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4 ESTRUTURA AGRÁRIA E PRODUTIVA DO PARANÁ E PERFIL DAS

5.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E ACESSO AOS MERCADOS PELAS COOPERATIVAS

5.1.1 Acesso ao Programa de Aquisição de alimentos (PAA)

Na pesquisa de Xavier (2016), que analisou cooperativas da agricultura familiar do Estado de Santa Catarina e sua interação com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),

a autora identificou uma sinergia positiva entre as iniciativas do governo federal e das organizações cooperativas que contribuíram significativamente para impulsionar o desenvolvimento das zonas rurais. Entretanto, a investigação também apontou limitações e desafios, que tanto o cooperativismo da agricultura familiar quanto as políticas públicas a ela direcionadas precisam superar para galgar mais espaço no meio econômico e social. Eles passam pela forma de organização interna, a metodologias de participação, relacionamento entre cooperativas e cooperados, bem como com outras organizações e instituições.

O PAA foi instituído em 2003 pelo artigo 19 da Lei nº. 10.696 de 2003 para possibilitar a compra de alimentos de agricultores familiares pelo poder público, com dispensa de licitação, e sua destinação a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, atendidas por programas sociais e instituições governamentais ou não governamentais integrantes da rede socioassistencial, como escolas, associações beneficentes, associações comunitárias, creches, centro de convivência de idosos, associação de apoio a portadores de necessidades especiais, centro de reabilitação de dependentes químicos, ou por equipamentos públicos de alimentação e nutrição, como as cozinhas comunitárias, os restaurantes populares e os bancos de alimentos (BRASIL, 2015).

Essas aquisições passaram a ser operadas sem licitação pública, a preços de mercado, com metodologia definida pelo Grupo Gestor do PAA (GGPAA)2, órgão responsável pelas

diretrizes de operacionalização do programa. O PAA foi criado a partir de uma articulação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) com o Governo Federal, como uma ação estruturante e intersetorial no contexto das estratégias do Programa Fome Zero3. A vinculação e articulação com outras iniciativas inseridas na agenda de combate

à fome, definidas como prioritárias pelo governo, proporcionaram o suporte político para garantir os recursos para sua execução, além da institucionalidade e legitimidade necessárias para obter a adesão de operadores, ganhar abrangência e importância (WWP, 2019).

Entre as premissas do programa, encontram-se o fortalecimento de circuitos locais, regionais e de redes de comercialização, a valorização da biodiversidade e da produção orgânica de alimentos, o incentivo a hábitos alimentares saudáveis e o estímulo ao

2 O GGPAA foi composto, originalmente, pelos Ministérios do Desenvolvimento Social (MDS), da Fazenda (MF), do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do Desenvolvimento Agrário (MDA) e, posteriormente, contou com a inclusão do Ministério da Educação (MEC).

3 O Fome Zero foi uma estratégia do governo federal para fomentar o acesso à alimentação, com a expansão da produção e consumo de alimentos saudáveis, por meio de programas como o Bolsa Família e o PAA, as políticas de garantia de renda, alívio imediato da fome e segurança alimentar e nutricional eram seus principais expoentes.

cooperativismo e associativismo. A interação entre os temas da pobreza rural e da segurança alimentar e nutricional possibilita combinar intervenções estruturais de estímulo à produção pela via do acesso ao mercado institucional com a ação emergencial de combate à fome. Um dos intuitos era reunir a capacidade de produção de alimentos dos agricultores familiares com a justa valorização da sua produção, aproximando esse grupo das populações sob risco de insegurança alimentar e nutricional. Nesse sentido, a partir da comercialização pela via dos mercados institucionais, seria possível a inclusão produtiva de agricultores familiares que poderiam ampliar sua produção e o acesso aos mercados e à renda, promovendo o desenvolvimento rural. Consequentemente, ao comprar alimentos in natura ou pouco processados, fornecidos pelos agricultores familiares, seria estimulada a alimentação saudável, aumentando a oferta de alimentos para uma dieta mais adaptada às características locais de cada comunidade.

O PAA possuía seis modalidades de compras diferentes e os limites individuais de entrega por agricultor também podiam variar de acordo com a modalidade: 1) Compra com Doação Simultânea, que adquire alimentos fornecidos por agricultores familiares para atender demandas locais de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional; os alimentos adquiridos são automaticamente distribuídos a entidades que atendem a esses públicos. 2) Compra Direta de produtos, geralmente não perecíveis, com o propósito de apoiar a sustentação de preços pagos a agricultores familiares; esses alimentos são armazenados em estoques públicos e podem ser utilizados para programas de alimentação. 3) A Formação de Estoques, que prevê apoio financeiro para que as organizações de agricultores familiares possam estocar alimentos, contribuindo para agregação de valor à produção. 4) PAA Leite, para a aquisição de leite de vaca ou cabra; após sua pasteurização, o leite é doado a famílias em situação de vulnerabilidade social ou entidades socioassistenciais. 5) Compra de Sementes, que faz aquisição de sementes e mudas de organizações de agricultores familiares a partir de demandas de órgãos federais e estaduais para doação, no atendimento de programas específicos. 6) Compras Institucionais, que permite que diversas organizações públicas adquiram alimentos utilizando recurso próprio, por meio de chamada pública; nessa modalidade especificamente, o decreto nº 8.473, de 22 de junho de 2015, estabelece que um percentual mínimo (30%) dos recursos previstos para a compra de gêneros alimentícios seja destinado à aquisição de produtos de agricultores familiares e de suas organizações e demais beneficiários da Lei nº 11.326/2006. Algumas dessas modalidades foram extintas ao longo dos últimos anos.

Quanto aos objetivos e à finalidade do PAA, desde seu início até o período atual, tem ocorrido uma diminuição nas aquisições. Devido à forma de apresentação das chamadas, vem ocorrendo dificuldade para os agricultores adequarem-se às regras impostas pelo Programa, que são diferentes das do PNAE. O PAA teve involução dos valores comercializados com as organizações da agricultura familiar nas chamadas públicas (Gráfico 10), sendo que, no período analisado, em sua maioria, houve decréscimo na comercialização, tanto em valores como em quantidades de alimentos entregues.

De acordo com as informações disponibilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), conforme se pode observar no Gráfico 10 e 11, a variação nos valores e quantidades comercializadas entre o Estado e as organizações da agricultura familiar sofreram queda no Brasil e no Paraná a partir do ano de 2013. Ao se observar as informações em valores (milhões de reais) comercializados em 2018 no Brasil (67,89 milhões), constata-se uma queda de 90% em relação a 2009, quando foram comercializados R$ 685,24 milhões em alimentos pelas organizações da agricultura familiar via PAA. No Paraná, em 2009, as organizações da agricultura familiar comercializaram produtos no valor de R$ 66,48 milhões e em 2018 alcançaram apenas R$ 2,15 milhões em venda de alimentos, apresentando involução de 96,7% no período analisado (BRASIL, 2018).

Gráfico 10 - Valores comercializados pelas organizações da agricultura familiar via PAA, todas as modalidades, Brasil - Paraná (2009 – 2018 em milhões de R$)

Nota: Dados atualizados pelo índice IGP-DI (FGV), informações de 12/2019. Fonte: Adaptado de MDS (2018).

Em relação às quantidades comercializadas em toneladas pelas organizações da agricultura familiar no período analisado (Gráfico 11), estas acompanharam o ritmo de queda dos valores comercializados, tanto a nível de Brasil quanto do Paraná. No Brasil, em 2009, foram cerca de 288 mil toneladas, enquanto, em 2018, foram apenas 23,6 mil, totalizando uma queda de 91,8% no período. No Paraná, em 2009, foram 31,1 toneladas e, em 2018. foram apenas 891 toneladas, contabilizando uma involução de 97,1%. Essas informações demonstram uma instabilidade do PAA no decorrer de sua trajetória, que consequentemente afetou as organizações da agricultura familiar que acessavam esse mercado institucional para comercializar sua produção. Para Montebello et al (2017), o programa que está inserido em um contexto de políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento rural e a agricultura familiar passou por um período de escassez de recursos e um processo de descontinuidade em sua condução, principalmente na oferta de chamadas municipais.

Gráfico 11 – Quantidade de alimentos comercializados pelas organizações da agricultura familiar via PAA, todas as modalidades Brasil - Paraná (2009 – 2018 em toneladas)

Fonte: Adaptado de MDS (2018).

De acordo com Sales (2018), principalmente em 2013, uma série de acontecimentos dificultou a manutenção do programa como política de combate à fome. Houve ainda questionamentos sobre sua legitimidade e burocratização. Por fim, somado a essas questões na trajetória do programa, no Paraná houve ainda a operação policial denominada Agro

Fantasma 4, deflagrada, em setembro de 2013, contra os agricultores e servidores públicos que

trabalhavam com o PAA, o que pode ter contribuído para o enfraquecimento do programa e do grupo de organizações que estava comercializando no período. De acordo com o relato do entrevistado 1 da cooperativa 30, eles tiveram suas operações paralisadas por algum período durante o processo de investigação:

Nós tivemos uma operação aqui e tivemos que fechar as atividades, parar com a cooperativa. Prenderam uma companheira nossa [...] ela ficou 37 dias presa e depois de cinco anos o Ministério Público absolveu todos. [...] enquanto isso nós pagamos um preço muito alto, porque a gente estava no leite, o leite estava bombando. Nós tínhamos preço, nós tínhamos estrutura aqui, nós estávamos pagando o melhor preço, forçamos os outros laticínios a pagar o preço. Porque o objetivo da cooperativa é esse: ela não é empresarial. Ela é de agricultura familiar e quem tem que ter renda é o produtor. Tudo aquilo que você agregava de valor, você repassava (Cooperativa 30 – entrevistado 1).

Posteriormente ficou comprovado que não houve lesão ao Estado por parte das organizações dos agricultores familiares e dos operadores da política, que foram gradativamente inocentados, mas os danos ao PAA, às organizações sociais e às pessoas foram irreparáveis. Diferente do PNAE, que possui grupos de alimentos que são intercambiáveis na entrega, para contornar problemas de produção, perecibilidade e possíveis intempéries climáticas, o PAA não previa tais situações, o que contribuiu para ocasionar dúvidas sobre sua execução. Para Sales (2018), o acesso aos mercados institucionais pelos agricultores familiares representa um modelo alternativo aos modelos de comercialização e de desenvolvimento pautados somente na produtividade, garantindo certa autonomia social e subsistência aos grupos que o acessam, além de viabilizar uma produção mais sustentável. Assim, se por um lado a instabilidade do programa afetou a quantidade comercializada pelas organizações que forneciam os alimentos, de outro afetou a estrutura e a finalidade do programa de ser uma ferramenta de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional. Em outras palavras, o seu declínio afetou tanto as organizações que realizavam a comercialização quanto os consumidores que necessitavam dos alimentos saudáveis produzidos pela agricultura familiar.

Assim como os volumes e valores comercializados via PAA diminuíram, também o número de organizações da agricultura familiar participantes e a quantidade de produtos entregues tiveram variação expressiva no período analisado, sendo que a maior queda ocorreu

4 Mais informações sobre a operação Agro fantasma podem ser encontradas na pesquisa de Sales: O caso do Programa de Aquisição de alimentos (PAA) e da operação Agro fantasma: Entre o desenvolvimento rural e a violência institucionalizada. Disponível em: https://hdl.handle.net/1884/56541.

no ano de 2013. No Gráfico 12, é possível observar, com base nas informações disponibilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que em 2012 o número total de organizações proponentes no Brasil (que contempla associações, conselhos rurais e cooperativas) era de 2.114, caiu para 820 em 2013 e chegou a apenas 576 organizações em 2018. No Paraná, conforme o Gráfico 13, no período analisado, o número de organizações da agricultura familiar alcançou seu pico em 2010, com 113 organizações proponentes, e fechou 2018 com apenas 155 proponentes. Isso mostra o enfraquecimento geral do programa, da

participação das organizações da agricultura familiar no programa e dos recursos públicos disponibilizados para a dinamização do programa (Gráfico 11).

Gráfico 12 – Organizações e cooperativas da agricultura familiar que comercializaram produtos via PAA, todas as modalidades, Brasil (2009 – 2018)

Fonte: Adaptado de MDS (2018).

Em relação às informações sobre a comercialização de produtos pelas cooperativas da agricultura familiar, os gráficos 12 e 13 trazem informações sobre o número de organizações que comercializaram produtos via PAA de 2009 a 2018 e evidenciam a diminuição do número de organizações proponentes. De acordo com o MDS, 34 cooperativas

5 Esse decréscimo de organizações proponentes e executoras coincide com o período pós-denúncia e criminalização do PAA, das organizações sociais e dos operadores da política no Paraná. O foco desta pesquisa não é este, mas caberiam estudos mais aprofundados para identificarem-se as causas, os interesses em jogo e as consequências dessa criminalização do programa, que era referência internacional de política pública de promoção da segurança alimentar e nutricional, tanto para as organizações sociais como para o Estado brasileiro e, especialmente, para a população pobre que acessava os benefícios do Programa.

da agricultura familiar comercializaram seus produtos via PAA em 2009, chegando a 66 participantes em 2013, mas em 2018 apenas 7 cooperativas participaram das chamadas públicas do programa. No Brasil, também ocorreu diminuição da participação das cooperativas da agricultura familiar no decorrer do período que alcançou 428 cooperativas em 2012 e baixou para 125 em 2018. O número total de organizações que participaram das chamadas públicas também teve queda no período, sendo que no Brasil, em 2012, foram 2.214 organizações da agricultura familiar que participaram da comercialização e, em 2018, apenas 576. No Paraná, considerando o período analisado, o ano com maior participação foi 2010, com 113 proponentes vinculados à agricultura familiar, baixando drasticamente para apenas 15 organizações em 2018.

Gráfico 13 – Organizações e cooperativas da agricultura familiar que comercializaram produtos via PAA, todas as modalidades, Paraná (2009 – 2018)

Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

Em relação às 30 cooperativas analisadas e sua participação no PAA, apenas três delas comercializaram em 2015, subindo para quatro em 2016, reduzindo-se a duas em 2017 e nenhuma em 2018. Quanto aos valores comercializados, em 2015 foram cerca de R$ 2,02 milhões; em 2016 baixou para cerca de R$ 1,64 milhões, caindo para R$ 431 mil em 2017. Os entrevistados manifestaram dificuldades para o enquadramento das cooperativas nas condições estabelecidas nos editais, além da diminuição das chamadas públicas do programa e de certo receio em relação aos problemas ocorridos no passado com os participantes do programa.

Nesse sentido, considerando as informações referidas, é inegável o papel do PAA no desenvolvimento rural e na trajetória das organizações da agricultura familiar, incluindo as cooperativas que são objeto desta pesquisa. No entanto, ao longo do tempo, ele passou por um enfraquecimento que levou à diminuição das quantidades e valores dos comercializados com essas organizações, ficando muito aquém do cumprimento integral de seu propósito, que visava suprir a dificuldade de acesso dos agricultores familiares aos mercados e constituir-se numa ferramenta de promoção da segurança alimentar e nutricional no país. Não obstante, percebe-se a importância de reformulação e manutenção de estratégias de desenvolvimento rural que resolvam adequadamente as demandas dos diferentes sujeitos com suas distintas necessidades no meio rural.

Por fim, observando-se programas de políticas públicas, como o PAA e o PNAE - este último será tratado a seguir - que priorizam o acesso aos mercados a agricultores familiares que enfrentam dificuldades de manutenção no campo, é possível engendrarem-se outras dimensões do rural e possibilidades de desenvolvimento que ultrapassem o viés das políticas creditícias de produção, calcadas principalmente na visão modernizante. Dessa forma, o fortalecimento desses programas é importante para que segmentos que ensejam ações diretamente vinculadas ao desenvolvimento rural (como as cooperativas da agricultura familiar) e almejam a soberania e segurança alimentar sejam beneficiados a partir do acesso aos mercados.