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SIGILO JUDICIAL DOS DADOS ENTREGUES POR PROVEDORES DE CONEXÃO E DE APLICAÇÕES DE

INTERNET

Art. 23 Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro.

I – DOUTRINA

Responsabilidade do magistrado para garantir o sigilo? O Marco Civil – parece que ninguém reparou nisso – , atribuiu aos magistrados a responsabilidade pelo sigilo das informações recebidas. Infelizmente, a magistratura passa por um momento de grandes mudanças tecnológicas, convivendo com atrasos administrativos graves. Não raro veem- se magistrados atolados de serviços e com problemas de saúde físico-mentais, face a carga de trabalho tanto nos processos físicos como nos digitais.

O juiz, por si só, não tem condições estruturais, jurídicas, tecnológicas e administrativas para garantir o sigilo das informações. Os juízes que, no máximo, são dois por cada Vara, são entulhados de responsabilidades e serviços que estão muito além do seu dever de julgar (e não só julgar, mas julgar com qualidade) as demandas dos cidadãos brasileiros. O juiz atualmente exerce a função judicante, a administrativa na condução do funcionamento da Vara, a burocrática de cumprimento de penhoras on-line (BacenJud), informações cadastrais sigilosas (Imposto de Renda, Infojud, Renajud etc.), atualização profissional e, quiçá, vida pessoal. Como atribuir ao juiz mais uma responsabilidade? Humanamente impossível, inviável e não desejável para a defesa das garantias e direitos dos usuários.

A produção de provas digitais juridicamente válidas passa necessariamente por uma reinvenção do Poder Judiciário e da forma como ele presta serviços aos usuários e jurisdicionados. Da maneira como está estruturado atualmente, o Poder Judiciário não possui condições técnicas e jurídicas para decidir sobre casos que envolvam produção de provas digitais por meio de perícias em sistemas informatizados. Não há condições estruturais para interceptação de dados ou guarda de registros de conexão e de acesso a aplicações de internet.

Contudo, o Marco Civil, alheio a tudo isso, atribui uma responsabilidade aos magistrados que são irrealizáveis na prática. O juiz, que deveria ser garantidor de processos legitimatórios da vontade da lei, é vítima de normatizações que desconsideram a sua função e sua competência administrativa e judicante. E quando um juiz se torna vítima da lei, toda a sociedade sofre com esse problema, pois não serão implementados os direitos e garantias dos usuários ao sigilo das informações.

Diante desse quadro estarrecedor, como podem os juízes estabelecer providências necessárias para a garantia quanto aos sigilos das informações? Quem garantirá o direito dos usuários de internet que são investigados?

O Poder Judiciário e a Produção de Provas Digitais – Problemas. O Judiciário, primordialmente, ao realizar a produção de provas digitais, é o condutor das investigações periciais em sistemas informatizados. Contudo, o Poder Judiciário, mesmo com a informatização do processo, não está apto a produzir provas periciais com resultados mais relevantes e próximos à verdade dos fatos, um dos escopos do processo. Regra geral, as perícias conduzidas pelo Poder Judiciário possuem esses problemas:

a)O Juiz: peça chave na condução do processo, ele não tem condições técnicas para avaliar seus assistentes e a qualidade técnica desses laudos. Por outro lado, não há um sistema de contrapesos que auxilie o juiz a avaliar a relevância de um laudo técnico-científico dos seus despachos ou até mesmo da qualificação profissional de um perito.

b)O Perito Técnico: em recente perícia realizada por um engenheiro mecânico, o mesmo admitiu abertamente não ter condições de avaliar infraestrutura de telecomunicações. Em tempos de guerra cibernética, especialização em perícia em sistemas informatizados e nos seus procedimentos inerentes é condição essencial para a produção de provas. Infelizmente, o mercado é escasso em especialistas nessa área que entendam os procedimentos técnicos e jurídicos inerentes à produção de provas periciais;

c)A estrutura física do Poder Judiciário: o Poder Judiciário, ao passo que vem investindo maciçamente em infraestrutura tecnológica, por conta do procedimento eletrônico, não tem direcionado algumas questões essenciais. A lei de crimes informáticos e a lei de pedofilia infantil na internet já são realidades no ordenamento jurídico e não encontram na infraestrutura física e lógica do Poder Judiciário um lugar para efetivamente realizar o devido processo legal, respeitando todas as garantias constitucionais de seus cidadãos. Principal exemplo desse problema é a falta de uma cadeia de custódia para os equipamentos informáticos apreendidos e analisados pelos peritos. Quem deveria zelar pela guarda dos equipamentos e dados investigados é o Poder Judiciário, mediante regras procedimentais de acesso físico e lógico a eles, o que não ocorre. Atualmente, as máquinas periciadas ficam sob custódia da boa fé dos peritos ou dos investigados, não possuindo quaisquer dispositivos procedimentais, tecnológicos ou não, de segurança;

d)Falta de normas e critérios técnicos para a realização de perícias em sistemas informatizados: o Poder Judiciário poderia facilitar o trabalho de juízes, peritos e advogados se criasse, estabelecesse ou adotasse um padrão mínimo para abordagem pericial em sistemas informatizados. Por exemplo, o Judiciário poderia homologar e custodiar softwares e hardwares necessários para a realização de levantamento de dados em sistemas informatizados. Assim, as partes e os assistentes técnicos teriam efetivamente segurança jurídica e tecnológica sobre os procedimentos periciais desde o início até o final da produção de provas periciais em sistemas informatizados, resguardando o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Proposições para superação destes problemas. Diante desses problemas apresentados, o Poder Judiciário, por meio do CNJ e todos os tribunais federais e estaduais, juntamente com a OAB, ABNT e outras entidades técnicas e jurídicas, auxiliaria a todos os cidadãos e serventuários da Justiça com a utilização de algumas medidas necessárias:

a)criação de grupos interdisciplinares técnico-científicos e jurídicos para a discussão de procedimentos, metodologia, melhores técnicas e padrões de realização de perícias em sistemas informatizados;

b)criação de estruturas físicas adequadas, em cada comarca, com sistemas de segurança, para a guarda de equipamentos informáticos (computadores, HDs, celulares etc.), a fim de que não se percam os dados a serem periciados;

c)produção de manuais práticos a serem distribuídos a todos os juízes, peritos e advogados sobre como devem ser realizadas e conduzidas as perícias em sistemas informatizados;

d)realização de cursos de formação de peritos em sistemas informatizados;

e)adoção de melhores técnicas científicas para a análise de softwares e hardwares que servirão para a realização de perícias (se possível, pensar até no fornecimento dos equipamentos necessários à investigação aos peritos, a fim de controlar a qualidade das perícias);

f)realização de cursos de segurança de informação para os juízes e serventuários da justiça.

II – JURISPRUDÊNCIA

“Agravo de instrumento Medida cautelar inominada Pedido de tramitação em segredo de justiça Decisão que indeferiu a medida Recurso das interessadas Alegação de que os fatos que envolvem o processo expõem a intimidade das partes, podendo a publicidade dos autos comprometer a efetividade do processo Cabimento Rol do art. 155 do CPC [art. 11 do CPC/2015] que é exemplificativo Inteligência do art. 5o, inciso LX, da CF Pessoas jurídicas que também possuem direito

à imagem e à proteção da honra Usuário investigado, que, ademais, também possui direito ao sigilo de seus dados Inteligência do art. 23 do Marco Civil da Internet Segredo de justiça concedido Decisão reformada AGRAVO PROVIDO.” (TJ-SP – AI: 21229620620148260000 SP 2122962- 06.2014.8.26.0000, Relator: Miguel Brandi, Data de Julgamento: 15-10-2014, 7a Câmara de Direito

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NORMAS PROGRAMÁTICAS PARA A ATUAÇÃO DOS