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CAPÍTULO 7 PESQUISA EMPÍRICA DA PSC: CARACTERÍSTICAS,

7.2. Abordagens Usuais de Pesquisas Empíricas de PSC

A seguir serão descritas as características das abordagens mais usuais de pesquisas que buscam avaliar a PSC, suas respectivas limitações e sugestões para contorna-las.

7.2.1 Uma dimensão ou aspecto da PSC como proxy do conceito

Apesar da PSC ser um constructo multidimensional, diversos pesquisadores operacionalizam uma dimensão ou aspecto da PSC e discutem os resultados como se tivessem operacionalizado o conceito como um todo (COLLINS, 1992). Por exemplo, Ulmmann (1985) discute a relação entre níveis de poluição (como proxy para PSC) e desempenho financeiro, enquanto Zhang et al. (2014) adotam uma medida de doação (filantropia) como proxy da PSC. Carroll (2000) alerta, se o estudo está mensurando apenas performance ambiental ou filantropia, por exemplo, não deveria ser chamado de PSC. Além desses aspectos, outros têm sido adotados como proxies para a PSC, ou seja, como representantes do constructo, tais como reputação, recall de produtos e atividade ilegal. Embora esses aspectos possam ser relacionados a alguma das dimensões dos modelos conceituais, extrapolar o desempenho de um desses aspectos sociais para o desempenho social global da empresa é fortemente questionável. Por exemplo, uma empresa pode ter um bom desempenho no controle de poluição, mas adotar práticas de exploração de mão-de-obra, se envolver em atividades ilegais ou gerar produtos socialmente indesejáveis, como armas nucleares (ROWLEY; BERMAN, 2000).

Além disso, ao utilizar um único aspecto para representar a PSC, o estudo restringe a análise às interações corporativas com um único grupo de stakeholders (ambientalistas, funcionários, consumidores, etc). Essa abordagem é, portanto, restritiva e inadequada aos propósitos da PSC (MAHON; WARTICK, 2012).

As medidas adotadas para avaliar determinado fenômeno complexo são representações operacionais de atributos de um sistema. Desse modo, a escolha dos atributos e seus respectivos indicadores deve ser feita visando descrever e avaliar o

desempenho do sistema como um todo (GALLOPÍN, 1996). Em outras palavras, a validade das medidas adotadas depende do grau com que elas operacionalizam constructos conceituais (AGLE; KELLEY, 2001). A PSC relaciona motivações (responsabilidades sociais) com ações (responsividade social) e efeitos (saídas: políticas, programas e impactos socioambientais). Portanto, sua avaliação deve ser feita de forma estrutural, contemplando essas três dimensões. (AGLE; KELLEY, 2001; MITNICK, 2000; WOOD, 2010).

A avaliação da PSC a partir de uma ou mesmo duas de suas dimensões pode levar a interpretações erradas sobre o desempenho social corporativo. Somente uma avaliação estrutural permite uma análise mais profunda da PSC, jogando luz em resultados considerados difíceis como: saídas boas associadas a motivos ruins, saídas ruins resultantes de bons motivos, bons motivos operacionalizados por processos ruins, e bons processos usados por motivos ruins (WOOD, 1991). Agle e Kelley (2001) exemplificam com o caso de empresas sul africanas que, durante o regime do Apartheid, implementaram políticas e programas considerados responsáveis socialmente visando contornar os embargos econômicos dos EUA. Com o fim do regime e dos embargos muitas empresas abandonaram as práticas socialmente responsáveis. Esse exemplo levanta a seguinte questão, se as ações não são suportadas pelos princípios adequados, a empresa pode ser considerada socialmente responsável?

7.2.2 Medida única representando a PSC global

Outra abordagem usual nas pesquisas empíricas de PSC é a agregação de medidas relacionadas às dimensões dos modelos conceituais em uma medida composta única. Ou seja, a empresa recebe uma nota única que representa sua PSC, a qual é calculada a partir de um conjunto de medidas que representam diversos aspectos relacionados aos princípios, processos e saídas (ROWLEY; BERMAN, 2000). Indicadores da KLD e de outras agências de rating têm sido utilizados desta forma, ou seja, como representantes da PSC global (WOOD, 2010). Griffin e Mahon (1997) propuseram uma medida agregada que combina múltiplas medidas: índice de

reputação da revista Fortune, TRI (Toxic Release Index), Índice de Filantropia Corporativa e Índice Social Domini.

Rowley e Berman (2000) avaliam que essas abordagens representam tentativas de contornar as deficiências de estudos que adotam medidas unidimensionais, no entanto, verificam que outros problemas surgem. Primeiro, o que significa essa medida agregada? Como analisar e comparar empresas quando uma empresa com desempenho muito ruim em alguns aspectos e muito bom em outros pode obter a mesma nota que uma empresa que apresentou desempenho mediano em todos os aspectos? O segundo problema a ser considerado se refere ao modo de cálculo dessa medida agregada. Quais aspectos irão compor a medida e como eles serão combinados, ou seja, algum tipo de peso será dado aos aspectos que compõem a medida? Por exemplo, as políticas de relacionamento com funcionários são mais ou menos importantes que os índices de poluição atmosférica ou as contribuições filantrópicas ou recalls de produtos?

Mahon e Wartick (2005) não acreditam que definir pesos para os aspectos avaliados seja suficiente para que uma medida global de PSC seja considerada válida. Os autores argumentam que, mesmo que houvesse algum consenso sobre os pesos de cada aspecto, continuariam existindo os trade-offs entre desempenhos nos diferentes aspectos. E não faria sentido imaginar, por exemplo, que um bom desempenho ambiental pode compensar baixos salários e insegurança no trabalho. Pelo menos não na perspectiva dos funcionários. Na realidade ambos os desempenhos têm algo a dizer sobre a PSC da empresa e combiná-los não fornece informação útil nem para a empresa nem para os stakeholders. Portanto, os autores propõem que as medidas de desempenho sejam desenvolvidas de forma específica para cada grupo de stakeholder e que múltiplos grupos sejam considerados.

Medidas agregadas podem até ser úteis para fins de comparação entre empresas, mas levam à perda de substância e conteúdo informacional (MAHON; WARTICK, 2012). Além disso, o fato da medida contemplar diversos aspectos do constructo não significa, necessariamente, que ela é adequada para representar a PSC (WOOD, 2010). Para minimizar esses problemas, Collins (1992) propõe que medidas agregadas derivem de múltiplas avaliações, perpassando as três dimensões da PSC. Carroll (2000) conclui que o grande desafio dos acadêmicos da PSC é desenvolver medidas, agregadas ou não, que realmente permitam avaliar o desempenho social das empresas.

7.2.3 Relação entre PSC e PFC (Performance Financeira Corporativa)

Os estudos com foco na relação entre PSC e PFC (Performance Financeira Corporativa) são, de longe os mais numerosos da literatura empírica da PSC. Esses estudos buscam confirmar, ou rejeitar, o business case das práticas responsáveis, mas não chegaram a conclusões consistentes, seja por problemas teóricos, metodológicos ou ambos (ULLMANN, 1985; COLLINS, 1992; WOOD; JONES, 1995; PERRINI et al., 2012). Uma revisão da literatura recente identificou que 65,5% dos estudos atestaram relação positiva entre PSC e PFC; 19,0% identificaram relação negativa e 31,0%, relação neutra ou nenhuma relação (BOAVENTURA et al., 2012).

Analisando esse fenômeno pela ótica da abordagem de stakeholders, se percebe uma orientação implícita dos estudos à avaliação da efetividade corporativa em atender às expectativas do grupo particular de stakeholders composto por acionistas, investidores e proprietários (WOOD; JONES, 1995). Essa abordagem instrumental reforça a predominância da racionalidade econômica e, como já foi visto na revisão da literatura sobre RSC, é incapaz de promover a integração entre economia e ética necessária para a busca de relações mais equilibradas e positivas entre negócios e sociedade.

Rowley e Berman (2000) também questionam os motivos de tanta atenção ao tema. Seria uma tentativa de legitimar a área de estudo e incentivar os negócios a aderir à PSC? Segundo os autores, a contribuição acadêmica não justifica o volume de estudos, pois descobrir que a PSC se relaciona positiva ou negativamente com a PFC não ajuda a entender como as empresas deveriam se comportar ou quais fatores contribuem para a PSC.

Além disso, essa abordagem é problemática em termos de validade conceitual. Em se considerando o desempenho financeiro como uma das saídas do sistema de PSC, relacionar PFC com PSC é equivalente a relacionar uma parte do todo com o todo. Para tanto, seria necessário uma medida que representasse o conceito de PSC como um todo (princípios, processos e saídas), que ainda não há. O que se verifica na prática é que a maioria dos estudos alega relacionar PFC com PSC, mas examina a relação entre medidas de performance econômica com medidas de um outro aspecto da performance social, como por exemplo poluição ou reputação corporativa (COLLINS, 1992).

Diante disso, Wood (2010) sugere um ‘cessar fogo’ nas pesquisas que buscam relacionar PSC e PFC, em favor de abordagens mais significativas na ótica dos stakeholders.

7.2.4 Adoção de medidas incompatíveis com os interesses dos stakeholders

Wood e Jones (1995) chamam a atenção para outro problema recorrente na literatura empírica da PSC, a incompatibilidade entre as medidas de desempenho adotadas e o que é relevante para cada stakeholder. Por exemplo, estudos relacionados aos funcionários chegaram a resultados como: empresas que possuem jornal interno para os funcionários atingem maior lucratividade no longo prazo, empresas diversificadas são mais propensas a violar questões de segurança e saúde ocupacional, empresas maiores adotam com mais frequência políticas de aposentadoria compulsória. Essas relações não representam o efeito das medidas de RSC voltadas aos funcionários sobre os próprios funcionários. Seria mais lógico relacionar, por exemplo, a adoção de políticas e programas voltados aos funcionários com variáveis como “100 melhores empresas onde trabalhar”, dados de greves, nível de remuneração em relação ao padrão da indústria e dados de saúde e segurança do trabalho.

Para solucionar o problema da incompatibilidade das medidas de desempenho social, os autores sugerem que os pesquisadores examinem em mais profundidade o papel que os stakeholders exercem em relação a cada questão social. Por exemplo, na questão da segurança de produtos, as expectativas são postas por consumidores e governos. Os consumidores são vivenciam os efeitos das decisões corporativas relacionadas à questão. A avaliação da segurança dos produtos é feita pelos consumidores e por agências governamentais, mas também por grupos ativistas preocupados com a questão e analistas de mercado que buscam por possíveis efeitos negativos nos preços das ações. Ou seja, para cada questão social, pode haver diferentes stakeholders estabelecendo expectativas, vivenciando os efeitos e avaliando as saídas corporativas. Essa multiplicidade precisa ser compreendida e considerada no desenvolvimento das medidas (WOOD; JONES, 1995).

7.2.5 Políticas e programas sociais como sinônimo de boa PSC

Outra questão crítica associada à avaliação da PSC é a confusão em torno do termo performance. O mais usual é que seja entendido como as atividades que o sistema de PSC gera e não seus impactos na sociedade (MITNICK, 2000). A literatura que versa sobre performance organizacional associa o termo à eficiência ou à efetividade de uma atividade (MATTHEWS, 2011). Portanto, assumir que a simples existência de políticas e programas sociais seja indicativo de boa PSC é uma abordagem limitada e frágil, pois ignora tanto a eficiência como a efetividade dessas ações em lidar com as Questões Sociais para as quais se destina.

Além disso, essa abordagem de pesquisa pode camuflar situações em que a adoção das políticas e programas têm a intenção de ludibriar, como no caso emblemático da Enron. A empresa, antes do escândalo contábil de 2001, era considerada uma excelente empresa cidadã, possuindo todas as ferramentas e símbolos associados à RSC e ética empresarial. Por exemplo, o Código de Ética da Enron estabelecia forte compromisso com comunicação, respeito, integridade e excelência, valores que, obviamente não faziam parte das atividades diárias da empresa (SIMS; BRINKMANN, 2003).

A versão do modelo PSC de Wood (1991) buscou corrigir este problema definindo as saídas da PSC como os efeitos das atividades corporativas, que incluiriam tanto suas atividades (políticas e programas sociais) como seus impactos. Swanson (1995) e Wood e Jones (1995) vão além, estabelecendo que as Saídas são constituídas apenas pelos impactos. Apesar disso, mesmo estudos recentes, como o de Mascena et al. (2015), continuam considerando a simples adoção de políticas e programas sociais como critério de boa PSC.