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2 COOPERATIVISMO, AGRICULTURA FAMILIAR E ABORDAGEM DA

2.1 COOPERATIVISMO AGROPECUÁRIO E ORGANIZAÇÕES COOPERATIVAS

2.1.2 Surgimento do cooperativismo no Brasil e no Paraná

No Brasil, as ações cooperativas foram influenciadas pelos ideais criados na Europa e pelo modelo Rochdale, mas o Estado só reconheceu o direito de associação aos cidadãos brasileiros na Constituição Federal de 1891, art. 72, parágrafo 8º: “a todos é lícito associarem- se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública” (BRASIL, 1891). De acordo com Diva Benevides Pinho (2003), pioneira nos estudos de cooperativismo no Brasil, inicialmente o cooperativismo brasileiro enfrentou dificuldades devido a problemas econômicos e sociais, como infraestrutura precária, analfabetismo e distância geográfica. As cooperativas agropecuárias foram menos afetadas, porque contavam com maior apoio financeiro e governamental do que os outros segmentos, devido à necessidade de inovação tecnológica no setor e à importância da agricultura para o desenvolvimento do país.

No Paraná, uma das primeiras iniciativas de ação coletiva no meio rural e que mais se aproximava do modelo cooperativista foi a Colônia Tereza Cristina, fundada em 1847 pelo francês Jean Maurice Faivre. A colônia era uma organização comunitária voltada para a produção rural que funcionava de acordo com os ideais cooperativistas, mas que não chegou a ser formalizada como tal. As próximas iniciativas que surgiram, em grande parte, estavam

3 Bialoskorski (2012) considera que as diferenças entre as estruturas de governança no Brasil e nos Estados Unidos têm influências de seu ambiente cultural, o que é resultado do maior coletivismo no Brasil e maior individualismo nos Estados Unidos. De acordo com o autor, essas diferenças podem implicar também na estrutura de governança e na maneira como os bens e direitos são considerados pela sociedade.

relacionadas aos imigrantes que chegaram ao Estado no início do século XIX. O ucraniano Valentin Cuts auxiliou na fundação de 14 cooperativas no estado, no período de 1918 a 1930 e o Padre Teodoro Drapienski fundou, em 1920, a Sociedade Cooperativa de Comércio União Lavoura, inspirada nos modelos das Caixas Rurais de Raiffeisen, iniciativa movimentada pelo Jesuíta Teodoro Amstad. Esse sistema também foi implantado em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, mas distanciava-se um pouco das finalidades básicas do cooperativismo, tendo princípios religiosos envolvidos (SERRA, 1995; PINHO, 2003).

Essas iniciativas estavam ligadas, principalmente, a grupos de imigrantes estrangeiros vindos da Europa e da Ásia para a colonização do país. A maioria foi constituída entre o final do século XIX e o início do século XX, com a finalidade de organizar os sistemas de produção de alimentos, servindo de ponto de apoio aos imigrantes recém-chegados, que tinham várias dificuldades em relação à língua local e à negociação de seus produtos. Essas organizações cooperativas de agricultores imigrantes foram mais comuns nas regiões Sul e Sudeste e algumas evoluíram e consolidaram-se ao longo do tempo como grandes conglomerados empresariais, por exemplo, as cooperativas de italianos, alemães, poloneses e holandeses que ainda perduram no Paraná e têm significativo impacto no desenvolvimento do Estado (Cooperativa Agrária, Castrolanda e Colônia Witmarsum). Essas cooperativas de agricultores imigrantes foram importantes ainda para a consolidação da estrutura agrária paranaense, já que auxiliaram na fixação desses grupos a terra, facilitando sua inserção socioeconômica e cultural nas diferentes regiões do estado (SERRA, 1995).

Na prática, a instalação de cooperativas constituiu-se em estratégia utilizada pelos imigrantes para, em melhores condições, terem assegurado seu desenvolvimento econômico e social longe do país de origem. A cooperativa, então, servia ao propósito de viabilizar a autossuficiência da colônia e, em segundo plano, também garantir excedentes por meio da comercialização dos produtos agrícolas e ou industrializados (SERRA, 1995). Destaca-se, nesse período, o estímulo do poder público ao cooperativismo, como um instrumento de reestruturação das atividades agrícolas e a promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro de 1932, passando a definir melhor as especificidades do movimento diante de outras formas de associação, como os fatores de impulso do cooperativismo agropecuário brasileiro naquele período (CASAGRANDE, 2014).

O processo de colonização do Paraná, ocorrido durante o século XX, tem relação direta com o desenvolvimento das organizações cooperativas, cuja ocupação se articulou em três principais frentes de desenvolvimento. A primeira englobava as regiões tradicionais,

polarizadas pelo eixo Curitiba-Paranaguá, dedicadas ao extrativismo e à pecuária extensiva. A segunda contemplava o Sudoeste, especializado em uma incipiente agricultura de subsistência, desenvolvida por produtores gaúchos e catarinenses, com diminuto grau de articulação comercial, por se depararem com barreiras para o escoamento das safras. A terceira frente era constituída pelo Norte cafeeiro, ligado à economia paulista e prejudicado pela deterioração dos preços externos dos produtos primários. À medida que essas três regiões se desenvolviam ocorria a expansão geográfica das cooperativas. Cada uma das regiões foi moldando-se de acordo com o contingente habitacional que passou a ocupar aquele espaço.. No Norte, a influência foi do café paulista, no Sudoeste e Oeste do estado, dos cereais e suínos gaúchos e catarinenses. O gado, a erva-mate e a madeira compunham a produção da frente tradicional (LOURENÇO, 2011; CASAGRANDE, 2014; KAIZER; PELEGRINO; PEIXOTO, 2016).

A motivação de surgimento das cooperativas nesse período, nas décadas de 1940 e 1950 na região Norte do Paraná foi a falta de vagões para o transporte da produção das safras até São Paulo. Na época, a falta de meios de transportes para o produtor significava não conseguir chegar ao mercado e ter sua produção deteriorada ou, ainda, ser obrigado a vendê-la a intermediários a preços menores. Posteriormente, na década de 1950, com a crise do café, também surgiram movimentos de agricultores pela criação de cooperativas para superar as dificuldades desse período. Seguindo o fluxo dos ciclos econômicos paranaenses, a extração da erva-mate, que havia sido o setor mais rentável da economia paranaense em meados do século XIX, também se utilizou de cooperativas para evitar o colapso geral do setor (REIS JUNIOR, 1986; KAIZER; PELEGRINO; PEIXOTO, 2016).

Observa-se que as estratégias de ação coletiva dos agricultores no decorrer desse período estavam, em grande parte, relacionadas à estruturação da atividade agrícola local, em razão da base dominante brasileira ser essencialmente agrícola. Por essa razão, houve colaboração do Estado para a ampliação da estrutura cooperativista e, com o apoio do Ministério da Agricultura, mediante convênio com as Secretarias de Agricultura dos estados, estenderam-se então, ações cooperativas de estímulo e, ao mesmo tempo, de fiscalização das cooperativas dos vários ramos. Esse foi também o período da “Revolução Verde” no país que acabou ocorrendo, de forma mais intensa, a partir da década de 1960, tendo como principais elementos a difusão de relações de trabalho capitalistas no meio rural e a incorporação de insumos industriais à tecnologia de produção. O Estado brasileiro reservou às cooperativas

agropecuárias o papel de executoras de políticas públicas voltadas ao setor rural (ALVES, 2003).

A partir de 1964 e após o declínio do ciclo econômico cafeeiro brasileiro foi instaurado o regime militar no país. Nesse período, ocorreram intensas alterações econômicas, as quais priorizaram a diversificação industrial e a modernização agrícola e agroindustrial. Particularmente no estado do Paraná, que tem o agronegócio como setor fundamental, houve a substituição das lavouras de café pelas lavouras mecanizadas de soja e trigo. Na tentativa de transferir forças políticas para dentro do sistema produtivo moderno e de estabelecer o novo modelo agrícola, o Governo Federal fortaleceu as cooperativas por meio da distribuição de financiamentos a juros altamente subsidiados (SERRA, 1995).

Após 1969, com apoio do Departamento de Assistência ao Cooperativismo (DAC), da Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná (SEAB), da Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná (ACARPA, atual Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) e da Comissão de Financiamento à Produção (CFP) e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), formou-se um movimento de integração entre as cooperativas paranaenses chamado de Projetos Integrados de Desenvolvimento do Cooperativismo.

De acordo com informações da Organização das Cooperativas do Paraná (OCEPAR), o objetivo dos projetos era rediscutir a forma de atuação das cooperativas, pois alguns municípios tinham mais de uma cooperativa operando em concorrência, o que as enfraquecia, enquanto outros municípios não tinham nenhuma. Os projetos foram desenvolvidos em três etapas, abrangendo regiões diferentes. O Projeto Iguaçu de Cooperativismo (PIC), criado em 1971, contemplou a reorganização do sistema no Oeste e Sudoeste. O Projeto Norte de Cooperativismo (NORCOOP) foi implantado em 1974, para reorganizar as cooperativas da região Norte do Estado, e o Projeto Sul de Cooperativismo (SULCOOP), iniciado em 1976, reorganizou as cooperativas da região Centro-Sul. A própria OCEPAR foi criada em 1971 para apoiar a implementação e execução dos projetos, que resultariam em grandes polos agroindustriais e estabelecimento e consolidação de grandes cooperativas no Estado (OCEPAR, 2017).

No início dos anos 1980, as mudanças do ambiente macroeconômico interno e externo brasileiro e as políticas adotadas pelo governo para se ajustar à nova conjuntura trouxeram à tona fragilidades estruturais das cooperativas agropecuárias, levando-as a uma

crise sem precedentes. Com isso, as políticas de desenvolvimento em vigor na década de 1970, apoiadas na ampla oferta de crédito oficial subsidiado e na concessão de incentivos fiscais foram abortadas no começo dos anos 1980, haja vista a necessidade de ajustar as contas públicas de combate à inflação e o desequilíbrio na balança de pagamentos. Submetidas a essa nova realidade, várias cooperativas que dependiam de políticas públicas creditícias para sua manutenção defrontaram-se com crescentes dificuldades financeiras, em grande parte relacionadas às suas estratégias de crescimento adotadas durante os anos de 1970, o que levou grandes cooperativas a entrarem em processo de liquidação nesse período (ALVES, 2003).

Em 1988, com o fim do regime militar, o sistema normativo que regia as cooperativas se desfez e a Constituição Federal reconheceu o direito de autogestão do cooperativismo. Embora se tenha mantido o apoio financeiro e educacional pelo Governo Federal, via Departamento Nacional de Associativismo e Cooperativismo (DENACOOP), foi retirado o caráter intervencionista do modelo anterior (PINHO, 2003). A década de 1990 foi marcada por muitas mudanças políticas e econômicas que afetaram diretamente o setor agropecuário e as próprias cooperativas. A abertura comercial e os planos de estabilização da moeda causaram grande impacto no setor que ainda estava em recuperação da grande crise da década anterior.

Nesse contexto, em 1998, criou-se o Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária (RECOOP). Suas operações foram financiadas pelo BRDE, mediante o refinanciamento de dívidas antigas e a alocação de recursos para o financiamento de novos investimentos. Por melhorar a situação cadastral das cooperativas junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), o programa marcou o início de um novo quadro, agora favorável às cooperativas. Em 2003, prosseguiram-se os incentivos ao sistema cooperativo, por meio de linhas de crédito rural subsidiadas, como o Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (PRODECOOP), voltado à modernização das sociedades cooperativas, à realização e ampliação de construções e à aquisição de máquinas e equipamentos.

Foi nesse cenário que ocorreu o surgimento das organizações cooperativas da agricultura familiar, que, até então, organizavam-se em associações comunitárias para promoção de ações coletivas. De acordo com Schneider (2003), foi em meados de 1990 que a expressão agricultura familiar emergiu no contexto brasileiro. Em grande parte, esse movimento de valorização do segmento como categoria social deveu-se ao contexto marcado

pela nova Constituição e por um ambiente de maiores liberdades políticas; foi nesse período ainda que foi criado o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)4. Posteriormente, em 2003/2004, com o anúncio do Plano Safra, consolidaram-se, por meio do programa, importantes linhas de crédito que poderiam ser utilizadas pelos agricultores familiares e por suas organizações cooperativas, como a linha de Investimento para Agregação de Renda (PRONAF Agroindústria Investimento), o Crédito de Industrialização para Agroindústria Familiar (PRONAF Industrialização) e foi anunciado também o Crédito para Integralização de Cotas-Partes por Beneficiários do PRONAF Cooperativados (PRONAF Cotas-Partes). No caso das duas primeiras modalidades, elas podem ser utilizadas tanto por pessoas físicas como jurídicas, objetivando a agroindustrialização de produtos e agregação de renda; já a última modalidade é uma linha específica para organizações cooperativas e que possuem Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) ativa.

As linhas de crédito ligadas ao PRONAF continuam vigentes atualmente e são importantes ferramentas de auxílio para a agroindustrialização e comercialização dos produtos das cooperativas da agricultura familiar, mas dependem anualmente dos orçamentos disponibilizados via Plano Safra pelo Governo Federal, nem sempre estando disponíveis para utilização pelos beneficiários. De toda forma, a melhoria no panorama mundial na primeira década dos anos 2000 alterou a conjuntura econômica nacional, dando novos horizontes ao desenvolvimento da agropecuária no Brasil e no Paraná (KAIZER; PELEGRINO; PEIXOTO, 2016).

No Paraná, embora o surgimento das cooperativas tenha partido de iniciativas de agricultores imigrantes, percebe-se que, ao longo do tempo, vem ocorrendo a predominância de grandes cooperativas, que se tornaram polos agroindustriais no estado. Prova disso é que, em 2018, 13 cooperativas agropecuárias paranaenses, que mantêm como premissas a

4 O Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) foi instituído pela Resolução 2191, de 24 de agosto de 1995 e o Decreto Presidencial nº 1946, de 28 de junho de 1996. De acordo com o Manual do Crédito Rural (MCR), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) destina-se a estimular a geração de renda e melhorar o uso da mão de obra familiar, por meio do financiamento de atividades e serviços rurais agropecuários e não agropecuários desenvolvidos em estabelecimento rural ou em áreas comunitárias próximas. Os créditos podem ser destinados para custeio, investimento, industrialização ou integralização de cotas-partes pelos beneficiários nas cooperativas de produção agropecuária. Os créditos de custeio destinam-se a financiar atividades agropecuárias e não agropecuárias de acordo com projetos específicos ou propostas de financiamento, os créditos de investimento se destinam a financiar atividades agropecuárias ou não-agropecuárias, para implantação, ampliação ou modernização da estrutura de produção, beneficiamento, industrialização e de serviços, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas, de acordo com projetos específicos e os créditos para integralização de cotas-partes destinam-se a financiar a capitalização de cooperativas de produção agropecuárias formadas por beneficiários do Pronaf (BACEN, 2019).

profissionalização na gestão e a verticalização dos seus processos e produtos, figuraram entre as 1000 maiores empresas do país. Nesse grupo, encontra-se a Coamo (50ª), a Cooperativa Vale (82ª), a Cooperativa Lar (100ª), a Cocamar (145ª), a Cooperativa Integrada (204ª), a Agrária (206ª), a Castrolanda (215ª), a Frimesa (263ª), a Coopavel (265ª), a Coasul (320ª), a Copagril (373ª), a Capal (424ª) e a Coagru (720ª) (AS 1000 MAIORES, 2018).

Bialoskorski Neto (2006) nomina esse grupo de organizações altamente profissionalizado de nova geração de cooperativas (NCG), que mantém princípios doutrinários do cooperativismo, mas possui uma nova arquitetura organizacional, que traz modificações nos direitos de propriedade para atingir maior nível de eficiência econômica. Essas organizações tendem a selecionar os agricultores, com objetivo de estabelecer uma planta de processamento para agregação de valor às commodities agropecuárias. Geralmente o objetivo inicial dessas organizações é aquele do mercado e não o dos produtores. Desse modo, elas são orientadas ao mercado e não apenas ao agricultor, como foi comum no processo de formação das cooperativas.

Isso posto, esta pesquisa tem como pressuposto que o propósito de surgimento das organizações cooperativas da agricultura familiar, surgidas após a década de 1990 e que estão sendo aqui analisadas, sua forma de governança, sua arquitetura organizacional e sua razão de existência diferem dessas cooperativas que evoluíram para grandes conglomerados agroindustriais. Entende-se que as cooperativas da agricultura familiar aqui pesquisadas possuem diferenciação em seu formato, até mesmo por manterem suas preocupações voltadas aos cooperados e à sua produção e como levá-los a acessar os mercados e realizar o escoamento de seus produtos, e não o contrário. Uma das evidências das diferenças dessa categoria de cooperativas em relação aos grupos anteriores é o grande número de organizações que surgiram a partir de 1990, demonstrando que os agricultores familiares precisavam de organizações que os representassem como categoria e dessem suporte ao processo produtivo e acesso aos mercados, principalmente para nichos não contemplados pelo grupo já existente de grandes cooperativas.

Nesse sentido, no tópico a seguir será realizada uma contextualização e caracterização da agricultura familiar para situar a categoria, que é responsável pela criação das organizações objeto desta pesquisa e o papel desses agricultores familiares no desenvolvimento rural, na produção de alimentos e na segurança alimentar e nutricional do país.