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VI. MULHERES MIGRANTES DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE ESTUDO DE

6.1 Razões da migração e do estabelecimento

Os dados recolhidos permitem apontar diversas razões que estão na origem deste movimento para Portugal e podem dividir-se grosso modo em quatro categorias: razões de saúde, em que englobamos o movimento que se deu pela necessidade de

acompanhamento a menores, razões de reagrupamento familiar, razões económicas e razões educacionais. Neste grupo de mulheres, 8 vieram para Portugal, fora do quadro tradicional do reagrupamento familiar e apenas uma declarou ter vindo para Portugal por razões económicas. No caso de Alcina, que já tivera uma experiência migratória no Gabão, a migração para Portugal foi um projecto individual em que viajou para “arranjar a vida.”

"Bem, eu vim para aqui, porque, para arranjar vida, não é? Normalmente, eu tenho a minha mãe sem condições, tem muitos filhos…" [EB]

As razões de saúde foram as que maior peso tiveram na vinda para Portugal das mulheres que viajaram fora do reagrupamento familiar, pelo que metade das inquiridas veio para Portugal por essas razões.

“Então, tive uma emergência, atacou-me rim e eu tive de vir cá evacuada, porque o nosso país, como sabe, não tem…nós não temos condições.” [EI 1 – 1]

No entanto, de entre as mulheres que viajaram por razões de saúde, a maioria fê-lo pela necessidade de acompanhamento a descendentes menores doentes.

“Vim de junta médica com meu filho para tratamento. Ele nasceu com uma perna [mais curta do que outra]. É por causa disso que eu vim cá. Veio com nove meses, não me lembro. Ele era para ser operado.” [EJ]

"Eu vim, quer dizer, eu tinha meu filho, ele tinha 14 anos, teve acidente, bateu na bacia, vim com ele de Junta Médica." [EF]

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O peso comparativo do movimento para Portugal, devido à necessidade de acompanhamento de menores poderá decorrer do facto de as mulheres aparecerem normalmente, nas famílias, como prestadoras de cuidados, ou seja responsáveis pelo trabalho reprodutivo e quando a necessidade desses cuidados se torne urgente, como é o caso de Maria que, embora se tenha reunido ao marido em Portugal, um sentido de dever ou obrigação em relação à prestação de cuidados esteve na origem da sua decisão. "O meu marido já cá estava há mais tempo, que ele

trouxe o menino para tratamento. Ele mandou chamar-me …Eu vim, mas é só devido ao miúdo que estava doente, caso não fosse, eu não vinha."[EG]

As razões educacionais justificam a vinda para Portugal de duas das inquiridas: a possibilidade de frequentar um curso e a realização de um estágio levaram Ana e Maria João a virem para Portugal.

“Eu vim para Portugal, porque vim num estágio. Portanto, estávamos a fazer um Curso em São Tomé de formação de formadores. Havia uma parte em São Tomé e havia uma parte cá em Portugal. (…) Entretanto vim…”[EA]

“Infelizmente apareceu-me bolsa para vir cá…Há sempre aquelas reuniões eles [estados] acordam fazer…Sei lá arranjar bolsas, projectos assim para o país. Então este foi um dos que consegui vir para Portugal… Foram cursos relacionados com hotelaria e pronto…Não era a área que eu queria fazer, porque eu como já estava a trabalhar no Ministério queria fazer é secretariado. Mas, pronto, foi o que apareceu. Eu estava a frequentar o curso de consultoria (…) Mas como saiu esta bolsa…foi tudo a correr…Tive que deixar tudo para vir fazer... [EI]

A respeito deste último exemplo, transparece que as possibilidades de estudar no estrangeiro são rapidamente aproveitadas, mesmo que não o sejam na área pretendida, o 148

que leva a crer que a oportunidade de sair temporariamente do país de origem já é algo, por si só, assaz aliciante.

Independentemente das razões apontadas, não pode descurar-se que a vinda para Portugal destas mulheres exprime também uma realidade mais profunda, que é a sua própria história, pelo que por vezes, são diversos os motivos que se combinam e que se revelam aquando da decisão do estabelecimento. Carla, por exemplo, veio para Portugal por razões de saúde, mas também para se afastar em definitivo do seu marido.

“Vim com Junta Médica, porque vim doente, pronto. Além disso, também vivia com o pai, também que era uma pressão enfim. E depois, eu vim mesmo com essa ideia, vir fazer tratamento e mesmo não voltar, porque eu não queria mais com ele…porque era mesmo…” [EE]

Se a vinda para Portugal por razões de saúde e educacionais surge inicialmente como uma expatriação, mais do que um migração propriamente dita, o estabelecimento desta população no país de destino propicia, consciente ou inconscientemente a delineação de um projecto migratório.

As razões do estabelecimento estão muito ligadas com as razões da vinda para Portugal, embora como veremos, com algumas matizes, relacionadas quer com o país de destino quer com o país de origem.

No grupo mulheres das sete mulheres que migraram por razões de saúde (que inclui o acompanhamento a descendentes doentes) e por razões educacionais, três

permaneceram no país pela necessidade de deslocação periódica a consultas, pelo tempo de espera até à operação do filho, pela necessidade de tratamento e, no país de origem, pela falta de medicamentos e pelo paludismo.

Por seu lado, Vanda, continua a aguardar a operação do filho, razão pela qual veio para Portugal.

"Ele [filho] está à espera de ser operado, mas ainda estamos à espera. Estou à espera há oito anos. Veio com nove meses…Ou é nove ou seis meses, não me lembro." [EJ]

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Célia aponta a falta de medicamentos e o paludismo no país de origem como podendo ser prejudicial para a vida da sua filha deficiente, o que a impede de regressar a São Tomé e Príncipe.

"(…) lá não há medicamento para ela, o que ela usa aqui, lá não tem. (...) porque também, problema dela, chega a São Tomé, São Tomé tem paludismo. Ela tem que ficar aqui, porque paludismo ataca ela na cabeça, não vai sobreviver mais muito tempo. Lá em São Tomé, o paludismo dá cabo da criança, com problema mental pior.”[ED]

O problema do paludismo em São Tomé e Príncipe é ainda apontado por Noémia, que veio para Portugal de emergência e para ser transplantada, juntamente com a necessidade de deslocação a consultas periódicas, como as razões que a levaram a decidir pela estadia no país de destino.

"Depois, eu já mesmo transplantada, é um bocadinho difícil regressar porque o nosso país tem problema de paludismo. Eu depois, como agora estou transplantada, eu sou seguida pelos médicos de seis em seis meses, mas eles já disseram que eu posso regressar para o meu país... Mas é um bocadinho complicado, porque eu, todos os anos, eu tenho de vir duas vezes por ano! Tenho que vir duas vezes para fazer revisão!" [EI]

Outras inquiridas apontam as razões de saúde como motivação para o estabelecimento em Portugal, mas conjugadas com outros aspectos que determinaram a sua

permanência.

Ana, embora tenha vindo para Portugal por razões educacionais, revelou que, na altura que viajou vinha já um pouco doente, devido a uma ruptura conjugal que resultou numa depressão e ao tratamento, mas também alguma pressão social adiaram o seu regresso. “Vim já um pouquito doente, porque a separação

com o pai dos meus filhos…E então eu vim…depois tive uma grande depressão entretanto. Então eu tinha 150

que ficar a fazer tratamento. Razão que me levou mais a decidir [ficar] é a questão de saúde. (…) Porque eu vi que, portanto a depressão em São Tomé não era bem conhecida… (…) Na tradição

santomense, ir para um psiquiatra significa ser um maluco…Mas aqui não… (…) e então eu decidi ficar.” [EA]

Para esta inquirida, as razões de saúde sobrepuseram-se definitivamente às educacionais, uma vez que a conclusão da formação implicava o regresso ao país de origem, o que não aconteceu.

"Então eu vim e olha, depois tive uma grande depressão. Então eu tinha que ficar a fazer tratamento. Razão que me levou mais a decidir foi questão de saúde. Porque eu vi que, portanto, a depressão em São Tomé não era bem conhecida….Na tradição santomense ir a um psiquiatra significa ser um maluco. Mas aqui não e então eu decidi ficar.[EA]"

Tal como a anterior inquirida, também Maria João veio para por razões educacionais, mas influência de um familiar no sentido de ficar em Portugal, contribuiu para que a sua estadia se prolongasse até hoje.

"Depois ele [tio] aconselhou-me: «Ó minha sobrinha já 'tás cá. Tu daqui a mais um pouco vais ter a nacionalidade portuguesa. Ó pá vira-te, vê se tu fazes alguma coisa da vida»." [EH]

Para o estabelecimento no país de origem e particularmente no caso de uma migração fora do tradicional padrão de reagrupamento familiar, contribuiu também a existência de contactos, sobretudo de familiares, e que facilitaram essa permanência. De entre as dez inquiridas, nove recorreram a familiares ou conhecidos para se estabelecerem no país, quer começando por viver com esses familiares, quer obtendo informações relativas a potenciais locais para habitação.

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“E depois, quando acabei o estágio vim p’ra aqui, p’ra Lisboa onde tinha familiares…Já tinha cá pessoas, depois viemos para este bairro (…) nós tínhamos alguns familiares aqui, saímos de Portela e viemos para aqui…” [EA] “Eu vim para a casa da família e meu marido é

que…Porque…ele tem uma meia-irmã, fui lá viver com meiairmã no Barreiro…Porque meu marido tinha cá [no bairro]

uma pessoa de família. (…) Veio com a minha irmã, viram a casa…” [EI]

Antónia, que veio para Portugal por razões económicas, tinha um “pai de filho” no bairro e ele foi o seu contacto inicial no país de destino.

"Eu como tinha um pai de filho aqui, ele só mandoume passagem. Vim viver com ele." [EB]

Apenas uma das inquiridas, que veio para Portugal, devido à necessidade de

acompanhar um dos seus filhos doente, não mencionou o recurso a familiares ou outro tipo de contacto e manifestou como sendo particularmente difícil essa experiência, embora já tivesse estado em Portugal.

“Eu não tinha cá ninguém. Eu não vivia com família nenhuma. Vivia…eu, o mais velho e a S. [filha]. Quando vim a primeira vez, eu era solteira, eu vivia com os tios, a coisa era diferente. Depois, quando vim sozinha e com criança, a coisa já era diferente. Imagina uma mãe sozinha, né? Cá em Lisboa a trabalhar…” [EF]

Independentemente das motivações da vinda para Portugal, o estabelecimento destas mulheres implica a formulação consciente ou não de um projecto que se materializa sobretudo na reunião familiar dos seus descendentes, na inserção no mercado de trabalho e em muitos casos na criação e manutenção de formas de apoio à família no seu 152

país de origem que usufrui materialmente deste projecto individual. A sua dinâmica e concretização serão analisadas em seguida.