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ESCOPOS TECNOLÓGICOS DE ATUAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS

Art. 25 As aplicações de internet de entes do poder público devem buscar:

I – compatibilidade dos serviços de governo eletrônico com diversos terminais, sistemas operacionais e aplicativos para seu acesso;

II – acessibilidade a todos os interessados, independentemente de suas capacidades físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais, mentais, culturais e sociais, resguardados os aspectos de sigilo e restrições administrativas e legais;

III – compatibilidade tanto com a leitura humana quanto com o tratamento automatizado das informações; IV – facilidade de uso dos serviços de governo eletrônico; e

V – fortalecimento da participação social nas políticas públicas.

I – DOUTRINA

Dever dos Provedores de Aplicações de Internet ao que determina o art. 25. Antes de adentrar ao tema principal do art. 25, que é o Poder Público como provedor de aplicações de internet, há que se ressaltar que os deveres insertos nesses incisos devem ser estendidos aos provedores de aplicações de internet, que são pessoas jurídicas de direito privado.

As questões relativas a inclusão digital estão insertas em desenhos tecnológicos que desconsideram acessibilidade, compatibilidade e usabilidade dos sites. Muitos sites, governamentais e privados, desenvolvem seus aplicativos sem que a maioria da população consiga usufruí-los em todas as suas possibilidades, pois não possuem acesso à internet de qualidade nem dispositivos informáticos de alta performance. Os deveres insertos nesse artigo deveriam ser atendidos por todos os que criam aplicações de internet, bem como direcionados a provedores de conexão e empresas de telecomunicações responsáveis pela velocidade da banda larga de internet neste país.

Poder Público como provedor de aplicações de internet. O Marco Civil, de forma preocupante e inconstitucional, separa o Poder Público das responsabilidades insertas nos arts. 13 a 21. O Poder Público deve ser responsabilizado nos mesmos termos do que são as pessoas jurídicas de direito privado, quando exercem atividades, econômicas ou não, de provedores de aplicações de internet. A diferenciação é inconstitucional, pois nos mesmos serviços institui inequidades sem justificar essas escolhas.

O Poder Público deve prestar informações aos usuários sobre como está acessando e se utilizando das informações dos usuários de internet. O dever do Poder Público é muito mais amplo do que tornar os sites acessíveis para os usuários. O Poder Público deve ser transparente no uso e na guarda dos dados pessoais.1 Contudo, esse locus jurídico em que o Marco Civil coloca o Poder Público não impede que os usuários possam responsabilizá-lo pelos ilícitos que são determinados em seus artigos.

Falta de sanção para o descumprimento. Esse artigo possui uma característica muito importante, que é a de implementar efetividade a políticas públicas de universalização da internet no Brasil. Todos os incisos se referem a desobstrução de barreiras, criadas no desenvolvimento de ferramentas e aplicações de internet, para que todos possuam condições de acessar conteúdos, informações e dados.

Como o artigo foi escrito, mesmo que queira desenhar uma moldura para o desenvolvimento da internet no Brasil, a falta de sanção é inibidora das mudanças que pretende fomentar. Se o Estado não prouver as melhorias de acessibilidade às aplicações de internet no Brasil, qual será a sua sanção por excluir os usuários? Nenhuma.

Aí o Poder Público, em suas várias facetas, de incentivador da inclusão social e digital torna-se líder da exclusão, a qual deveria combater. O discurso do Marco Civil, sem a sanção das normas, é inócuo e superficial, pois o custo para se desenvolver com vistas a implementar, por exemplo, acessibilidade de pessoas com deficiência, é alto e inibidor de mudanças. Somente a sanção por descumprimento dessas práticas poderia gerar transformações na forma de se desenvolverem aplicações de internet. Diante disso, continuarão a produzir os Poderes Públicos práticas que excluem digitalmente a maioria dos usuários de internet do Brasil.

Inciso I

Compatibilidade dos serviços de governo eletrônico com diversos terminais, sistemas operacionais e aplicativos para seu acesso. O Marco Civil, em busca da inclusão digital de todos os usuários de internet, indica ao Poder Público o dever de compatibilizar os seus serviços com todos os meios tecnológicos e aplicativos, a fim de que sejam acessadas as informações por todos.

A determinação do Marco Civil é importante e pauta políticas públicas de inclusão digital, como, além do acesso à internet, direcionando a um aspecto importante da exclusão, que é a incompatibilidade de sistemas e dispositivos informáticos. Essa decisão vale para todos os órgãos e entidades públicas.

Muitos usuários são impingidos, por conta de aplicações de internet mal desenvolvidas, a usarem determinado sistema operacional ou navegador para acessarem conteúdos. Esse é o caso do Processo Judicial Eletrônico (PJe), desenvolvido nas varas trabalhistas e espalhados a todo Poder Judiciário, através do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).2 É um sistema que só pode ser utilizado no navegador Mozilla Firefox e mesmo assim com muitos problemas.3

Inciso II

Acessibilidade a pessoas com deficiência. O Marco Civil estipula que todas as aplicações de internet desenvolvidas pelo Poder Público devem respeitar os direitos da pessoa com deficiência. Conforme o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu art. 14, determina-se: “Os órgãos públicos e entidades privadas, prestadores de serviços de atendimento ao público estão obrigados a dispensar à pessoa com deficiência, atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato.” Para tanto, os órgãos públicos deverão disponibilizar “recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, para prestar atendimento à pessoa com deficiência nos mesmos padrões que mantém para os demais” (art. 15, inc. IV). Nesse sentido, deve o Poder Público eliminar as barreiras tecnológicas que impedem o acesso das pessoas com deficiência às aplicações de internet e aos seus conteúdos. Atualmente, são poucos os sites governamentais e privados que atendem esses requisitos.

Inciso III

Compatibilidade tanto com a leitura humana quanto com o tratamento automatizado das informações. Esse inciso está meio perdido no artigo. Compatibilidade com a leitura humana? As aplicações de internet são extensões e desdobramentos da linguagem humana. Tudo que ela fornecer será compatível com uma leitura humana. Agora, essa leitura humana é para todos, até leigos? Pode ser só para profissionais? Difícil entender e compreender, na prática, como viabilizar a aplicação desse inciso em caso de cumprimento ou descumprimento.

Inciso IV

Facilidade de uso dos serviços de governo eletrônico. A orientação desse inciso é correta, mas poderia ter utilizado o termo usabilidade, que é mais amplo e correto ao contexto do artigo e das funções que as aplicações de internet têm. O próprio governo brasileiro se utiliza desse termo em seu sítio de e-gov:

“A usabilidade pode ser definida como o estudo ou a aplicação de técnicas que proporcionem a facilidade de uso de um dado objeto, no caso, um sítio. A usabilidade busca assegurar que qualquer pessoa consiga usar o sítio e que este funcione da forma esperada pela pessoa. Em resumo, usabilidade tem como objetivos a: facilidade de uso; facilidade de aprendizado; facilidade de memorização de tarefas; produtividade na execução de tarefas; prevenção,

visando a redução de erros; satisfação do indivíduo.”4

Nesse sentido, facilidade não engloba a contextualização do que é a usabilidade. Equívoco técnico que pode dificultar o entendimento do que é preciso ser feito para implementar esses objetivos.

Inciso V

Fortalecimento da participação social nas políticas públicas. O Marco Civil foi uma das primeiras legislações no mundo que tiveram a participação popular. Contudo, no momento da decisão e votação, o texto popular foi engolido e suprimido da votação final para atender aos desejos de deputados, senadores, lobistas e ministros. Ao final, a participação social foi escondida e obnubilada e quase não aparece nesse texto. A ideia é boa, mas na prática inviável de ser respeitada pelos Poderes Legislativos e Executivos, cujos interesses, em muitos casos, são dispersos da vontade popular. Devemos sempre lembrar da lição de Norberto Bobbio sobre a computadorcracia:

“A hipótese de que a futura computadorcracia, como tem sido chamada, permita o exercício da democracia direta, isto é, dê a cada cidadão a possibilidade de transmitir o próprio voto a um cérebro eletrônico, é uma hipótese absolutamente pueril. A julgar pelas leis promulgadas a cada ano na Itália, o bom cidadão deveria ser convocado para exprimir seu próprio voto ao menos uma vez por dia. O excesso de participação, produto do fenômeno que Dahrendorf chamou depreciativamente de cidadão total, pode ter como efeito a saciedade de política e o aumento da apatia eleitoral. O preço que se deve

pagar pelo empenho de poucos é frequentemente a indiferença de muitos. Nada ameaça mais matar a democracia que o excesso de democracia.”5

Com esse aviso de Bobbio e com a experiência vivida no Marco Civil, a participação social em políticas públicas deve ser pensada de uma outra maneira do que foi feita.

1Tal como determina o art. 7o da Lei de Acesso de Informações (Lei n. 12.527/2011):

“Art. 7o O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

I – orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada;

II – informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;

III – informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;

IV – informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;

V – informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços;

VI – informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e

VII – informação relativa:

a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;

b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.

§ 1o O acesso à informação previsto no caput não compreende as informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento

científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

§ 2o Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não

sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.

§ 3o O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do

ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.

§ 4o A negativa de acesso às informações objeto de pedido formulado aos órgãos e entidades referidas no art. 1°, quando não

fundamentada, sujeitará o responsável a medidas disciplinares, nos termos do art. 32 desta Lei.

§ 5o Informado do extravio da informação solicitada, poderá o interessado requerer à autoridade competente a imediata abertura de

sindicância para apurar o desaparecimento da respectiva documentação.

§ 6o Verificada a hipótese prevista no § 5o deste artigo, o responsável pela guarda da informação extraviada deverá, no prazo de 10

(dez) dias, justificar o fato e indicar testemunhas que comprovem sua alegação.”

2Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistemas/processo-judicial--eletronico-pje>. Acesso em: 17 dez. 2014.

3Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI189525,31047-Advoca-

cia+quer+retorno+ao+papel+por+problemas+no+PJe+do+TRTRJ>. Acesso em: 17 dez. 2014.

4Disponível em: <http://epwg.governoeletronico.gov.br/cartilha-usabilidade#s1.1>. Acesso em: 17 dez. 2014. 5BOBBIO, Norberto. Futuro da democracia. Op. cit., p. 22.

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EDUCAÇÃO DIGITAL COMO OBJETIVO DE ATUAÇÃO DOS