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2 COOPERATIVISMO, AGRICULTURA FAMILIAR E ABORDAGEM DA

2.6 ECONOMIA DE CUSTOS DE TRANSAÇÃO

2.3.2 Dimensões das transações

A ECT delimita as dimensões para descrever as transações focalizando nos fatores responsáveis pela impossibilidade de realizar uma transação ideal – na ótica tradicional da Análise Econômica do Direito – de acordo com a qual contratos ocorrem entre agentes anônimos, cuja continuidade não é relevante e a identidade das partes não importa (WILLIAMSON, 2005). Nesse sentido, os atributos considerados importantes para descrever as transações quando a identidade é relevante são: a especificidade dos ativos nas suas variadas formas (que originam dependência bilateral), a incerteza (que pode demandar adaptações coordenadas aos impactos externos) e a frequência (que valoriza a continuidade da relação e gera incentivos para pagar o custo da governança especializada).

Para Farina, Azevedo e Saes (1997), os ativos específicos são aqueles que não são reempregáveis a não ser com perdas de valor. Essa característica, aliada ao pressuposto de oportunismo e à incompletude dos contratos, torna o investimento nesses ativos sujeito a riscos e problemas de adaptação, gerando custos de transação. Quanto maior a especificidade, maiores serão os riscos e problemas de adaptação e, logo, maiores os custos de transação. Por depender da continuidade dessa transação, trata-se de um conceito indissociável do tempo. Zylbersztajn (1995) explica que a especificidade como dimensão dos ativos foi introduzida por Williamson (1985) para designar a perda de valor dos investimentos no caso de quebras oportunísticas dos contratos, que pode variar entre alta, intermediária ou baixa, dependendo do tipo de ativo. Um ativo é específico quando sua realocação para outra atividade, no caso de um rompimento no contrato, praticamente inexiste. Assim, a especificidade dos ativos coloca em risco o investimento realizado, caso a transação não seja efetivada, pelo fato da reutilização desse investimento em outra atividade ser baixa ou não existir.

A especificidade de um ativo seria um dos determinantes dos custos de transação e estes, da forma de governança da organização. A especificidade de um ativo é considerada um grau de especialização de determinado ativo que não permite que este seja, em diferentes graus, utilizado para outro fim senão aquele para o qual foi projetado. Desse modo, com uma

especificidade maior de ativos, a organização tende a ter um nível também maior de custos de transação, que faz com que traga ao seu interior certas atividades ou, de uma forma híbrida, procure um relacionamento contratualmente mais estável, de modo a sempre estar minimizando seus custos de transação (BIALOSKORSKI NETO, 2012).

Essa especificidade pode ser de diferentes espécies: geográfica, quando o espaço de localização é estratégico para o funcionamento da organização ou depende de alguma especificidade climática ou de solo (terroir); de caráter humano, quando esse capital passa a ser específico para a organização; de tempo, quando essa dimensão induz a uma situação específica; física, quando está relacionada às especificidades físicas dos diversos estágios de produção; dedicada, quando se relaciona a investimentos específicos, ou criação de modelos, para atender a alguns agentes econômicos também específicos; de marca, quando se refere ao capital e/ou valor associado à marca de um produto ou de uma organização (WILLIAMSON, 2012). Nesse sentido, o comportamento e o tipo de governança adotados pelas cooperativas podem ser observados em razão dos seus custos de transação e do grau de especificidade de ativos dessas organizações.

Já a natureza da incerteza está relacionada ao que é incerto, ou que incita dúvida, indecisão ou hesitação. Para Coase (2017, p. 41), “[...] trata-se de variável considerada relevante para o estudo do equilíbrio de uma organização. Parece improvável o surgimento de uma organização sem a existência da incerteza”. Essa variável pode ser introduzida por diferentes modos, um deles considerando os diferentes estados do ambiente que não estão sob controle dos agentes. De acordo com Zylberstajn (1995), na ECT a incerteza é vista como distúrbios exógenos que afetam as transações. Outro conceito, por vezes tratado como incerteza, é relacionado à confiança no comportamento do outro agente do contrato. A literatura trata tal conceito mais apropriadamente como confiabilidade (trust), que tem um carácter muito distinto de incerteza.

Um ponto interessante desse atributo é que um nível de incerteza mais elevado não indica, necessariamente, que formas de governança, cercadas de salvaguardas, como a híbrida, sejam as mais eficientes (BANKUTI, 2007). De acordo com Williamson (1996), em situações de alto grau de incerteza, as formas hierárquicas e de mercado são mais apropriadas do que as híbridas; em caso de ocorrerem distúrbios, as adaptações necessárias são mais difíceis de ocorrerem dentro de formas híbridas. North (2018) também discute a importância de instituições para diminuir a incerteza e estabelecer uma base estável para as relações. As instituições podem oferecer oportunidades para a sociedade, na medida em que reduzem a

incerteza ao conferirem uma estrutura à vida cotidiana. E as organizações são criadas para tirar proveito dessas oportunidades. Dessa forma, pode-se afirmar que as organizações são criadas em decorrência direta das oportunidades do ambiente institucional.

Para Zylbersztajn (1995), Williamson (1985) não explorou totalmente essa dimensão das transações em seu livro The Economic Institutions of Capitalism, abrindo espaço para um aprofundamento teórico e para trabalhos empíricos que busquem testar hipóteses e cotizar as previsões dos arranjos de governança emergentes, a partir dessas e de outras características das transações existentes. Como os sistemas ligados à atividade agropecuária são notadamente sujeitos a distúrbios, como sazonalidades produtivas, variações climáticas, flutuação de preços e outros fatores de difícil previsão, o tratamento dado à variável incerteza tornou-se de fundamental importância para pesquisas relacionadas ao segmento. Williamson (1989) comenta ainda que transações conduzidas em ambiente de certeza são relativamente menos interessantes. Exceto enquanto se distinguem pelo tempo requerido para alcançar uma nova configuração de equilíbrio, qualquer configuração de governança será capaz de atingir tal ponto.

A frequência das transações é uma importante variável exógena e determinante do modo de governança adequado. Para transações com elevado grau de recorrência existe maior possibilidade de retorno a investimentos associados a estruturas com altos níveis de especificidade de ativos (ZYLBERSZTAJN, 1995). Essa dimensão das transações possui dois aspectos principais: a possibilidade de construir uma boa reputação entre os agentes envolvidos e a possibilidade de proporcionar uma diluição dos custos inerentes às transações. Assim, se a transação entre dois agentes ocorrer de maneira frequente, é provável que esses agentes sintam-se motivados a realizar essa transação de maneira correta e ética, para não perderem negociações ou contratos futuros com a outra parte. Por outro lado, se a transação ocorre uma única vez, uma das partes pode agir de maneira oportunista e tirar vantagem na negociação, já que não voltará a negociar com aquele mesmo agente (BANKUTI, 2007; SARTORELLI, 2017).

No nível da análise das transações que existem nas cooperativas agropecuárias, estas são caracterizadas por serem muito frequentes entre a cooperativa e o cooperado (produtor rural). Apresentam também alta especificidade temporal, devido aos problemas oriundos do fato de os produtos agropecuários serem perecíveis ou ainda pela necessidade sazonal de colheita e preparo para armazenagem. Outra especificidade importante e característica é a

geográfica, uma vez que os produtos agropecuários precisam de determinada combinação de fatores edafoclimáticos para o seu desenvolvimento (BIALOSKORSKI NETO, 1995).

Dessa forma, as transações frequentes com os agricultores e com alta especificidade de ativos influenciam na determinação da estrutura de governança dessas organizações. Isso faz com que a propriedade rural e o próprio agricultor sejam importantes atributos de capital físico e humano para a cooperativa. “Por essas razões, as organizações cooperativas são formas organizacionais adequadas para coordenar processos com tais evidências de especificidade e governança, em comparação às empresas não cooperativas e ao próprio sistema de preços em nível de mercado.” (BIALOSKORSKI NETO, 1995 p. 33).

A frequência com a qual as transações ocorrem nas cooperativas também é importante para determinar a possibilidade de internalização de determinada etapa produtiva sem perder eficiência relacionada à escala. A frequência está ainda associada à determinação da identidade dos atores que participam da transação (ZILBERSZTAJN, 1995). Em síntese, tanto o grau de especificidade dos ativos quanto a frequência dos contratos e a consideração da incerteza existentes influenciam nos custos de transação e nas estruturas de governança adotadas pelas organizações cooperativas. Dessa forma, a seguir serão apresentadas as conexões entre essas dimensões, entre os tipos de arranjos contratuais e as formas de governança que servirão de arcabouço de análise para esta pesquisa.