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1 INTRODUÇÃO

7.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA LEGISLATIVA

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME não se originou de forma repentina ou através de uma única norma, mas sim, surgiu como fruto de um processo evolutivo, que se consagrou na Constituição Federal de 1988.

Isto porque, ao se analisar a composição da legislação eleitoral ao longo dos anos verifica-se que as primeiras sementes da AIME foram plantadas ainda na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891.165 Ali, ineditamente, se registrou a possibilidade de perda de mandato eletivo no país, de acordo com os artigos 23 e 24150 e, em especial, o parágrafo único deste último.

Outras Constituições estaduais também previram a possibilidade de perda de mandato eletivo, tais como a Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, de 20 de janeiro de 1891, a do Estado de São Paulo, promulgada em 14 de julho de 1891, entre outras.

Seguindo, as sementes passaram a germinar no primeiro Código Eleitoral, isto é, no Decreto n. 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, que em seu artigo 97166 previu as hipóteses de nulidade de eleição.

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BRASIL. Constituição. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil:texto constitucional promulgado em 24 de fevereiro de 1891. DF: Senado,1891.“Art 23 - Nenhum membro do Congresso, desde que tenha sido eleito, poderá celebrar contratos com o Poder Executivo nem dele receber comissões ou empregos remunerados. (...) e Art 24 - O Deputado ou Senador não pode também ser Presidente ou fazer parte de Diretorias de bancos, companhias ou empresas que gozem favores do Governo federal definidos em lei. Parágrafo único - A inobservância dos preceitos contidos neste artigos e no antecedente importa em perda do mandato.

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BRASIL. Decreto-Lei n.º 21.076. (1932). “Art. 97. Será nula a votação: (...) 3) feita mediante listas de eleitores falsas ou fraudulentas; (...) 7) quando se provar coação, ou fraude, que altere o resultado final do pleito.”

Posteriormente, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934169, também previu no artigo 33, § 5º, a possibilidade de perda de mandato eletivo.

Além disso, o Código Eleitoral170 vigente, a Lei n.º 4.737 de 15 de julho de 1965, na redação original do artigo 222, contemplou a anulabilidade da eleição em diversos casos. Já na redação final, em seu artigo 237, caput, previu o combate ao abuso de poder e também disciplinou o Recurso contra a Expedição de Diploma, no artigo 262.

Logo se vê que a evolução da AIME já ganhavam contornos bem delimitados nestes dispositivos, pois as principais hipóteses de cabimento da Impugnatória estavam ali contempladas, tais como a corrupção, a fraude e o abuso de poder econômico.

Contudo, o artigo 222 foi esvaziado com a alteração perpetrada pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966, que revogou os parágrafos primeiro e segundo. A partir daí a jurisprudência da época passou a exigir a configuração de prova inequívoca e pré-constituída para apurar os citados ilícitos, o que, na prática, trouxe obstáculos a efetividade da norma.

Apesar disso, a lei nº 7.493171, de 17 de junho de 1986, que disciplinou as eleições para a constituinte, fixou em seu artigo 23 a possibilidade de perda do mandato eletivo daqueles eleitos com o abuso de poder político ou econômico, estatuindo que “A diplomação não impede a perda do mandato, pela Justiça Eleitoral, em caso de sentença julgada, quando se comprovar que foi obtido por meio de abuso do poder político ou econômico.”

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BRASIL. Constituição. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: texto constitucional promulgado em 16 de julho de 1934. DF: Senado,1891.Art 33 – (...)§ 5º - A infração deste artigo e seu § 1º importa a perda do mandato, decretada pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, mediante provocação do Presidente da Câmara dos Deputados, de Deputados ou de eleitor, garantindo-se plena defesa ao interessado. 170

BRASIL. Lei Ordinária n.º 4.737 (1965) “Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei. (...) Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos. (...) 262(...) IV - concessão ou denegação do diploma em manifesta contradição com a prova dos autos, nas hipóteses do art. 222 desta Lei, e do art. 41-A da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997. (Redação dada pela Lei n 9.840, de 28.9.1999)

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Assim, a idéia de uma ação típica para a impugnação do mandato eletivo em casos de graves ilícitos retomou fôlego no contexto da redemocratização do país.

Em seguida, adveio a lei nº 7.664, de 29 de junho de 1988, que regulamentou as eleições municipais de 1988. Nesta ocasião, o respectivo artigo 24172 delimitou as principais características da AIME, tal como foi prescrita na Carta Magna.

Dessa sorte, nota-se que as principais hipóteses de cabimento mais uma vez foram preservadas, inclusive, ampliadas com o termo genérico “transgressões eleitorais”, o que revelou uma mens legis forte no combate aos ilícitos eleitorais.

Além disso, a preocupação com a ocorrência de eventuais lides temerárias ou maliciosas restou expressamente prevista neste dispositivo legal, o que também serviu de justificativa para empregar sigilo à Impugnatória.

Na mesma linha, a Resolução n.º 14.597/88 do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, em seu artigo 50 também passou a regulamentar a AIME, reproduzindo o artigo 24 daquela lei.

Como ponto auge da evolução do instituto, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ascendeu ao status constitucional, de modo que a Constituição Federal de 1988 consagrou taxativamente esta importante ferramenta no combate à anormalidade e ilegitimidade das eleições.

A Ação está prevista atualmente na Constituição Federal de 1988, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu Capítulo IV – Dos Direitos Políticos, artigo 14, § 10 e § 11173.

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BRASIL. Lei Ordinária n.º 7.664 (1988) “Art. 24. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Eleitoral após a diplomação, instruída a ação com provas conclusivas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude e transgressões eleitorais. Parágrafo único. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.”

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n.º 1/92 a 66/2010. “Art. 14. (...) § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. § 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

Não obstante a consagração constitucional, a AIME inicialmente enfrentou alguns problemas de ordem prática, traduzidos na forte crítica realizada por Fábio Konder Comparato174, segundo o qual esta ação não existiria no mundo jurídico em virtude da ausência de lei específica que a regulamentasse, em especial quanto à legitimidade ad causam e à competência jurisdicional para processá-la e julgá-la. Refutou, inclusive, a aplicabilidade de lei infraconstitucional por analogia ou dedução.

Entretanto, a polêmica inicialmente criada fora pacificada com o advento da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral – TSE n.º 21.634/2004, de relatoria do Ministro Fernando Neves, que adotou o rito da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC, previsto no art. 3º da LC n.º 64/90, para as eleições de 2004.

Após, o TSE editou a Resolução n.º 21.635/2004, que confirmou a decisão pretérita e, de certo modo, supriu a lacuna legislativa, determinando as regras processuais a serem utilizadas no caso175. Tal conduta, sem dúvida, revelou maturidade da jurisprudência eleitoral, que deixou claro o animus de dar efetividade à norma.

Ainda naquela perspectiva, poder-se-ia cogitar se caberia o uso da Ação de inconstitucionalidade por omissão em virtude da ausência de lei específica (já que Resoluções do TSE somente possuem “força de lei”, nos termos do art.23, IX, do Código Eleitoral). No entanto, a inércia do Legislativo não estaria devidamente configurada, pois tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 3.781/97 (PLS-88/97), que regulamenta a AIME. Logo, não caberia a Ação de inconstitucionalidade por omissão.

Destaque-se, ainda, que a Reforma Eleitoral perpetrada pela Lei n.º 12.034/09, reforçou a exigência da celeridade processual eleitoral, em especial, naqueles casos que po-

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COMPARATO, Fábio Konder. Impugnação de Eleição de Governador de Estado. Direito Público – Estudos e Pareceres, Saraiva, 1996,p.166 ss.

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Aliás, procedimento idêntico fora adotado em relação à polêmica da Fidelidade Partidária, que culminou com as Resoluções n.º 22610/07 e nº 22.733/08, ambas do TSE, o que denota um ativismo judicial intrigante.

dem resultar em perda do mandato eletivo. Trata-se do seu artigo 97-A.176 Inclusive, tal celeridade já deveria ser mais respeitada na prática, sobretudo, em razão da natureza das eleições e da exiguidade dos mandatos eletivos. Contudo, não raras vezes, diversas ações eleitorais, a exemplo da AIME, resultavam infrutíferas em razão da demora no processamento e julgamento definitivo.

O dispositivo em questão aplica-se desde logo ao processo eleitoral decorrente da AIME, até porque se trata de norma processual e, portanto, de aplicação imediata aos processos em curso. Além disso, o artigo indica importante passo no sentido de dar efetividade àquela ação.

Conforme se viu, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME trilhou um longo caminho até ser erigida definitivamente à Lei Suprema do país. Essa trajetória, aliada às inovações legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias, revelam não somente uma ascendência pretérita do instituto, mas, principalmente, uma perspectiva ininterrupta de evolução.

Assim, pretendendo manter esse desiderato, a Impugnatória deve ser sempre tratada com empenho em seu aperfeiçoamento e à efetividade de seus propósitos, papel este que cabe a todos os personagens envolvidos em sua consolidação, tais como legisladores, julgadores, doutrinadores, partidos políticos, coligações, candidatos, advogados, ministério publico, dentre outros.

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BRASIL. Lei ordinária n.º 12.034. (1997). “Art. 97-A Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral.

§ 1º A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral. § 2º Vencido o prazo de que trata o caput, será aplicável o disposto no art. 97, sem prejuízo de representação ao Conselho Nacional de Justiça.”