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Fase da RSC ‘new style’: da década de 1980 até a atualidade

CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA: PASSADO,

3.2. Fase da RSC ‘new style’: da década de 1980 até a atualidade

As décadas de 1980 e 1990 consolidaram a RSC e seus descendentes no ideário corporativo e da sociedade, especialmente como resposta às pressões sociais decorrentes dos efeitos da globalização sobre as populações e o meio ambiente das nações recém incorporadas à economia global.

A economia mundial iniciou a década de 1980 ressentida das duas crises do petróleo (1973 e 1979) e dos altos custos decorrentes das recentes regulações e taxações sobre as externalidades das atividades econômicas. Essa combinação fertilizou a ‘revolução neoliberal’. O envolvimento do governo continuou sendo substituído pelo mercado por meio de medidas de desregulamentação, redução de impostos, reformas nos programas de seguridade social, privatizações e cortes de custos. No início dos anos 1990, o neoliberalismo já havia se tornado o paradigma socioeconômico dominante e, com o suporte das inovações tecnológicas em transportes e comunicações, se consolidou o processo de globalização da economia. A convergência de tecnologia, legislação e ideologia levou as corporações a níveis de poder e influência sem precedentes (BAKAN, 2008).

Seguindo a lógica da ‘Equação do Poder Social’ de Davis, a globalização amplificou as pressões sobre as corporações para que assumissem responsabilidade sobre os efeitos socioambientais de suas atividades. Conforme observado por Den Hond et al. (2007), esse fenômeno se explica por duas perspectivas. Por um lado, os governos neoliberais passaram a se eximir dessas responsabilidades argumentando que deveriam ser tratadas pelas leis do mercado, por outro lado, as empresas alegavam que iriam resolvê-las voluntariamente. Ao assumir essas novas responsabilidades as empresas podiam estar tentando evitar regulamentações governamentais ou balancear a equação de Davis compensando o aumento em seu poder. Seja por um motivo ou outro, a RSC assumiu o papel de auto-regulação de aspectos socioambientais.

A globalização da economia promoveu a expansão das cadeias de valor levantando novos questionamentos sobre a RSC. Grandes corporações passaram a produzir em países pobres, onde as leis ambientais e trabalhistas são significativamente mais brandas. Segundo Klein (2002, p.156-157), os mecanismos de terceirização que se disseminaram criaram camadas de contratação e subcontratação que distanciam os trabalhadores que produzem os bens das grandes empresas detentoras das marcas e do processo de comercialização. Desse modo, “corporações multinacionais ricas e supostamente fiéis à lei podem voltar aos níveis de exploração do século XIX e ainda assim continuar atraentes”. Essa lógica começou a ser questionada por grupos ativistas preocupados com as péssimas condições de trabalho das ‘sweatshops’, fábricas instaladas nos países pobres que produzem para grandes marcas. Desde 1992 empresas flagradas utilizando as ‘sweatshops’ buscam restabelecer a reputação de suas marcas adotando códigos corporativos de conduta e outras práticas identificadas com a RSC.

A atuação de empresas transnacionais extrativistas, especialmente na África e na Ásia, ampliou o debate, passando dos questionamentos sobre direitos trabalhistas para questões de violações de direitos humanos. O caso da Shell na Nigéria foi, provavelmente, o que obteve maior destaque internacional, tendo resultado na morte do ativista ambiental Ken Saro-Wiwa pelo governo local. A empresa foi considerada cúmplice e omissa pela opinião pública, que acreditava que ela poderia ter evitado o fim trágico do ativista. Como consequência a Shell sofreu boicotes de consumidores de todo mundo (WETTSTEIN, 2012).

Em 1992 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, disseminando no mundo a noção da falência do modelo de desenvolvimento vigente e da necessidade de novas formas de relacionamento entre sociedade e meio ambiente. Os negócios não tiveram participação significativa na Eco-92, mas logo perceberam que precisariam se posicionar diante do desafio posto para toda a sociedade, construir o que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável.

O contexto político e socioeconômico das duas últimas décadas do século XX jogou luz em outros temas e abordagens, destacadamente a Sustentabilidade Corporativa, a Ética Empresarial, a Cidadania Corporativa e a Teoria/Gestão de Stakeholders. Nesse período pouco se avançou no desenvolvimento do conceito de RSC. Contudo, o interesse pelo tema não se esvaiu, pelo contrário, a RSC foi utilizada como base para os novos enfoques e para o desenvolvimento de modelos, pesquisas empíricas e tentativas de avaliação e mensuração do desempenho social corporativo (CARROLL, 1999).

Entre os modelos de RSC propostos nesse período se encontra o de Dalton e Cosier (1982), o qual caracteriza o comportamento empresarial relacionando duas variáveis: responsabilidade e legalidade (Figura 2). As quatro combinações possíveis ilustradas na matriz caracterizam o que os autores chamam de faces da RSC.

Figura 2 – Framework de Dalton e Cosier (1982): As quatro faces da RSC

A análise do framework de Dalton e Cosier evidencia a natureza contextual da RSC. Determinado comportamento pode ser enquadrado em categorias diferentes, dependendo do contexto legal em que é avaliado. A mesma ambiguidade se verifica fixando-se a variável da legalidade. Ou seja, em um mesmo contexto legal, um comportamento pode ser avaliado de modo diferente de acordo com a noção de responsabilidade/irresponsabilidade adotada. Esta noção é construída socialmente e está associada aos valores do ambiente social em que o comportamento é avaliado.

Outro framework que surgiu nesse período faz uma analogia entre as responsabilidades organizacionais e as necessidades humanas. Tuzzolino e Armandi (1981) propõem que o comportamento corporativo socialmente responsável seja avaliado com base na hierarquia de necessidades de Maslow. O nível mais baixo de responsabilidade (equivalente às necessidades fisiológicas) é o lucro, enquanto o nível mais alto (equivalente à realização pessoal) representa a responsabilidade social. Por essa lógica, enquanto a necessidade da empresa de gerar lucro não for atendida (responsabilidade econômica) ela não assumirá outras e, portanto, não terá um comportamento socialmente responsável.

Peter Drucker também defende que o lucro é a principal responsabilidade dos negócios, sugerindo uma abordagem estratégica em que as empresas busquem converter suas responsabilidades sociais em oportunidades de negócios.

A ‘responsabilidade social’ apropriada do negócio é domar o dragão, que é transformar um problema social em oportunidade econômica e benefício econômico, em capacidade produtiva, em competência humana, em empregos bem remunerados e em riqueza. (DRUCKER, 1984, p. 62, tradução nossa)

Assumindo a lógica de que o comportamento corporativo é determinado pela racionalidade econômica, a busca pelo business case para a RSC se tornou um tema dominante. Pretendia-se provar que adotar práticas de RSC era bom para o negócio (HABISCH et al., 2005; CARROLL; SHABANA, 2010).

Nesse sentido, as décadas de 1980 e 1990 geraram diversos estudos empíricos em busca de argumentos que justificassem a adoção de práticas de RSC na ótica empresarial. De acordo com Wood (2010), esses estudos buscavam relacionar práticas consideradas responsáveis e irresponsáveis com aspectos associados direta ou indiretamente ao bom desempenho financeiro dos negócios. Entre esses aspectos se destacam: valor da reputação, redução de custos, eficiência operacional, abertura de novos mercados, motivação da força de trabalho, retenção da mão-de-obra, redução de riscos de campanhas de grupos ativistas, boa vontade de stakeholders, vantagem competitiva pela diferenciação de produtos e redução do risco de legislações onerosas.

Na virada do milênio, as pressões sociais sobre o comportamento corporativo continuaram a crescer, proporcionalmente à influência a aos impactos negativos das

corporações, mais evidentemente espalhados pelo planeta. E assim, “com a expansão da economia global, a RSC também se tornou global” (LEE, 2008, p. 69).

O interesse e as práticas de RSC se disseminaram promovidas por debates e iniciativas nos âmbitos local e internacional, público e privado. Organizações como as Nações Unidas e a União Europeia passaram a incluir o tema da RSC nas discussões sobre globalização e sobre o papel do capitalismo no mundo globalizado (BUHR; GRAFSTRÖM, 2007).

As Nações Unidas apresentaram no Forum Econômico Mundial de 1999 o The Global Compact, visando encorajar as empresas a adotar comportamentos socialmente responsáveis assumindo compromisso com princípios relacionados a direitos humanos, padrões de trabalho, meio ambiente e corrupção (BITANGA; BRIDWELL, 2010). Enquanto a Comissão Europeia publicou um relatório sobre RSC em 2001 visando “iniciar um amplo debate sobre como a Comunidade Europeia poderia promover RSC nos níveis europeu e internacional...” (EUROPEAN COMMISSIONS, 2001, p.4).

Na Inglaterra o fenômeno se refletiu em uma série de matérias do jornal Financial Times e na mobilização de organizações empresariais, ONGs e governos para promover iniciativas de RSC. Em 2001, foi criado o Ministério da RSC (BUHR; GRAFSTRÖM, 2007). A orientação do governo britânico era baseada no business case e na promoção da RSC como substituto à regulamentação (OWEN et al., 2001). Esta orientação se evidencia na entrevista do ministro, Kim Howells, publicada na revista Ethical Performance (Vol. 2, No. 2, Junho de 2000, p. 5), sob o título de ‘CSR Minister who backs the power of the market’.

Eu acredito que existem bons motivos comerciais para responsabilidade social corporativa e que o governo pode facilitar o caso e tornar públicos os exemplos de boas práticas. Contudo não há, em absoluto, razão para nós impormos normas...Não podemos forçar as empresas a se comportarem de forma compassiva (OWEN et al., 2001, p. 277 tradução nossa).

Organizações empresariais globais e regionais também se mobilizaram em torno do tema, tais como: World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), The European Business Network for Corporate Social Responsibility (CSR Europe) e Business for Social Responsibility (BSR).

Empresas de todo o mundo passaram a publicar relatórios de RSC, também conhecidos por relatórios de sustentabilidade, especialmente a partir do ano 2000, quando foi lançada a primeira versão do guia da Global Reporting Initiative (GRI). Este framework, apoiado pela ONU, logo se tornou o guia mais popular para a elaboração e divulgação do desempenho corporativo (GLOBAL REPORTING INITIATIVE, 2013). A revelação do escândalo da empresa Enron, em 2001, também teve um papel importante na disseminação da RSC. Esse evento, e outras fraudes contábeis reveladas depois, adicionaram uma nova preocupação ao debate, a vulnerabilidade dos acionistas à gestão contábil corporativa irresponsável (BAKAN, 2008).

Aliada aos escândalos contábeis, a atuação de corporações em países pobres, jogou luz em outra perspectiva da RSC, a Irresponsabilidade Social Corporativa (ISC). Segundo Lin-Hi e Müller (2013), essa abordagem amplia a visão que ainda existiria na academia e no meio empresarial da RSC como sinônimo de ‘fazer o bem’, ou seja, fazer contribuições adicionais para o bem-estar social. A ISC alerta para a necessidade de considerar no escopo da RSC questões como violação de direitos humanos, formação de cartéis, fornecimento de informações incorretas a consumidores, propaganda enganosa, corrupção e danos ao meio ambiente.

O business case da RSC continuou ganhando influência no século XXI (VOGEL, 2005; GOND; CRANE, 2008; CARROLL; SHABANA, 2010). Essa abordagem se tornou central na maioria dos livros que tratam do tema, sendo amplamente difundida entre estudantes de Administração e executivos (VOGEL, 2005). Refletindo a atenção crescente ao business case da RSC, vários mercados de RSC se desenvolveram, incluindo consultorias, auditorias, certificações e agências de rating preocupadas com investimentos socialmente responsáveis – Socially Responsible Investment – SRI (BUHR; GRAFSTRÖM, 2007). As perspectivas econômica e estratégica da RSC ganharam evidência tanto em estudos conceituais (LANTOS, 2001; MCWILLIAMS; SIEGEL, 2001; WADDOCK et al., 2002; PORTER; KRAMER, 2006; KURUCZ et al., 2008; CARROLL; SHABANA, 2010) como empíricos (MCWILLIAMS; SIEGEL, 2000; LONGO et al., 2005; PEDERSEN; NEERGAARD, 2007; GODFREY et al., 2009), para citar apenas alguns exemplos.

3.3. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS ABORDAGENS DA RSC: ‘OLD