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2 COOPERATIVISMO, AGRICULTURA FAMILIAR E ABORDAGEM DA

2.5 INSTITUIÇÕES E AMBIENTE INSTITUCIONAL

Para Douglass North, “A história importa, importa não só porque podemos aprender com o passado, mas também porque o presente e o futuro estão relacionados com o passado por meio da continuidade das instituições de uma sociedade” (NORTH, 2018, p. 9). Para esse autor, as instituições são vistas como as regras que pautam o comportamento da sociedade, e seu surgimento está relacionado à presença da incerteza e à superação dos custos de transação. Essas instituições podem ser formais ou informais. As formais são as leis e constituições formalizadas e escritas, em geral impostas pelo Estado ou por outro agente com poder de coerção, e as informais são as normas ou códigos de conduta, formados em geral no âmbito da própria sociedade. Para Gala (2003), embora o nível de abstração do conceito de instituição seja alto, North o reduz, aplicando-o de forma específica na economia, notadamente na intermediação de interações econômicas entre os agentes.

Nessa perspectiva, pode-se fazer a leitura de que as instituições representam uma restrição para os agentes no curso de suas transações econômicas. Entretanto, embora a palavra restrição, como substantivo, esteja relacionada à condição restritiva, com sentido de imposição de limite ou condicionante, as instituições podem ter papeis adicionais, não só coercitivos. Um exemplo disso seriam as políticas públicas, em que o normativo previsto pode ser construtivo, além de restritivo. No caso da agricultura familiar, as regras que se referem ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar trazem diversos benefícios para o segmento, embora existam exigências específicas para a participação ou sanções em caso de violação das normas.

Quanto às organizações, elas são os principais agentes de uma sociedade e incluem diferentes grupos: organizações políticas − partidos, conselhos de classe, órgãos de regulação, organizações econômicas e sociais; associações, igrejas, clubes, empresas, cooperativas, agricultores familiares; e organizações educacionais − escolas, universidades e centros de formação (NORTH, 2018). Nesse contexto, a governança, como forma de coordenação das transações das organizações, exerce papel fundamental para o funcionamento das instituições, já que estas sustentam a atividade econômica e as transações por meio da proteção dos direitos de propriedade, do cumprimento dos contratos e da realização de ações cooperativas para prover a infraestrutura organizacional e física das organizações (DIXIT, 2009).

Considerando a relação existente entre os conceitos de instituição, organização e governança, a NEI propõe duas vertentes analíticas que são complementares e podem ser aplicadas também ao estudo das organizações cooperativas. A primeira, de natureza macro, refere-se ao ambiente institucional e foi trabalhada por Douglass North (2018), que focaliza a origem, a estruturação e as mudanças das instituições8. A questão central para o autor é explicar a origem e as mudanças das instituições, vistas como as regras que pautam o comportamento da sociedade. A segunda, de natureza microinstitucional − que compõe o foco principal desta pesquisa − estuda a natureza explicativa dos diferentes arranjos institucionais por meio da análise de suas transações (ZYLBERSZTAJN et al., 2005).

8 “O ambiente institucional tem nos direitos de propriedade da terra, nas políticas de preços mínimos, na reforma agrária e nas políticas de segurança alimentar, elementos determinantes sobre as ações dos agentes que compõem os sistemas agroindustriais (SARTORELLI, 2017, p. 18).

Figura 1– Níveis analíticos da Nova Economia Institucional

Fonte: Adaptado de Sartorelli (2017), com base em Farina, Azevedo e Saes (1997).

A operação das organizações vista como arranjos institucionais é pautada pelas regras do jogo (instituições). O que confere a conexão entre as duas vertentes é que ambas consideram as instituições relevantes e passíveis de análise, sendo que a vertente microinstitucional parte da visão da firma como um nexo de contratos. “Nesse cenário, o mercado é visto como uma instituição, que demanda regras definidas para sua operação” (ZYLBERSZTAJN, 2005, p. 397).

Embora essas vertentes tenham trajetórias distintas, desenvolveram-se de forma paralela e possuem como ponto de referência comum o trabalho de Coase, de 1937. No entanto, foi somente a partir de Williamson (1993) que se desenvolveu a ligação entre as estruturas de governança e o ambiente organizacional, permitindo assim uma agenda de pesquisa comum e complementar. Em síntese, como se pode observar na ver Figura 1, o nível macroanalítico está preocupado com as questões de mudanças e influências do ambiente institucional nas organizações e o nível microanalítico se preocupa em analisar a formação de estruturas de governança nas organizações, por meio de elementos da ECT (SARTORELLI, 2017).

Para North (2018), que foi o precursor das pesquisas relacionadas ao ambiente e à mudança institucional, a NEI possui duas principais premissas: a primeira é que o marco teórico deve ser capaz de abarcar uma análise acerca do modo pelo qual as instituições modificam o conjunto de opções que chegam às pessoas; a segunda é que esse marco deve

ser construído tendo em conta os determinantes básicos das instituições, de forma que não só se possa definir o conjunto de opções que realmente estão disponíveis em um determinado momento, mas também analisar a forma pelas quais as instituições se modificam e, por isso, alteram esse conjunto disponível ao longo do tempo. Esse conjunto de alternativas é formado pela estrutura de regras de decisão política (regras do jogo), pelos direitos de propriedade e pelas normas de comportamento que limitariam as alternativas disponíveis para os indivíduos. Essas alternativas, após delimitadas, incluem as múltiplas dimensões que caracterizam os bens e serviços e a atuação dos agentes, o que é relevante, haja vista que é a agência dos atores que conduzirá às mudanças institucionais ao longo do tempo.

O ambiente institucional é importante na caracterização das cooperativas agropecuárias. Cook (1995) definiu cinco estágios (Figura 2) entre o aparecimento, o crescimento e a extinção dessas organizações cooperativas, por meio de uma leitura institucional. De acordo com o autor, o ambiente institucional que provoca o aparecimento das organizações cooperativas é aquele cujos atores econômicos buscam uma atitude de defesa contra um sistema de preços e de mercados falhos. O oportunismo empresarial das “firmas de capital” eleva o preço dos insumos ou reduz o preço das commodities e produtos agrícolas, fazendo com que seja insustentável uma atitude diversa da de organização e defesa, aliada a facilidades institucionais de políticas públicas que visam à elevação da renda na agricultura.

Figura 2 – Ciclo de vida das organizações cooperativas

Para Cook (1995), uma vez que as empresas cooperativas sobrevivam a esses mercados concentrados, no estágio seguinte seus preços e conduta não serão diferentes dos preços das “firmas de capital”, mas apresentarão custos de transação mais elevados, dada a distribuição dos direitos de propriedade e, assim, estarão em desvantagem competitiva. Nos últimos estágios, há estas alternativas: a cooperativa se adapta a uma nova estruturação que minimize os custos de transação e suas desvantagens diante das outras empresas, estabelecendo alianças estratégicas com “firmas de capital” ou se transforma em uma organização com direitos de propriedade bem estabelecidos; extingue-se e transforma-se em uma sociedade anônima; ou ainda é liquidada e desaparece.

Desse modo, ao analisar as organizações cooperativas, é necessário compreender os fatores que levam à formação e à manutenção de uma organização estruturada sob essa forma. Tendo por base o pressuposto de que a situação da cooperação se estabeleça entre os agentes, e que esta é mais interessante para o grupo como um todo, pode ser elaborada uma análise sob o prisma institucional dos direitos de propriedade, da divisão entre propriedade e controle, e dos custos de transação e do agenciamento (BIALOSKORSKI NETO, 2012). Dessa maneira, reconhecendo que as organizações cooperativas da agricultura familiar são empreendimentos recentes, em sua maioria surgidas a partir da década de 1990, nesta análise busca-se verificar a pertinência desses pressupostos em relação ao ambiente institucional no qual estão inseridas.

Entende-se que as organizações da agricultura familiar apresentam peculiaridades e diferenciações em relação às outras gerações de cooperativas brasileiras surgidas antes de 1990 e que já foram analisadas a partir do referencial supracitado. Dessa forma, conjugando os estudos realizados e a pesquisa empírica realizada com as cooperativas da agricultura familiar, espera-se compreender melhor essas diferenciações e a aplicabilidade do referencial. Nesse sentido, no tópico que segue, serão delineados os elementos que compõem a vertente microanalitica da NEI e da ECT, que são primordiais para esta discussão na identificação dos arranjos institucionais, análise e determinação das estruturas e problemas de governança das cooperativas da agricultura familiar.