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Principais Características das Abordagens da RSC: ‘old style’ X ‘new style’

CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA: PASSADO,

3.3. Principais Características das Abordagens da RSC: ‘old style’ X ‘new style’

Após mais de oitenta anos do debate iniciado por Berle e Dodd (1931-1932), a balança pendeu para os argumentos de Dodd. Prevaleceu a noção de que os negócios devem sim assumir responsabilidades mais amplas na sociedade. Contudo, dentre os defensores da RSC, há visões diferentes acerca do escopo dessas responsabilidades, assim como dos motivos para adotá-las. Essas visões são associadas às duas vertentes da RSC: ‘old style’ e ‘new style’.

A RSC ‘old style’, prevalente até a década de1970, envolvia conceitos baseados no ideal moral da primazia dos interesses humanos sobre os das corporações (LOGSDON; WOOD, 2002). A orientação teórica era baseada na ética e no dever e o nível de análise era o macro-social (LEE, 2008). O papel dos negócios era servir às necessidades das sociedades e das pessoas (AGLE et al., 2008); cumprindo a lei; não explorando aspectos não regulados (forte auto-controle); e fazendo contribuições voluntárias para a sociedade e seus stakeholders (altruísmo) (WINDSOR, 2006). O papel do estado, por sua vez, era estabelecer políticas públicas expansivas para garantir e ampliar os direitos dos stakeholders (WINDSOR, 2006). Ou seja, a noção original de RSC era a de complementar o papel do governo, não substituí-lo (WOOD, 1991). Os argumentos para adoção da RSC eram normativos, derivados de princípios religiosos, referências filosóficas e normas sociais prevalentes; portanto as empresas deveriam ser socialmente responsáveis porque ‘é moralmente correto’ (BRANCO; RODRIGUES, 2007); e pelo desejo de ‘fazer o bem’ (SMITH, 2003).

Neste ponto da tese é relevante esclarecer o significado dado ao termo normativo. Margolis e Walsh (2011) diferenciam dois sentidos para o termo: um comumente adotado nas ciências sociais e outro filosófico. Nas ciências sociais, o termo normativo geralmente se refere a orientações para o comportamento organizacional derivadas da análise teórica e empírica de relações de causa e efeito. No sentido filosófico, o termo se refere ao conjunto de valores morais que justificam a preferência por determinado comportamento. Nessa tese o termo normativo é utilizado no sentido filosófico.

A partir da década de 80, no início da fase da RSC ‘new style’, a tendência de controle social dos negócios por meio de regulamentações foi revertida pelo paradigma socioeconômico recém instituído, o neoliberalismo. A noção subjacente era que as externalidades dos negócios seriam tratadas pelas leis de mercado e pela ação voluntária dos negócios (HOND, DEN et al., 2007). As medidas de desregulamentação e a consequente financerização da economia provocaram grandes mudanças no framework moral vigente. Solomon (2006) analisa esse fenômeno através dos mitos e metáforas que se estabeleceram no ideário corporativo e social neste período, levando à concepção dos negócios como um jogo, uma selva ou uma guerra pela sobrevivência.

A globalização da economia ampliou os efeitos deletérios dos negócios em termos de diversidade, intensidade e abrangência geográfica, alimentando os questionamentos sobre o papel e as responsabilidades dos negócios na sociedade. As respostas a esses questionamentos passaram a envolver, cada vez mais, a adoção de discursos e práticas organizacionais relacionados a RSC e seus descendentes (CARROLL, 1999). Esse processo foi estimulado pela pesquisa, que se concentrou no business case da RSC, tornando a RSC mais atrativa para gestores (VOGEL, 2005; LEE, 2008; CARROLL; SHABANA, 2010).

A orientação teórica da RSC ‘new style’ se tornou gerencial e o nível de análise, principalmente, organizacional (LEE, 2008). O ideal moral subjacente passou a ser o utilitarismo, uma filosofia quantitativa baseada na relação custo/benefício (SOLOMON, 2006), que enfatiza os ganhos materiais que a sociedade pode obter por meio de mercados competitivos razoavelmente eficientes e competitivos (WINDSOR, 2006). Ou seja, os negócios deveriam criar riqueza submetidos a políticas públicas minimalistas e, talvez, a práticas de ética empresarial usuais (WINDSOR, 2006). Os argumentos para adoção da RSC se tornaram instrumentais (BRANCO; RODRIGUES, 2007), baseados na noção do ‘enlightened self-interest’, ou seja, ser socialmente responsável ‘é bom para os negócios’, pelo menos no longo prazo (SMITH, 2003; VOGEL, 2005; BRANCO; RODRIGUES, 2007; CARROLL; SHABANA, 2010). A adoção da RSC ainda seria uma forma de evitar e minimizar regulamentações governamentais, pois provaria que a auto-regulação seria suficiente para atender às expectativas da sociedade (CARROLL; SHABANA, 2010). E assim, a globalização da economia globalizou a RSC ‘new style’ (LEE, 2008). As características das duas vertentes da RSC são resumidas no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 – Características das vertentes da RSC: ‘old style’ e ‘new style’

As duas vertentes concorrentes da RSC também podem ser comparadas utilizando a lógica da ‘Equação do Poder Social’ proposta por Davis. Segundo esse princípio, a responsabilidade social dos negócios é proporcional à sua influência na

Décadas de 50, 60 e 70 A partir da década de 80

'Old style' 'New style' Vogel (2005)

Normativa Instrumental Branco e

Rodrigues (2007)

'Normative case' 'Business case' Smith (2003)

Orientada pelo dever Econômica Swanson (1995)

Ética Econômica Windsor (2006)

Primazia dos interesses humanos sobre os das corporações

Logsdom e Wood (2002)

Utilitarismo Solomon (2006); Windsor (2006)

Orientação

teórica Ética e dever Gerencial Lee (2008)

Nível de análise Macro-social Organizacional Lee (2008)

Servir às necessidades das

sociedades e das pessoas Agle et al . (2008)

Cumprir a lei e não explorar aspectos não regulados; contribuições sociais voluntárias

Criação de riqueza submetida às leis e, talvez, práticas de ética

empresarial usuais

Windsor (2006) Externalidades dos negócios

tratadas por leis de mercado e ação voluntária dos negócios

Den Hond et al. (2007)

Jogo, selva ou guerra pela

sobrevivência Solomon (2006)

Papel do estado

Políticas públicas expansivas para garantir e ampliar direitos dos

stak eholders

Políticas públicas minimalistas Windsor (2006) Considerações sociais Considerações econômicas Vogel (2005)

Desejo de 'fazer o bem' Smith (2003)

Normativos e éticos: derivados de princípios religiosos, referências

filosóficas e normas sociais prevalentes;

'É moralmente correto'

Instrumentais: 'é bom para os negócios', ao menos no longo

prazo Branco e Rodrigues (2007) 'Enlightened self-interest' Smith (2003); Vogel (2005); Branco e Rodrigues (2007); Carroll e Shabana (2010) Minimizar regulamentações governamentais Carroll e Shabana (2010) Fontes Argumentos para adoção Identificação das vertentes da RSC Orientação moral Fases ou vertentes da RSC Aspectos Papel / concepção dos negócios

sociedade e o uso responsável dessa influência seria garantido por leis ou outros mecanismos de controle social (DAVIS, 1960).

Figura 3 – Evolução dos pesos relativos dos principais componentes da ‘Equação do Poder Social’ desde a década de 1930

Como ilustrado na Figura 3, durante a fase da RSC ‘old style’, o aumento da influência dos negócios sobre a sociedade foi compensado principalmente por meio de legislação e taxação. As leis de mercado exerciam relativamente pouca influência sobre o comportamento organizacional e havia adoção pontual de discursos e práticas associadas à RSC. Na fase da RSC ‘new style’, os pesos dos fatores da ‘Equação do Poder Social’ se inverteram, com as leis de mercado e a RSC preenchendo o vácuo regulatório deixado pelas medidas de desregulamentação da economia.

Assim conclui-se a análise comparativa das principais características das abordagens usuais da RSC. No próximo tópico serão discutidas as limitações da abordagem ‘new style’, predominante na atualidade tanto na prática como no estudo das relações entre negócios e sociedade.