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CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA: PASSADO,

3.4. Limitações da Abordagem Atual da RSC

Ao longo dos anos, a RSC e seus descendentes foram incorporados ao discurso e, ao menos parcialmente, à prática empresarial. Contudo, os debates em torno de temas como mudanças climáticas, crescimento insustentável, escândalos corporativos e moralidade do capitalismo global sugerem a necessidade de rever as relações entre negócios, estado e sociedade civil (BURCHELL; COOK, 2010). Nesse sentido, crescem os questionamentos sobre a habilidade da RSC e seus descendentes de promover o comportamento corporativo socialmente responsável.

O primeiro aspecto a ser observado se refere à natureza voluntária da RSC, presente nos conceitos de RSC desde seus primórdios. Contudo, essa característica se tornou mais crítica na fase da RSC ‘new style’, quando o controle social dos negócios por meio de leis e taxações foi substituído, em grande parte, pela combinação de iniciativas voluntárias de RSC e das leis de mercado.

O cumprimento voluntário de responsabilidades é, em si, um contra-senso, pois deveres requerem mecanismos que garantam seu cumprimento (LOGSDON; WOOD, 2002). Além disso, quando iniciativas voluntárias assumem o papel de auto- regulação dos negócios, levantam-se preocupações sobre um déficit democrático.

Aqueles que são democraticamente eleitos (governos) para regular, possuem menos poder para tal, enquanto aqueles que começam a se envolver em auto-regulação (corporações privadas) não possuem mandato democrático para este engajamento e não podem ser responsabilizados por uma política cívica (SCHERER; PALAZZO, 2011, p. 907 tradução nossa).

As leis de mercado, por sua vez, impõem pressões competitivas de demanda e fornecimento, mas não são suficientes para garantir a virtude cívica das corporações (BANERJEE, 2012). Primeiro porque pune o comportamento irresponsável apenas após o ocorrido e depois porque os mecanismos de sanção comercial só se aplicam a casos cujas consequencias sociais indesejadas podem ser diretamente ligadas ao comportamento corporativo e quando são perceptíveis no curto prazo (ZIMMERLI; ASSLÄNDER, 2007). Além disso, empresas com pouca visibilidade junto a consumidores finais são menos vulneráveis a perdas comerciais decorrentes de comportamentos irresponsáveis (CHIU; SHARFMAN, 2009). Na prática, já há provas

suficientes para concluir que se o mercado não for adequadamente regulado, “a única regulação que ocorrerá será a de servir ao lucro/valor das empresas, o que nem sempre servirá ao bem social” (CORKIN, 2008, p. 58 tradução nossa). Os escândalos contábeis da primeira década do século XXI sinalizam que numa economia desregulamentada até mesmo as responsabilidades fiduciárias (junto aos acionistas) podem ser violadas, quiçá as responsabilidades junto a stakeholders menos influentes (WINDSOR, 2006). Ou seja, a RSC e seus descendentes são abordagens cruciais na busca de relações mais éticas entre negócios e sociedade, contudo, sem a intervenção de autoridades, os interesses da sociedade e dos stakeholders têm sido frequentemente prejudicados e violados (AGLE et al., 2008).

Outro ponto de críticas crescentes é a predominância da abordagem do business case da RSC. Essa abordagem se baseia nos argumentos instrumentais do ‘enlightened self-interest’, defendendo que os custos do comportamento socialmente responsável serão compensados por benefícios indiretos para o negócio, pelo menos no longo prazo. Essa lógica ampliou a aceitação pelos negócios, mas resultou em abordagens oportunistas que comprometem o comportamento ético (NIJHOF; JEURISSEN, 2010). Brooks (2010) observa que a academia concentrou esforços buscando argumentos para a adoção da RSC nos mesmos termos utilizados por Friedman e demais defensores da ‘primazia dos acionistas’. Assim, restringiu o debate, ao menos parcialmente, à noção da racionalidade econômica, a mesma que buscava combater, deixando pouco espaço para incorporação de argumentos éticos. As críticas à abordagem atual da RSC também partem da análise da inadequação do ideal moral utilitarista subjacente ao business case da RSC e ao modelo econômico vigente. Segundo a filosofia utilitarista, a busca do interesse próprio levaria à alocação mais eficiente dos recursos da sociedade e à maximização do bem-estar social. Contudo, a tomada de decisão baseada nessa lógica leva a empresa a priorizar as estratégias e os projetos de RSC mais rentáveis e não os mais necessários para a sociedade (LEE, 2008; NIJHOF; JEURISSEN, 2010; PARKES et al., 2010). Problema maior surge quando o comportamento responsável colide com o objetivo do lucro, pois nem todo comportamento socialmente responsável traz, necessariamente, benefícios para o negócio, pelo menos no curto prazo (SWANSON, 1995; HAIGH; JONES, 2006; LEE, 2008). Quando gestores priorizam as responsabilidades econômicas, podem encontrar justificativas para violar responsabilidades éticas, e até mesmo legais, em nome da maximização de lucros ou

da proteção contra prejuízos (KANG, 1995). O recente escândalo envolvendo a Volkswagen ilustra essa lógica. A empresa, confrontada com normas mais rigorosas para emissões de gases, ao invés de investir no desenvolvimento de motores que atendessem aos novos padrões, instalou em seus veículos um dispositivo que burla os testes de emissões de gases.

O rationale que prioriza aspectos econômicos sobre os demais também atinge o nível cultural e individual da sociedade. A relação entre os negócios e o contexto cultural é de influência mútua. A partir da década de 80, o rationale dos negócios foi incorporado de forma crescente aos valores da sociedade (FREEMAN; LIEDTKA, 1991). Esse processo promoveu o culto ao individualismo e ao consumismo desenfreado, contribuindo com a degradação das relações comunitárias e sociais (SOLOMON, 2006). Isso tem alimentado as críticas à natureza econômica e materialista dos valores e do pensamento dominante na sociedade (ZIMMERLI; ASSLÄNDER, 2007). As escolas de Administração também contribuíram na disseminação desse rationale, formando gestores a partir de currículos que reforçam a noção de que o único, ou ao menos o principal, papel dos negócios é maximizar lucros para os acionistas (GHOSHAL, 2005; MARGOLIS; WALSH, 2011).

Além disso, embora o objetivo da RSC seja analisar os papéis e impactos da interação entre negócios e sociedade, a literatura é dominada pela perspectiva dos negócios. Há uma lacuna considerável na literatura sobre os efeitos dos negócios sobre a sociedade (MARGOLIS; WALSH, 2011). A maioria dos estudos, mesmo os que incorporam a abordagem de stakeholders, adota conceitos de RSC segundo a visão dos negócios. A perspectiva dos stakeholders, se considerada, costuma ser traduzida por mecanismos de gestão, estratégias de comunicação e processos organizacionais e não pela percepção dos stakeholders (BURCHELL; COOK, 2010).

Finalmente, embora o discurso defenda que a RSC compatibiliza interesses de diversos grupos, o que se observa na prática é a desconexão entre muitos stakeholders relevantes e as decisões sobre RSC (MASON; SIMMONS, 2014). Ou seja, o discurso atual da RSC, apesar de sua retórica emancipatória, teria sido ‘capturado’ pelos negócios (O’DWYER, 2003; HERZIG; MOON, 2013), se transformando em ferramenta de legitimação do poder das grandes corporações, contornando as pressões e críticas sociais, mas sem promover as mudanças necessárias para elevar o padrão de comportamento dos negócios ao patamar esperado pela sociedade (BANERJEE, 2012).