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NOTIFICAÇÃO AOS USUÁRIOS SOBRE A EXCLUSÃO DE CONTEÚDOS E PROCEDIMENTOS DE CONTESTAÇÃO

Art. 20 Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.

Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento à indisponibilização.

I – DOUTRINA

Confusão de Interpretação Imposta pelo art. 20. O Marco Civil estabeleceu que o provedor de aplicações de internet somente seria responsabilizado pelo conteúdo gerado por terceiro quando fosse notificado judicialmente e nada fizesse para retirar o conteúdo (art. 19). Contudo, ao ler o caput desse art. 20, uma confusão está estabelecida: o provedor de aplicações de internet pode, ao seu talante, retirar os conteúdos de seus serviços; ou o caput refere-se a um ato subsequente ao mandado judicial.

Quaisquer dos dois caminhos não são claros ou evidentes na leitura desse artigo, pois ele não faz referência direta a qual parte do art. 19 ele está se considerando. É o conteúdo que afeta a honra e a imagem? Refere-se a problemática do mandado judicial não cumprido pelo prestador de aplicações de internet? O provedor de aplicações de internet virou um tipo de oficial de justiça com obrigação de informar o usuário? Diante dessas perguntas, para nenhuma delas há a salvação nas linhas do caput do art. 20, pois há clara confusão sobre qual é a função do provedor nessa situação. O usuário que tiver o seu conteúdo indisponibilizado, obrigatoriamente pelo art. 19 com ordem judicial, deverá ser citado para contestar os termos e alegações da parte que se sentiu ofendida. Por que o art. 20 impõe o dever de informação legal ao provedor de aplicações de internet? Tal determinação, além de questionável, pode ser interpretada como permissiva de uma atitude proativa do provedor, a fim de realizar censura prévia em seu conteúdo e informar o usuário sobre as suas atividades. Tal possibilidade não está afastada pela leitura de um artigo tão mal escrito em seus sentidos.

Por outro lado, deixando-se de lado a polêmica sobre as intenções do caput, o art. 20 não estabelece qualquer tipo de procedimento para se fornecer tais informações. Aliás, quais são as informações que o provedor de aplicações de internet tem que fornecer? E se o processo for em segredo de justiça? Não há transparência sobre como se efetivará a norma contida nesse art. 20. E outra pergunta ainda se faz necessário: é preciso ter essa norma dentro do arcabouço do Marco Civil? Dispensável esse nível de confusão num sistema já altamente sensível e poluído de maneirismos jurídicos e tecnológicos.

Retirada de Conteúdo por Infração aos Termos de Uso e de Privacidade. Uma situação não aventada pelo Marco Civil e que pode vir a ocorrer direciona-se às práticas dos provedores de aplicações de internet na execução de seus Termos de Uso e Privacidade.

Os Termos de Uso e Privacidade são uma das formas com que o provedor de aplicações de internet relaciona-se, transparentemente, com os usuários. São por eles que o Marco Civil é realizado na prática e implementado dentro dos serviços oferecidos pelos provedores. Nesses Termos define-se como serão utilizadas as informações, quais serão os

produtos e serviços, os direitos e deveres dos usuários, as práticas de antispam, como serão tratados os dados pessoais, política de segurança de informação etc.

Poucos usuários leem esses Termos de Uso e de Privacidade. Aliás, a leitura é desincentivada pela forma como são apresentados os termos e as consequências para a não concordância de todos eles ou algum deles, que seriam a não utilização do serviço. Usuários dos maiores provedores de aplicações do mundo (Google, Facebook, Yahoo, para citar exemplos) jamais deixariam de utilizar os serviços por conta dos termos de uso.1

O Marco Civil estabelece regras para esses Termos de Uso e de Privacidade dos provedores de aplicações de internet, mas não adentra às suas práticas e conceitos. Uma das práticas é o processo de retirada de conteúdo sem ordem judicial, quando o usuário descumpre as normas desses provedores. Não há orientação no Marco Civil de como fazer esse procedimento, respeitando-se os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, dentre outros, para retirada de conteúdos. Para piorar, muitos desses termos vêm de fora do Brasil e são impostos diretamente da matriz, geralmente nos EUA, em total dissonância com o ordenamento jurídico brasileiro, impondo restrições variadas que podem chegar até a restrições de direitos constitucionais.2

O usuário deveria ter acesso ao procedimento decisório do site para discutir e argumentar sobre como são realizados os processos de retirada de conteúdo de maneira extrajudicial, evitando-se o processo judicial mais demorado. Dessa forma, o usuário discutiria se é ou não o autor do conteúdo, se compartilhou, se há um equívoco na análise do provedor, enfim, evitar possíveis constrangimentos que podem ocorrer com retiradas de conteúdo inadequadas e totalmente sem fundamentos.

Por exemplo, para citar esses problemas já comuns entre nós, o Facebook retirou de sua rede social a foto de uma índia botocuda que está numa árvore com os peitos à mostra. Essa foto faz parte do acervo do Ministério da Cultura, que reclamou com a retirada arbitrária e totalmente descabida por não ser pornografia e sim acervo histórico do país.3

A fim de se evitar esses problemas e para melhorar a efetividade da decisão judicial, que será mínima e atentará somente aos valores de indenização, o estabelecimento de práticas e procedimentos constitucionalmente garantidos evitaria possíveis demandas e situações que pudessem afastar as responsabilidades dos provedores de aplicações de internet.

Há que se ressaltar, mais uma vez, que a implementação de tais procedimentos gerará custos extras aos provedores de aplicação de internet e trarão uma série de responsabilidades jurídicas que não deveriam ser por eles assumidas. Não dessa maneira, como foi criada pelo Marco Civil.

Direitos Humanos e os Provedores de Aplicação de Internet na Retirada de Conteúdos por Infração dos Termos de Uso e de Privacidade. Uma discussão que deve ser levantada e que o Marco Civil poderia ter reforçado é a de que os provedores de aplicação de internet devem aplicar os princípios de direitos humanos em suas práticas tecnológicas e em seus Termos de Uso e de Privacidade.

A doutrina e a jurisprudência caminham no sentido de defender a aplicação dos princípios de direitos humanos aos sujeitos de direito privado.4 Logicamente, os direitos humanos não devem ser aplicados de forma absoluta. Contudo, eles devem ser analisados pelo provedor de aplicações de internet ao aplicar as sanções previstas em seus termos de uso e de privacidade. Nessa nova configuração jurídico tecnológica, formatada pelo Marco Civil, o respeito aos direitos humanos, insertos em cada artigo dessa lei, é condição primordial para o atendimento e execução das práticas de retirada de conteúdo. Assim, ao se retirar um conteúdo do usuário do ar, eles terão que informar sobre a possível infração, a fim de que se instaure o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Se isso não ocorrer, mesmo que com justa causa, poderá o provedor ser responsabilizado por abuso de direito.

Parágrafo único

Desnecessidade do parágrafo único e o excesso de informações. O Marco Civil peca juridicamente em muitos pontos. Esse parágrafo único é um deles. Por que sempre repetir a definição de empresário para o provedor de aplicações de internet? Não há necessidade e pode gerar incompreensão do sentido do texto e o que ele quer proteger. É uma definição desnecessária que somente amplia os riscos envolvidos na execução dessa lei.

Por outro lado, ao se ignorar a definição de usuário, que não está definido em nenhum momento no Marco Civil, nas questões técnicas e jurídicas, o parágrafo único também falha em ser transparente. Quem é esse usuário? Qual é a sua motivação? Teria direito de pedir a retirada de conteúdo um amigo da suposta vítima? A análise para a motivação para a retirada ou não do conteúdo deveria advir, na perspectiva dos provedores de aplicações de internet, das infrações aos termos de uso e privacidade e das infrações ao Marco Civil, mediante decisão judicial. Nos dois casos, deveriam ser aplicados os princípios do devido processo legal, ampla defesa e do contraditório, a fim de que o usuário justifique a constitucionalidade de seu direito à liberdade de expressão e de opinião.

1Existem projetos na internet que tentam melhorar a percepção dos usuários aos termos de uso e privacidade. Um deles é o Terms of

Service; Didn’t Read (Termos de serviço que não lemos. Disponível em: <https://tosdr.org/>). Esse serviço possui um aplicativo que informa quais são os pontos fortes e fracos dos termos de uso e de privacidade dos sites que o usuário está acessando.

2Caso clássico é o termo de uso do Instagram, que se apropria de todo o conteúdo colocado em seus sistemas. Veja o termo, em

inglês, no site do Instagram: <https://instagram.com/about/legal/terms/>. Acesso em: 1o jul. 2015.

3Disse o Ministro Juca Ferreira: “Para nós é grave, porque é uma agressão à nossa soberania, à nossa legislação. É um desrespeito à

nossa diversidade cultural e aos índios do Brasil. Se os índios não podem aparecer como são, o recado é que precisam se travestir de não indígenas, o que é uma crueldade muito grande – afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira, acrescentando: – Em nenhum momento, o Facebook recebeu o aval para censurar o Estado brasileiro ou o Ministério da Cultura.” Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/midia/ministerio-da-cultura-vai-entrar-na--justica-contra-facebook-por-foto-de-india-

bloqueada-1-15910229>. Acesso em: 1o jul. 2015.

4Virgílio Afonso da Silva analisa um julgado do STF: “Segundo o ministro (Marco Aurélio de Mello), ‘a garantia da ampla defesa

está insculpida em preceito de ordem pública’, razão pela qual não pode ser desobedecida em nenhum âmbito. A aplicação direta do direito à ampla defesa no caso em questão conferiu um direito subjetivo aos associados expulsos da cooperativa a serem a ela reintegrados e serem julgados mais uma vez, respeitando-se, então, esse direito fundamental. O caso, originariamente um simples caso de direito privado, visto que houvera um desrespeito a uma norma estatutária da cooperativa, que previa um determinado procedimento para a expulsão de associados, transforma-se, com as decisões de instâncias inferiores favoráveis à cooperativa, um caso envolvendo direitos fundamentais – daí a propositura do recurso extraordinário.” (SILVA, Virgílio Afonso. Constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93).

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RETIRADA DE CONTEÚDOS PORNOGRÁFICOS DE