar,“Trabajo y ideología de género en la producción domestica”, Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropología Social, Vol. V, n.º1, 2001, p. 29 217 CRIADO, Encarnación Aguilar,“Trabajo y ideología de género en la producción domestica”, Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropología Social, Vol. V, n.º1, 2001, p. 28

218 Ibidem p. 29 130

Não só não se deram verdadeiras alterações na divisão sexual do trabalho, como, em paralelo com os compromissos profissionais, as mulheres continuam fortemente comprometidas com as responsabilidades domésticas e com a prestação de cuidados. Nas sociedades ocidentais, a vida familiar em relação ao trabalho está ainda bastante marcada pelo modelo tradicional do homem “ganha-pão” que se afirmou fortemente nos anos 50, e que está associado a um conjunto de crenças em relação aos papéis dos homens e das mulheres que estabelece a divisão do trabalho entre os sexos.

De acordo com este modelo, ao homem é atribuído o papel de “ganha-pão”, ou seja, de sustento da família, ao passo que a mulher é a responsável pelas tarefas domésticas e pela prestação de cuidados e ainda de manutenção das necessidades do homem “ganhapão”. Apesar das mudanças que foram ocorrendo nas últimas décadas, nomeadamente a

crescente participação das mulheres no mundo laboral, que compreendeu a transposição da esfera doméstica, este modelo continua a ter um enorme poder.

“(…) despite apparent shifts there has not been ‘no real change’ in the gender division of labour. That is, that as women’s entry into the labour market has been concentrated in lower-level occupations, and as women still retain the major responsability for domestic and caring work, there has been a modification rather than a fundamental change.”219

A importância que o género tem como elemento estratificador do mercado de trabalho e a necessidade (ou imposição) que as mulheres têm de ter de conjugar compromissos familiares com compromissos profissionais tem, naturalmente, repercussões em relação ao tipo de trabalhos. Ou seja, não se trata apenas de contribuir para que as mulheres sejam preferencialmente incorporadas nos sectores “estruturalmente” semelhantes ao papel por elas desempenhadas na vida doméstica, mas para que esses trabalhos, pelas suas condições, sejam frequentemente considerados os menos atractivos para os trabalhadores em geral.

A ideologia do género, em particular nos países industrializados, não só explica uma presença das mulheres em certas ocupações em detrimento de outras, como também que, numa mesma ocupação existam condições e perfis laborais diversos, também derivados da diferença sexual.

219 CROMPTON, Rosemary, “Employment, flexible working and the family”, The British Journal of Sociology, vol. 53, nr.4 December 2002, Ed. Routledge. p. 538

“Studies show that gender underpins such aspects as the definition of skill, the construction of the division between full-time and part-time work, the differential between men’s and women’s wages, segregation of the labour market into ‘men’s jobs’ and ‘women’s jobs’, the nature and type of hierarchies sustained by cultures of the workplace, and the experience of paid work in the formation of identities”220 A ideologia do género que persiste em termos laborais, explica diferenças entre homens e mulheres em termos salariais, de posição na hierarquia do local de trabalho, de permanência num determinado emprego, etc, com vantagem para os homens nestes diversos aspectos.