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Art. 11 Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

§ 1° O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

§ 2° O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

§ 3° Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.

§ 4° Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo.

I – DOUTRINA

Fixação da competência legal e judicial brasileira por tráfego de dados. O Marco Civil, em situação incomum, determinou que há competência brasileira para julgar casos de proteção de dados pessoais em que os dados são trafegados em servidores brasileiros, pois o tráfego de dados, em última instância prática, é um procedimento técnico de transmissão ou tratamento de um dado. Dessa forma, há tráfego de dados em servidores brasileiros, há que se aplicar a lei nacional para julgar e dirimir possíveis conflitos e infrações legais e constitucionais.

Do conflito internacional e a lei mais protetiva dos direitos humanos. Uma questão importante inserida neste caput e totalmente ignorada pelo Marco Civil, e isso o faz ao longo de todo o texto, está relacionada com a aplicação prática dos direitos humanos na internet.

A normativa dos direitos humanos internacional possui singularidades que fugiram da atenção do legislador do Marco Civil, que acabou por se esquecer que as normas relativas a direitos humanos não podem “excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza” (art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos).1 Por outro lado, e para reforçar ainda mais o conceito, o art. 27 da Convenção de Viena estipula que uma parte “não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

Neste sentido, Cláudia Lima Marques encaminhou a discussão:

“Segundo bem relembra Jayme, o momento atual é de prevalência de normas materiais em casos internacionais, tempos de uma maior possibilidade de determinação própria pelo indivíduo (selbstbestimmung) em direito material, de novas técnicas nas convenções internacionais, tentando harmonizar as diferenças culturais e de desenvolvimento através da cooperação judicial e respeito às normas imperativas locais, tentando respeitar os direitos humanos envolvidos no caso, o que significa, em face da revolução tecnológica atual, nova prevalência pela residência habitual do consumidor como novo elemento de conexão para determinar a lei aplicável ao comércio eletrônico business-to-consumer e novo critério para determinar a competência do foro. Aqui está, segundo o mestre Heidelberg, o futuro do direito internacional privado.”

Assim, se o Marco Civil for menos protetivo aos direitos humanos do que os tratados internacionais, especialmente os de direitos humanos, serão aplicados esses em vez daqueles.2

§ 1o

Terminal localizado no Brasil. A regra da fixação de regra de competência que estipula a localização do terminal no Brasil não é a mais correta e não entende o funcionamento da internet como um todo. Haverão ocasiões que um sítio holandês venderá serviços para a Malásia e estará com o servidor no Brasil. Será aplicada a lei brasileira para esses casos? É correto pensar que há intenção do holandês ter a proteção da lei brasileira? Não foi a melhor solução jurídica e técnica para fixar competência legal, já que a internet, em tempos de cloud computing, não possui lugares e espaços, mas requer tempos diminutos e serviços de qualidade altamente especializada e a buscará em qualquer lugar do planeta.

§ 2o

Serviços oferecidos diretamente ao usuário brasileiro. A melhor regra para fixação de competência legal está nesse § 2o. A legislação brasileira será sempre aplicada quando os serviços oferecidos, mesmo que por empresas

estrangeiras, seja direcionado para os usuários brasileiros. Essa é a regra clássica do direito do consumidor, contida no art. 101, inc. I, do CDC, que determina que o domicílio do autor, o usuário ou consumidor, será o lugar para o julgamento de possíveis controvérsias.

Da teoria dos fatos ilícitos. O Marco Civil tem uma lacuna em relação à regra de fixação de competência que está relacionada com os fatos ilícitos que geram repercussão no Brasil. Vale, nessa lacuna, lembrar da lição de Wilson Furtado Roberto:

“Dessa forma, a ocorrência de dano em certo lugar, sendo um fato jurídico ocorrido, fixa a competência judicial internacional dos tribunais onde ocorrer, de acordo com o que dispõe no inc. III do art. 883 do Codex processual civil brasileiro. Parte-se do entendimento de que o fato jurídico de que trata o

disposto no inc. II seja o de fato jurídico lato sensu. No entanto, caso se refira ao fato jurídico em strictu sensu, tem-se que entendê-lo como todo acontecimento que é admitido pelo ordenamento jurídico, capaz de gerar o nascimento, a modificação ou extinção de um direito, independentemente da vontade humana. Dessa forma, basta que ocorra um fato (compreendido o fato ilícito) no Brasil apto a provocar consequências jurídicas, para que a ação

respectiva possa ser proposta perante a justiça brasileira.”4

E a jurisprudência tem sido produzida e reiterada neste sentido, pois, tanto em casos civis ou penais, vem aplicando corretamente esta interpretação orientada pelo Min. Luiz Fux:

“De igual forma, não se encontra comprovado de forma satisfatória nesta fase a cobrança de ligações em duplicidade de pulsos referentes ao serviço da Internet, nem a exigência de pagamento por serviços não efetuados ou de ligações não completadas, o que evidentemente só poderá ser confirmado mediante prova pericial. Demais disso, esses procedimentos, se verdadeiros, configuram ilícito passível de penalidades na órbita civil e até penal. Desse modo, a liminar nesta parte, equivale a uma regulação normativa de caráter abstrato, tal qual é a lei, e não como uma regra dispondo sobre uma situação fática concreta , como é a função e a natureza jurídica desse tipo de provimento judicial. Em outras palavras, independentemente de determinação judicial

a agravante está obrigada a cobrar dos usuários somente aquilo que é devido segundo as normas de regência.”5

Essa ausência no Marco Civil em relação aos fatos ilícitos é suprida, e muito bem, pela doutrina e jurisprudência que fixam, como critério de competência, o local das consequências do ilícito para julgamento destas ações.

§ 3o

Regulamento de cumprimento aos provedores de aplicações de internet da norma brasileira. O Marco Civil reprisa determinações do art. 7o e ressalta que os provedores de aplicações de internet devem ser transparentes

com a sua política de uso de dados pessoais, em conformidade com as determinações legais, como condição sine qua non para o exercício legal de suas atividades no Brasil. O provedor de aplicações de internet que estiver

em desconformidade com essas determinações sofrerá as consequências determinadas pelo art. 12 do Marco Civil, podendo ir desde multas até a proibição de exercer essas atividades no país.

§ 4o

Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo. Apesar de todas as normas existentes no Marco Civil, elas são passíveis de serem descumpridas, pois não há nem previsão de regulamento para solucionar essas situações. Mas quem faria esse regulamento? Quem suprirá a lacuna? Existirá um órgão regulador somente para a internet? O Marco Civil cria algumas situações de prática jurídica que impõe um desserviço aos objetivos e valores importantes que estão a se defender nessa normativa. Efetivamente, há uma crise legislativa que impede a apropriação do Marco Civil pela cidadania brasileira.

II – JURISPRUDÊNCIA

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. USO NÃO

AUTORIZADO DO NOME. DIVULGAÇÃO DO EVENTO NA ‘INTERNET’. FORO

COMPETENTE. DOMICÍLIO DO TITULAR DO DIREITO VIOLADO. PRECEDENTES.”

(REsp 1347097/SE, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 3-4-2014, DJe 10-4-2014)

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. FORO DO LUGAR DO ATO OU FATO.” (AgRg no Ag 808.075⁄DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, DJ 17-12- 2007)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. DANO MORAL. COMPETÊNCIA. FORO DO LUGAR DO ATO OU FATO. CPC, ART. 100, V, LETRA ‘A’.”

(REsp 191.169/DF, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 26-6-2000)

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. PUBLICAÇÃO DE PORNOGRAFIA ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE ATRAVÉS DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. ART. 241 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO. LOCAL DE ONDE EMANARAM AS

IMAGENS PEDÓFILO-PORNOGRÁFICAS.”

(CC 29.886/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12-12-2007, DJ 1o-2-2008, p. 427)

1Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos – Normas de interpretação Nenhuma disposição da presente Convenção

pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

2“No Brasil, as normas de conflitos de leis no espaço, que indicam a lei aplicável a um contrato do comércio eletrônico entre um

consumidor residente no Brasil e um fornecedor com residência (sede) no exterior, encontram-se na LICC/1942, são rígidas e antigas, e nada mencionam sobre o consumidor (sujeito de direitos desconhecidos à época), nem sobre a proteção do contratante mais fraco ou vulnerável. Tal situação exige uma mudança e uma nova interpretação do direito internacional privado pátrio. O consumo internacional tem especificidades que não se podem negar.” (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa

do Consumidor. Op. cit., p. 136).

3“Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver

domiciliado no Brasil; II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência,

filial ou sucursal.”

4ROBERTO, Wilson Furtado. Dano transnacional e internet. Op. cit., p. 109-110. 5REsp 700.260/SC.

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DAS SANÇÕES CÍVEIS, CRIMINAIS OU ADMINISTRATIVAS A