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CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA: PASSADO,

3.5. Perspectivas Futuras: Caminhos para RSC ‘Re-Moralizada’

A análise crítica da abordagem atual da RSC revela a necessidade de contornar a preponderância da racionalidade econômica nas relações entre negócios e sociedade. Diversas propostas têm sido apresentadas nesse sentido, sugerindo (re)incorporar aspectos normativos ao estudo e à prática da RSC. As propostas compreendem diferentes níveis de aplicação (político, institucional, organizacional e individual) e de grau de mudança (do reformista ao radical), mas todas convergem na busca de uma RSC ‘Remoralizada’.

É importanto ressaltar, que essas propostas não representam um retorno à RSC ‘old style’, mas uma reconceitualização da RSC. Isto é necessário, primeiro, porque o contexto dos anos 50, 60 e 70 é muito diferente do atual. A RSC ‘old style’ se baseia no modelo de controle social dos negócios centrado no estado e no estabelecimento de políticas públicas expansivas para garantir e ampliar direitos dos stakeholders (WINDSOR, 2006). Este modelo foi totalmente revertido com a globalização, sem perspectivas de voltar a prevalecer, ao menos no médio prazo.

Além disso, abordagens normativas da RSC se baseiam, principalmente, em teorias filosóficas, sendo consideradas utópicas e genéricas demais para o ‘mundo real’. A utopia não é vista, necessariamente, como um problema nessa tese, contudo, considerando a urgência de novas formas de relacionamento entre negócios e sociedade, é relevante considerar a capacidade das novas propostas de começar a promover mudanças reais ao menos no médio prazo. Mason e Simmons (2014) observam que abordagens puramente normativas podem ser consideradas ideais em termos morais, mas substituir o modelo centrado nos acionistas por outro centrado em princípios éticos provavelmente sofreria grande resistência da comunidade empresarial, arriscando não ultrapassar as barreiras da academia.

O generalismo das abordagens puramente normativas também representa uma dificuldade para sua implementação. Mesmo acadêmicos normativos, como Donaldson e Dunfee (1994), reconhecem que é extremamente difícil aplicar conceitos éticos universais e abstratos às múltiplas e complexas situações práticas das relações entre negócios e sociedade. Scherer e Palazzo (2011) observam que a pluralidade crescente de valores, normas e estilos de vida do mundo globalizado pós-moderno torna ainda mais difícil a tarefa de estabelecer critérios de comportamento ético

aplicáveis a todas as situações. Portanto, os autores propõem que a RSC seja reconceitualizada de modo a refletir o papel político que os negócios assumiram e a heterogeneidade dos ambientes legais, sociais e culturais onde os negócios operam. Com base nessas considerações, é possível listar algumas propostas recentes para contornar a preponderância da racionalidade econômica da RSC: i) o estabelecimento de novos mecanismos e arranjos institucionais que promovam um maior equilíbrio nas relações de poder entre negócios, governos e sociedade civil (MARREWIJK, VAN, 2003); ii) um maior equilíbrio entre controles internos (voluntários) e externos (regulamentação) sobre questões relacionadas à RSC (BOEGER et al., 2008; CORKIN, 2008); iii) a reforma nos currículos das escolas de Administração (GHOSHAL, 2005); iv) a revisão do modelo tradicional dos negócios (ZSOLNAI, 2006; MASON; SIMMONS, 2013); e v) a reestruturação da economia política global e de seus mecanismos de governança (SCHERER; PALAZZO, 2007; HAIGH; JONES, 2006; HERZIG; MOON, 2013; BANERJEE, 2014).

Um aspecto central nessas propostas é a necessidade de efetivamente integrar economia e ética. A divisão desses dois aspectos, denominada por Freeman (1994) como ‘Tese da Separação’, se reflete nas abordagens oposicionistas da RSC. Contudo, essa separação não existe no mundo real, pois decisões corporativas possuem componentes econômicos e morais (BROWN; FORSTER, 2013); e decisões econômicas também geram efeitos sociais (e vice-versa) (HARRISON; FREEMAN, 1999; PEDERSEN, 2006).

Portanto, é necessário deixar de enxergar economia e ética como concorrentes e buscar formas de combiná-las (FREEMAN, 1994; SOLOMON, 2006; AGLE et al., 2008; PLESSIS, DU, 2008; MASON; SIMMONS, 2014). É preciso reconhecer as tensões entre objetivos econômicos e sociais como ponto de partida para o desenvolvimento de novas teorias e práticas organizacionais (MARGOLIS; WALSH, 2011), buscando meios de efetivamente integrar lucros, desempenho político, demandas sociais e valores éticos (GARRIGA; MELÉ, 2004; WINDSOR, 2006). Essa integração deve ocorrer em torno da ideia do que o ser humano é e do que ele pode ser, afinal, não faz sentido falar de economia e ética sem falar de seres humanos. Ou seja, novas abordagens devem incorporar uma noção mais realista dos indivíduos envolvidos nas relações entre negócios e sociedade, com sua complexidade, sua pluralidade de valores e percepções (AGLE et al., 2008). É preciso ampliar a concepção restrita de ser humano retratada pelo homo economicus, que

toma decisões visando apenas maximizar seu benefício econômico, para o homo social (SOLOMON, 2006). Os negócios, por sua vez, devem ser entendidos como interação social e cooperação num sentido sofisticado, como parte essencial da sociedade (PHILLIPS, 1997; SOLOMON, 2006; BROOKS, 2010).

Essas ideias, resumidas no Quadro 2, apontam perspectivas para o futuro da RSC, servindo de base para o delineamento de uma RSC ‘Remoralizada’.

Quadro 2 – Perspectivas futuras para RSC: bases para o delineamento de uma RSC ‘Remoralizada’

A operacionalização da integração entre economia e ética é, portanto, uma questão central para novos estudos sobre RSC. A Teoria de Stakeholders tem sido apontada por diversos acadêmicos como o framework de referência capaz de promover a união desses dois aspectos (BRANCO; RODRIGUES, 2007; BROWN; FORSTER, 2013; MASON; SIMMONS, 2014).

A Teoria dos Stakeholders (TS), assim como a RSC, se contrapõe à escola da ‘primazia dos acionistas’, pois advoga que as empresas possuem responsabilidades junto a outros grupos além dos acionistas. No entanto, a Teoria de Stakeholders é uma teoria gerencial que se baseia no tratamento ético dos stakeholders e não uma teoria ética que, por acaso, também é relevante para gestão, como seria o caso da RSC (HARRISON et al., 2015). Além disso, a Teoria de Stakeholders também sofre com o conflito de abordagens instrumentais X normativas, sendo necessário esclarecer de que forma a combinação RSC-TS pode contribuir com a superação das limitações da RSC ‘new style’ e com o desenvolvimento de uma RSC ‘Remoralizada’. Isso será feito nos próximos dois capítulos

Aspectos Orientações Fontes

Abandonar 'Tese da Separação': deixar de enxergar economia e ética como concorrentes e buscar formas de combiná-las

Freeman (1994); Solomon (2006); Agle et al. (2008); Du Plessis (2008); Mason e Simmons (2014) Reconhecer tensões para desenvolver novas

teorias e práticas organizacionais Margolis e Walsh (2011) Buscar meios de efetivamente integrar lucros,

desempenho político, demandas sociais e valores éticos

Garriga e Melé (2004); Windsor (2006)

Nível de análise

A partir do individual: incorporar concepção mais realista do indivíduo (complexidade, pluralidade de valores e percepções; 'homo social ')

Agle et al. (2008); Solomon (2006)

Concepção de negócios

Interação social e cooperação num sentido sofisticado, parte essencial da sociedade

Phillips (1997); Solomon (2006); Brooks (2010a)

Orientação teórica

CAPÍTULO 4 TEORIA DE STAKEHOLDERS: PONTE PARA RSC