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1 INTRODUÇÃO

7.5 HIPÓTESES DE CABIMENTO

7.5.2 Abuso do poder político

Neste ponto, empresta-se o mesmo raciocínio usado para o abuso de poder econômico ao político, renovando-se todas aquelas considerações, à exceção da espécie de abuso. O vocábulo “político”, no contexto eleitoral, está a significar estatal, máquina administrativa (aparelho administrativo), Poder Executivo, ou seja, aquilo que está relacionado a pratica de atos administrativos pelo agente público (art. 73, §1º, da Lei n.º 9504/97)no exercício de suas atribuições. O abuso de poder político ocorrerá quando o agente público praticar atos administrativos em benefício de interesses eleitorais de forma potencialmente lesiva a normalidade e legitimidade do pleito. Assim, a locução “abuso de poder político” é a transgressão legal através da força da máquina administrativa, com potencial para comprometer o equilíbrio do certame eleitoral.

Na visão do TSE “o abuso do poder político ocorre quando agentes públicos valem-se da condição funcional para beneficiar candidaturas - desvio de finalidade - violando a normalidade e a legitimidade das eleições”191

Dado que também frequente e grave esta reprovável conduta tratou-se em diversos dispositivos legais de coibi-la, tal como se vê na Carta Magna, em seu artigo 14º, §9º, no art. 1º, “d” e “h” e 22º, ambos da LC n.º 64/90 e principalmente nos artigo 73 e 74 da Lei 9.504/97. Destaca-se que o rol presente nestes últimos dispositivos não é taxativo, apenas exemplificativo, podendo outras formas de abuso de poder político ser configuradas, ainda que não previstas expressamente em lei.

Esta modalidade de abuso não está contemplada expressamente no art.14º, §10º, da CF/88, porém a jurisprudência do TSE já assentou a possibilidade de manejo da AIME com _____________________________

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Jurisprudência ARO 718/DF, DJ 17.6.2005, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, REsp 25.074/RS, DJ 28.10.2005, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.Acesso em: 07-11-2010.

base no abuso do poder político entrelaçado ao econômico. Avançando-se, defende-se nesse estudo o cabimento da AIME também quando houver apenas o abuso de poder político.

7.5.2.1 Abuso do poder político entrelaçado ao econômico

Conforme já citado anteriormente muitas vezes uma só conduta é capaz de configurar dois ou mais ilícitos eleitorais, com efeitos distintos. Também há que se considerar que certos ilícitos são praticados apenas como meios para a consecução de outros, mais graves. Pode-se dizer que são os ilícitos-meios. Além disso, há situações aonde a linha diferenciadora dos ilícitos eleitorais é muito tênue, causando, por vezes, uma concomitância entre eles.

Apesar disso, tradicionalmente se analisava cada um dos ilícitos de forma isolada, para fins de se aferir as hipóteses de cabimento da AIME. Ausentes as hipóteses expressas do art. 14º, §10º, da CF/88, impossível o manejo da AIME.

Entretanto, o TSE deu um passo adiante para considerar o abuso de poder político hipótese de cabimento da Impugnatória, mas apenas se este estiver entrelaçado ao abuso de poder econômico.

Trata-se do julgamento do Recurso Especial192 nº 28.040-BA, de Relatoria do Ministro Carlos Ayres de Britto, que significou um verdadeiro avanço jurisprudencial, senão veja-se:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. § 10 DO ARTIGO 14 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CAUSAS ENSEJADORAS. 1. O abuso de poder exclusivamente político não dá ensejo ao ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo (§ 10 do artigo 14 da Constituição Federal). 2. Se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo. 3. Há abuso de poder econômico ou corrupção na utilização de empresa concessionária de serviço público para o transporte de eleitores, a título gratuito, em benefício de determinada campanha eleitoral.

Recurso desprovido.

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Jurisprudência REspe nº 28.040/BA, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm>. Acesso em: 07-11- 2010.

Assim, praticando ou se beneficiando o candidato do abuso de poder político, que se revela no caso concreto também abuso do poder econômico, fica autorizado o manejo da AIME. É dizer que o uso da máquina administrativa traduz também, em muitas ocasiões, um caráter financeiro, na exata medida em que recursos ou patrimônios públicos são usados em favor de interesse meramente eleitorais-privados.

São exemplos do que se pode chamar “abuso interligado” o subsídio de contas de água, através de recursos públicos, por prefeito-candidato em favor de varias famílias193, bem assim as condutas vedadas previstas no art. 73, incisos I, IV, V, VI, a, da Lei 9.504/97.

Ora, não era razoável fazer a distinção de outrora, pois não é correto considerar os ilícitos eleitorais apenas isoladamente, com vistas a imprimir apenas uma dada conseqüência. É mister considerá-los no contexto eleitoral, conjugados. É verdade que o TSE atenuou um grave equívoco jurisprudencial, mas poderia ter avançado mais, conforme se demonstrará a seguir.

7.5.2.2 Abuso do poder político exclusivo

Primeiramente, acolhem-se e renovam-se os argumentos utilizados pelo TSE para justificar a aceitação do abuso de poder político entrelaçado ao econômico como hipóteses de cabimento da AIME, restando convergente as posições neste particular.

Entretanto, buscando avançar ainda mais, entende-se que o abuso de poder político praticado de forma isolada (sem ligação com outros ilícitos) deve sim ser admitido como hipótese ensejadora da AIME, apesar de categoricamente rejeitado pelo TSE.

O fundamento para esta afirmação é a própria efetividade de diversos direitos previstos tanto na Constituição Federal de 1988, como também da legislação eleitoral,

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Jurisprudência AI-11708, Relator Felix Fischer, DJE Data 01/02/2010. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm>. Acesso em: 07-11-2010.

infraconstitucional, todos objetos de proteção pela AIME.

Assim, tal posição é concebida por meio de uma interpretação sistemática (teleológica), guiada pela bússola constitucional. Esta técnica não é inovadora e já fora amplamente utilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE e pelo Supremo Tribunal Federal –STF, sobretudo quando do julgamento da polêmica da Fidelidade Partidária . Como se sabe, ali se reconheceu a possibilidade de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, sem que houvesse expressa previsão no texto constitucional ou na legislação eleitoral específica. Aliás, o próprio art.5º, §2º, da CF/88 consagra a interpretação sistemática.

Em ocasião anterior, o próprio TSE também se valeu de interpretação extensiva quanto ao procedimento a ser utilizado na AIME. Naquela oportunidade se afastou o uso do procedimento ordinário do CPC para aplicar, por analogia, o procedimento ordinário da LC n.º 64/90.

Dessa sorte, tais precedentes autorizam a aplicação da mesma técnica no caso em estudo, permitindo se concluir possível o abuso de poder político isolado para a AIME. Ora, se se construiu um entendimento para viabilizar inúmeras cassações em todo o país, ainda que desprovido de previsão expressa na legislação, igualmente há supedâneo para assimilar o abuso de poder político no que agora se pretende.

Esta proposição se arrima de início em comandos gerais, tais como a soberania popular (art.1º,parágrafo único,CF/88), igualdade (art.5º, caput, e art. 14, caput, ambos da CF/88), cidadania (art.1º,II, CF/88), normalidade e legitimidade das eleições (art.14, §9º, CF/88), moralidade (art.37,caput e art.14, §9º, CF/88), lisura das eleições (art.22, da LC n.º 64/90 ); assim como específicos, a exemplo do art. 1º, “d” e “h”, art. 19º, e art. 22º, todos da LC n.º 64/90, além do art. 237, da Lei n.º 4.737/65, e outros tantos que indiretamente induzem à aplicação daquela interpretação.

Nessa perspectiva, é possível concluir que o contexto legal é coerente e contundente no sentido de também combater o abuso de poder político, ainda que isolado. Ora, se a Impugnatória encontra seus contornos em tais dispositivos é inerente à ação o combate ao abuso de poder político.

Assim, parece não ser razoável combater o abuso de poder econômico e não o político em sede AIME. Nesse sentido, Djalma Pinto194 defende:

Conquanto não se reporte o texto constitucional ao abuso do poder político, sua ocorrência também enseja a propositura da ação de impugnação de mandato. O objeto da impugnatória é suprimir o mandato de quem haja comprometido a normalidade do processo eleitoral com procedimentos que provocam desequilíbrio na disputa. Não parece razoável que o candidato que incorreu em manifesto abuso de poder político não possa ser sujeito passivo da ação de impugnação de mandato eletivo.

Ora, ambos os ilícitos possuem aspectos em comum. Isto é, se manifestam através do abuso de poder, somente se configuram quando há potencialidade lesiva, afetam a normalidade e legitimidade das eleições, ambos podem ser objetos da Investigação Judicial Eleitoral – IJE (art. 22, LC n.º 64/90), permitem a cassação de registros de candidatos, diplomas e mandatos de eleitos, são combatidos em diversos dispositivos legais, enfim, até certo ponto se equiparam.

Logo, não há óbice suficiente à aceitação do abuso de poder político isolado como hipótese de cabimento da AIME, pois, do contrário, a segregação abriria margem para impunidade e estímulo ao cometimento de novos ilícitos.

Por outro lado, se poderia argumentar que o Recurso contra a Expedição do Diploma – RCD serviria para tal propósito, mas, apesar da dilação probatória atualmente permitida, trata- se de ação bem mais limitada, a começar pela exigência de prova pré-constituída e prazo decadencial de apenas 3 dias para propositura.

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PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal.Noções Gerais. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.61.

E, ainda, deve se considerar a essência da AIME que, buscando preservar a lisura das eleições, restaria desfalcada sem a permissão ora defendida e ineficaz em relação aos propósi- tos constitucionais estabelecidos.

Ademais, ciente que as ponderações feitas são também um convite à reflexão acerca do tema, espera-se que as sementes aqui plantadas germinem no solo jurisprudencial do TSE em algum tempo. Há, portanto, a esperança de que a mutabilidade, inerente a seara eleitoral e aos anseios sociais e jurídicos, estimule o avanço na direção de se reconhecer o abuso do poder político puro como hipótese de cabimento da AIME. Mas, para tanto, cabe a todos os que compartilhem desta posição intentar provocações nesse sentido.

Enquanto este pensamento não se sobrepõe na Corte superior eleitoral é de se respeitar a respectiva jurisprudência, porém, alternativamente, devendo-se concentrar esforços para configurar, no caso concreto, um entrelaçamento do abuso de poder político com as demais hipóteses já consagradas (abuso de poder econômico, fraude corrupção), como forma de minorar a limitação gerada pela posição vigente.