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CAPÍTULO 4 TEORIA DE STAKEHOLDERS: PONTE PARA RSC

4.1. Antecedentes e Abordagens da Teoria dos Stakeholders

O conceito de stakeholders surgiu da noção de que as empresas e grupos constituintes da sociedade mantém relações de influência mútua e que, portanto, as empresas devem considerar os interesses e demandas desses grupos em suas atividades. Essa ideia é identificada desde os primórdios da RSC. O professor Dodd (1932) já dizia que o objetivo das corporações deveria incluir empregos mais seguros para seus trabalhadores, produtos de melhor qualidade para seus consumidores e uma maior contribuição para o bem estar da comunidade como um todo. As relações intrincadas entre os negócios e seus stakeholders também são evidenciadas por Davis (1960, p. 45, traduçao nossa), que observa que “em nossa sociedade plural, os negócios são influenciados por todos os outros grupos do sistema, e em troca, os negócios os influenciam.”

Apesar da noção de stakeholders estar presente desde a origem da RSC, a primeira aparição do termo na literatura gerencial só ocorreu em 1963, em um memorando interno do Stanford Research Institute (SRI). O objetivo do termo era evidenciar que os negócios deveriam ser responsivos não só aos acionistas

(stockholders), mas também a outros grupos, listados no documento como: empregados, consumidores, fornecedores, credores e sociedade. Os pesquisadores do SRI argumentaram que as empresas que não entendessem as necessidades e preocupações desses stakeholders não conseguiriam formular objetivos corporativos que lhes garantisse legitimidade e sobrevivência ao longo do tempo (FREEMAN, 1984).

A partir da década de 1980 a teoria se consolidou, apresentada, inicialmente, como alternativa à RSC (‘old style’), considerada ambígua e pouco prática (FREEMAN; LIEDTKA, 1991). Ou seja, a TS surgiu no mesmo contexto de surgimento da RSC ‘new style’ e com o mesmo propósito de provar o business case da ética.

O viés instrumental da origem da TS se evidencia na introdução do livro seminal de Edward Freeman (1984, p. 1 tradução nossa): “Nós vamos discutir porque os gerentes americanos precisam de novos conceitos, ferramentas, técnicas e teorias se quiserem ser bem sucedidos no ambiente atual dos negócios”. A natureza gerencial da TS também fica evidente ao se observar que, embora Freeman se baseie na noção de RSC, as outras vertentes de estudo que utilizou para propor a teoria foram: Planejamento Corporativo, Gestão Estratégica, Teoria Organizacional e Teoria Geral de Sistemas.

A TS foi apresentada como uma proposta instrumental para gestão das relações entre negócios e sociedade, porém, não tardou a surgirem esforços para justificá-la em bases normativas. O próprio Freeman, em parceria com um colega, reconhece que a abordagem original da TS enfatiza a importância do alinhamento de valores entre empresa e stakeholders, mas não estabelece quais valores seriam os mais apropriados. Isto teria aberto o caminho para a abordagem normativa da TS se contrapor à visão estratégica, buscando fundamentar a teoria em bases filosóficas (FREEMAN; MCVEA, 2001).

Diferentes bases filosóficas foram adotadas para justificar a TS em uma perspectiva normativa, tais como virtudes aristotélicas (WIJNBERG, 2000); capitalismo Kantiano (EVAN; FREEMAN, 1993); o Princípio de Equidade (PHILLIPS, 1997); e o ponto de vista normativo dos negócios enquanto agentes morais (DONALDSON; PRESTON, 1995). Apesar da diversidade de bases filosóficas, argumentos e conclusões das teorias normativas da TS, todas convergem em um ponto essencial, a preponderância da preocupação com outros sobre o interesse próprio (JONES et al., 2007).

É válido ressaltar que, ao contrário da RSC, a TS nasceu instrumental e sua abordagem normativa se desenvolveu paralelamente à instrumental. Contudo, assim como na RSC, as abordagens concorrentes da TS representam frameworks morais concorrentes, associados a filosofias políticas concorrentes (WINDSOR, 2006). Stoney e Winstanley (2001) representam essa noção por meio do espectro das orientações políticas (direita-esquerda), verificando que os críticos da teoria se encontram nos extremos, enquanto os defensores se distribuem na região central desse contínuo (Figura 4).

Figura 4 – Posicionamento das abordagens da Teoria de Stakeholders no espectro de orientações políticas. Adaptado de Stoney e Winstanley (2001)

Autores neoliberais se opõem à TS e defendem a ‘primazia dos acionistas’ argumentando que a criação de valor seria o objetivo primordial e mutuamente benéfico para negócios e sociedade. Autores neo-marxistas concebem os negócios a partir da dualidade de interesses contraditórios entre capital e trabalho, cujo conflito estrutural seria uma barreira conceitual e prática para a TS. Entre esses dois extremos se encontram os defensores da TS, autores pluralistas que concebem as relações entre negócios e sociedade como a coalizão de múltiplos interesses competitivos cujos conflitos devem ser gerenciados (STONEY; WINSTANLEY, 2001).

A análise da Figura 4 ainda revela que as abordagens normativa e instrumental da TS estariam mais ou menos próximas dos dois extremos do contínuo das perspectivas políticas, esquerda e direita, respectivamente. Stoney e Winstanley (2001) destacam que a representação das abordagens da TS em um contínuo ilustra o fato de que os defensores da teoria não compõem dois grupos monolíticos, podendo se posicionar em qualquer ponto entre as duas vertentes opostas. Essa visão é importante, pois permite enxergar o debate sobre as relações entre negócios e sociedade de uma perspectiva mais ampla, favorecendo uma melhor compreensão dos conceitos e argumentos adotados por cada autor ou praticante.

A abordagem instrumental da TS assume que a gestão das relações com os stakeholders é um meio de atingir o sucesso corporativo. A normativa enfatiza que os padrões éticos e morais devem ser a base para o relacionamento dos negócios com seus stakeholders, pois estes são vistos como um fim em si mesmos, independente dos efeitos que possam gerar sobre o desempenho organizacional (DONALDSON; PRESTON, 1995; JONES; WICKS, 1999; KAKABADSE et al., 2005; BERRONE et al., 2007; LAPLUME et al., 2008).

A abordagem instrumental da TS é, certamente, mais difundida na academia e, ainda mais, na prática (BUTTERFIELD et al., 2004). Estudos empíricos revelam que, apesar dos esforços dos autores normativos em justificar a TS em bases morais, os gestores adotam a TS principalmente por motivos instrumentais (HUMMELS, 1998; AGLE et al., 1999; BERMAN et al., 1999).

O papel dos negócios também é visto de forma diversa pelas lentes das duas vertentes. Na ótica instrumental da TS os negócios existem para satisfazer às demandas dos acionistas, por meio do tratamento ético dos demais stakeholders (HARRISON et al., 2015); enquanto na normativa, seu papel é satisfazer às demandas de todos os stakeholders (BERRONE et al., 2007).

As duas abordagens opostas da TS, assim como as da RSC, também são criticadas por não serem capazes de conciliar ética e economia. Goodpaster (1991, p. 53 tradução nossa) resume esta noção observando que as abordagens instrumental e normativa da TS revelam um paradoxo: “a primeira parece oferecer negócios sem ética, enquanto a segunda oferece ética sem negócios”. Portanto, seria necessário desenvolver uma abordagem alternativa, que evite este paradoxo e esclareça o papel legítimo das considerações éticas nos processos decisórios.

Independente da abordagem adotada (instrumental, normativa ou algo entre elas), a TS, enquanto teoria gerencial, envolve a recomendação de atitudes, estruturas e práticas que visam orientar as relações entre a organização e seus stakeholders (DONALDSON; PRESTON, 1995). Para tanto, a teoria envolve identificar quem são os stakeholders da organização e classifica-los segundo algum(ns) critério(s) com vistas a estabelecer estratégias de gestão das relações com esses grupos e promover o envolvimento dos stakeholders nos processos decisórios (MANETTI, 2011). Esses aspectos centrais da TS serão apresentados nos próximos tópicos em pares: identificação e classificação de stakeholders; gestão e engajamento de stakeholders, ilustrando os aspectos instrumentias e normativos em cada um deles.

4.2. IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS STAKEHOLDERS