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4 ESTRUTURA AGRÁRIA E PRODUTIVA DO PARANÁ E PERFIL DAS

5.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E ACESSO AOS MERCADOS PELAS COOPERATIVAS

5.1.3 Acesso a outros mercados

A possibilidade de acesso a mercados alternativos, para além dos mercados institucionais que foram tratados nas seções anteriores a este capítulo, acontece a partir do fortalecimento do segmento da agricultura familiar. Quando ocorreu o acesso aos mercados institucionais, primeiro via PAA, mesmo com o declínio dos contratos e das quantidades comercializadas no período analisado (ver gráficos de 11 a 16), abriu-se a possibilidade de acesso ao mercado do PNAE, mas também se acendeu a luz das incertezas quanto a esses mercados institucionais perdurarem e manterem os percentuais de aquisição. Tal incerteza será analisada detalhadamente no capítulo seguinte, com base nas informações da pesquisa de campo, mas de modo geral observa-se que existe uma preocupação das cooperativas da agricultura familiar sobre a continuidade dos serviços que são prestados aos seus cooperados e dos quais estes dependem para a reprodução de suas atividades nas propriedades familiares. Elas podem ser na forma de organização produtiva, com a diversificação, a comercialização de alimentos ou com aproveitamento do excedente produzido nas propriedades, agregação de valor aos produtos in natura com a agroindustrialização ou elaboração de refeições, diminuindo a perecibilidade dos alimentos e aumentando a possibilidade de acesso aos mercados.

Dessa forma, é importante conhecer as formas de acesso a outros mercados pelas cooperativas da agricultura familiar e suas experiências vivenciadas para compreender quais outras organizações e instituições participaram e foram importantes em suas trajetórias de desenvolvimento. Entre os principais mercados mencionados durante as entrevistas, além do PAA e do PNAE, foram citadas a comercialização via Circuito de Comercialização da Rede Ecovida (orgânicos), a comercialização de soja via Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel (PNPB), parcerias público-privadas para escoamento para redes de supermercados, como é o caso do Grupo HF, a criação de cozinhas comunitárias (restaurante popular) e sacolões, além das vendas convencionais via centros de distribuição, atacado e varejo.

A Rede Ecovida6 constituiu-se em uma das formas alternativas de escoamento da

produção das cooperativas e associações da agricultura familiar que trabalham com alimentos agroecológicos. De acordo com Darolt, Grando e Almeida (2016), foi criado um circuito a partir da necessidade de circular os alimentos que se perdiam nas propriedades e encontravam-se distantes dos grandes centros de consumo. O objetivo foi ampliar a venda direta aos consumidores, com preços justos e geração de relações de confiança entre quem produz e quem consome os produtos. Ao possibilitar aos agricultores familiares envolvidos acesso ao mercado, foi possível aumentar a diversidade e quantidade de produtos agroecológicos ofertados, ampliando a rede de comercialização de produtos certificados.

Entre os princípios que direcionam o processo de comercialização pelo circuito da Rede Ecovida7, encontram-se a facilitação do acesso aos alimentos agroecológicos aos

consumidores, a democratização do consumo de alimentos agroecológicos, a diminuição da distância entre o local de produção dos alimentos e seus consumidores, a cooperação e o compartilhamento dos benefícios gerados pelo processo de circulação de mercadorias entre os atores envolvidos, bem como o compromisso dos participantes de apoiarem a inclusão de agricultores e consumidores nesse mercado. Desse modo, foi a construção de relações de mercado dessa natureza que estimulou a construção dessa rede solidária de produção e circulação de produtos agroecológicos.

6 A Rede Ecovida iniciou a partir da identidade e do reconhecimento histórico entre as iniciativas de ONGs e organizações de agricultores construídos na região Sul do Brasil. Sua formação data de 1998, como resultado da articulação iniciada anos antes por essas entidades. Atualmente conta com 27 núcleos regionais, abrangendo cerca de 352 municípios. Seu trabalho congrega, aproximadamente, 340 grupos de agricultores (abrangendo cerca de 4.500 famílias envolvidas) e 20 ONGs. Em toda a área de atuação da Ecovida, acontecem mais de 120 feiras livres ecológicas e outras formas de comercialização (REDE ECOVIDA, 2019).

7 No capítulo 6, são detalhados a forma de trabalho e os modelos de contratos existentes entre o Circuito da Rede Ecovida e as cooperativas da agricultura familiar.

Para Conceição, Escher e Campagnollo (2016), essas iniciativas afloram em um contexto de mudanças do sistema agroalimentar e da emergência de novas dinâmicas de desenvolvimento rural nas quais consumidores, produtores e movimentos sociais rurais e urbanos buscam não só desenvolver novas práticas de consumo e produção, mas também influenciar novas políticas, com vistas em valores como a sustentabilidade ambiental e a justiça social. Exemplos desse interesse mútuo se refletem em modelos de ação coletiva, como o da rede de circulação de produtos agroecológicos, os quais têm como premissa estabelecer relações entre organizações de agricultores familiares e consumidores agroecológicos, resultando na abertura de novos mercados e de redes alimentares alternativas. Niederle e Almeida (2013) apontam que o direcionamento de políticas públicas específicas que priorizam o segmento agroecológico e a entrada de novos atores em diferentes elos das redes de produção, distribuição, certificação e assessoria auxiliaram no desenvolvimento desses mercados. Também impulsionaram a transformação do mercado de produtos orgânicos e agroecológicos, facilitado pelas reformulações nas regras e normativos que permitem a criação de novos modelos de mecanismos de controle e certificação desses produtos, que têm fortalecido modelos de certificação participativa, que possuem custos mais acessíveis e podem ser reproduzidos pelos próprios agricultores familiares com assessoria de organizações como a Rede Ecovida. Dessa forma, a trajetória das cooperativas da agricultura familiar é influenciada e também incide na visão da Rede Ecovida, e os mercados originados dessas discussões não existiriam se não ocorressem esses movimentos e processos participativos, pois, além da certificação participativa, existe uma forte intercooperação entre as organizações participantes, a qual propicia a troca de produtos entre os grupos e de experiências de gestão e tomadas de decisões que são tratadas coletivamente.

Assim como a ideia de criação do Circuito da Rede Ecovida passou pela necessidade de autonomia das organizações para acessar os mercados e autonomia dos consumidores para acessar uma rede de alimentos agroecológicos, outros mercados vêm sendo acessados pelas cooperativas por meio de projetos em parceria com outras organizações e instituições. É o caso das Cozinhas Comunitárias, que surgiram da parceria das cooperativas com os governos estadual e municipais. Segundo o MDS, elas são definidas como equipamentos de capacidade média de atendimento e devem ser executadas por órgãos ou entidades dos governos estaduais, municipais e/ou do Distrito Federal, por meio de convênios ou contratos para a construção ou ampliação de unidades de segurança alimentar. Os repasses são realizados por meio de editais públicos e sua gestão deve ser realizada por órgãos da administração pública,

podendo ter a parceria de organizações privadas sem fins lucrativos e da sociedade civil organizada, como é o caso das cooperativas (BRASIL, 2013).

O programa de cozinhas comunitárias visa estabelecer uma rede de proteção alimentar para os segmentos populacionais expostos à insegurança alimentar8 , baseada nas

estratégias de ampliação da oferta de refeições nutricionalmente balanceadas e na inclusão social produtiva (BANDONI et al., 2010). A instalação das cozinhas comunitárias nos municípios com o gerenciamento das cooperativas da agricultura familiar possibilita o aproveitamento de alimentos que foram produzidos nas propriedades dos cooperados e que não foram ou não puderam ser escoados para outros mercados, haja vista que o mercado consumidor exige uma padronização visual dos alimentos. Por exemplo, uma abóbora que possua um tamanho desproporcional, ou uma laranja, ou uma maçã, dificilmente consegue colocação no mercado e, caso a cooperativa não agroindustrialize esses produtos em forma de geleia ou suco, por exemplo, não seria possível comercializá-los.

Dessa forma, a gestão de cozinhas comunitárias pelas cooperativas da agricultura familiar possibilita que alimentos produzidos pelos seus cooperados e que não possuam o nível de padronização exigido, mas que estejam adequados às normas previstas na legislação9

em vigor sejam utilizados no preparo de refeições diárias e servidos nas cozinhas comunitárias, gerando renda para quem produz, diminuindo o desperdício de alimentos e contribuindo como ferramenta de combate à insegurança alimentar dos municípios nos quais estão inseridas. Ademais, o preparo dos alimentos é realizado pelos próprios cooperados, o que novamente traz a questão tratada anteriormente sobre a valorização das receitas regionais e o resgate da cultura e da memória local.

Quanto aos mercados acessados pelas cooperativas entrevistadas e que envolvem os setores público e privado no Paraná, principalmente na região Sudoeste, destacam-se o Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel (PNPB) e o escoamento de produtos para redes de supermercados. Quanto à importância do PNPB para as cooperativas da agricultura

8 Segundo Marín-León et al. (2005), “segurança alimentar” é o acesso, por meios socialmente aceitáveis, a uma dieta qualitativa e quantitativamente adequada às necessidades humanas individuais para que todos os membros do grupo familiar se mantenham saudáveis. Em contrapartida, o conceito de “insegurança alimentar” aqui empregado engloba desde a preocupação e angústia ante a incerteza de dispor regularmente de comida, até a vivência da fome por não ter o que comer um dia todo, passando pela perda da qualidade nutritiva, incluindo a diminuição da diversidade da dieta e da quantidade de alimentos bem como as estratégias para enfrentar essa adversidade (BAZZOTI; COELHO, 2017. p. 118).

9 De acordo com informações do Ministério da Cidadania, que é o atual gestor do programa, as cozinhas comunitárias são regidas pelos normativos a seguir: Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006; RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002 (ANVISA); Portaria nº 326 - SVS / MS, de 30 de julho de 1997 (Secretaria de Vigilância Sanitária); Portaria nº 1.428 - SVC/MS, de 26 de novembro de 1993; Código Sanitário Nacional - Parte V; e Resolução CFN n°380/2005, de 28 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2019).

familiar, este foi lançado em 2004 pelo governo federal e tem como premissa a introdução sustentável do biodiesel na matriz energética, a geração de emprego e renda, em particular para a agricultura familiar, a redução da importação de óleo diesel, a disponibilização de incentivos fiscais e a implementação de políticas públicas para produtores das regiões mais carentes, a garantia de preços competitivos, qualidade e suprimento e produção de biodiesel a partir de diferentes fontes oleaginosas (GARCIA, J., 2007; BAZOTTI, 2016).

Para Bazotti (2016), as análises dos cálculos do custo de produção da soja apontam para a necessidade de grandes extensões de terra e de produção em escala para que esta cultura seja viável economicamente, o que não é possível para a maioria dos agricultores familiares que possuem áreas de terra de tamanho reduzido. Dessa forma, para autora, a lucratividade por si só não explica a permanência dos agricultores familiares no cultivo da soja:

O mercado consolidado, aliado à liquidez do produto proporcionado pelas diversas empresas, tanto cerealistas quanto cooperativas, apresenta-se como pilar da sojicultura na agricultura familiar. O mercado e a cadeia consolidada da soja fornecem ao agricultor segurança de produção e de venda. Os benefícios da mercantilização são importantes e visíveis, sendo a renda e a liquidez centrais para a persistência dos produtores na sojicultura. É possível vender a soja no momento em que o agricultor necessita, possibilitando ter “dinheiro na mão” para a realização de investimentos ou para a consecução dos pagamentos. [...], entretanto, o mercado tem seus riscos e suas exigências, tornando o agricultor seu dependente, e, em uma reversão de comportamento – por exemplo, redução na aquisição de grandes volumes de soja –, o agricultor não teria outro destino para o produto, dado que hoje toda a produção é vendida. Assim, o mercado pode se mostrar traiçoeiro, principalmente para o agricultor que busca, antes de tudo, a reprodução da sua família e da sua propriedade (BAZOTTI, 2016, p. 150).

Assim, políticas públicas de incentivo à produção, como o PRONAF10, ou de

comercialização, como o PNPB, que possuem incentivos de assistência técnica e monetários para agricultores que comercializam pelo programa abrem possibilidade de melhoria da renda por meio do acesso a esses mercados. Por outro lado, incentivam a inserção e dependência dos agricultores nas cadeias de commodities. Ademais, deve-se considerar que essas políticas de produção e comercialização possuem um importante papel na trajetória de reprodução da agricultura familiar e de suas cooperativas no Paraná, bem como na forma de desenvolvimento rural das regiões nas quais estão inseridas.

Sobre a atuação no PNPB, em sua estrutura, o governo federal instituiu o Selo de Combustível Social (SCS) 60, com a finalidade de incentivar as indústrias de biodiesel a

10 Para mais informações sobre a política publicado do PRONAF, ver o trabalho de BIANCHINI “20 anos de PRONAF 1995 A 2015: avanços e desafios” em: http://www.mda.gov.br/sitemda/pronaf20anos.

adquirirem parte da matéria-prima da agricultura familiar, por meio de contrato11 prévio

(BAZOTTI, 2016). O objetivo principal do programa é estimular a produção e o uso de biodiesel, promovendo a integração da agricultura familiar ao agronegócio brasileiro. De acordo com Garcia (2007), o PNPB diferencia-se de outros programas criados anteriormente e que estimulavam a produção de biodiesel pelo seu enfoque social e por enquadrar-se nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)12, que visa aumentar substancialmente a

participação de energias renováveis na matriz energética global até 2030.

Sobre as parcerias com redes de supermercados, do poder público e das cooperativas da agricultora familiar, estas têm contado com incentivo das associações comerciais locais, das prefeituras e da EMATER, triangulando respectivamente, o fomento à comercialização (pelas redes de supermercados), organização produtiva e de convênios (pela prefeitura, estados ou governo federal) e a assistência técnica. Sobre a organização dessas parcerias e abertura de mercados, o Ministério da Agricultura (MAPA) pretende, por meio de acordo de cooperação técnica com a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), incentivar a venda de produtos da agricultura familiar com as redes. A ideia é que os produtos levem a identificação do selo da agricultura familiar, permitindo aos consumidores verificarem a origem desses alimentos nas prateleiras e valorizarem os alimentos locais e regionais (BRASIL, 2019).

Um exemplo de parcerias público-privadas no Paraná em funcionamento e que conta com a participação das cooperativas da agricultura familiar é o Projeto Hortifruticultura (HF). Para os agricultores, essa é uma forma de escoar a produção excedente que não é consumida nas propriedades e nos programas institucionais como o PNAE e PAA, embora, pela fala dos entrevistados, o nível de exigência seja maior que nos programas institucionais e o preço acompanhe as oscilações da oferta e da demanda do mercado. Nesse sentido, tanto na negociação de condições de preços como na organização produtiva e de logística torna-se imprescindível o papel das cooperativas da agricultura familiar. Cabe ressaltar que há interesse do setor público nesse tipo de direcionamento, pois essas parcerias podem alavancar a economia local, ampliar a renda familiar e ampliar a arrecadação municipal, por meio das notas de produtor rural e do repasse do ICMS, obtidos com as vendas.

Cabe mencionar que as feiras livres foram citadas pelas cooperativas analisadas, mas como um movimento dos agricultores familiares associados que está pouco presente no

11 Detalhes sobre a formatação do contrato serão tratados no capítulo 6 e no Anexo A pode ser visualizado um modelo de minuta.

portfólio das cooperativas. Muitas feiras existiam antes da consolidação das cooperativas e já há uma prática conduzida pelos próprios agricultores nesse modelo. Nesse caso, parte do excedente que não é comercializado pela via das cooperativas é levado para esses espaços e comercializado diretamente com os consumidores, de modo que seria necessário um estudo mais específico para averiguar esse mercado.

Para Pierri e Valente (2015), as feiras livres são estrategicamente promissoras no propósito de efetivar o escoamento da produção de muitos agricultores familiares e geralmente acontecem em espaços públicos, onde ocorre a troca de mercadorias entre produtores, além do escoamento da produção local direto ao consumidor. Enfim, esses são alguns exemplos (embora existam outros que não foram aqui citados) que demonstram o envolvimento das cooperativas da agricultura familiar na criação de caminhos para acesso aos mercados. Essa trajetória se encontra com a trajetória das políticas públicas. Estas, muitas vezes, têm direcionado mudanças em sua normatização e mostrado a relevância da agricultura