HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL E NA ESPANHA
11 No original: “Pocholo es
2.3.4 Acomodação e metalinguagem das histórias em quadrinhos na Espanha
Ao longo da década de 1950, as políticas públicas de restrição à comunicação social em geral foram mantidas, com muito rigor. Poucas publicações conseguiram vencer a resistência das autoridades e o panorama editorial das histórias em quadrinhos se manteve muito estável, até o início dos anos 1960, quando os editores se organizaram melhor em sua resistência “pacífica”.
Para evitar problemas com a legislação restritiva do Ministério de Informação, por exemplo, um subterfúgio dos editores de histórias em quadrinhos no início dos anos 1960 foi a criação da Novela Gráfica, história em quadrinhos com temática adulta, com capa ilustrada à moda de um livro normal e formato de “livro-de-bolso”. Este formato foi dirimido, contudo, quando os desenhos foram substituídos por fotografias, na editoração de fotonovelas.
Mas, a Novela Gráfica espanhola não havia desaparecido. O quadrinhista Josep Toutain, por meio de sua agência
Selecciones Ilustradas, editou inúmeras publicações dessa
natureza. No amadurecimento das publicações agenciadas, que se deu ao longo da década, publicou duas das mais incríveis Novelas Gráficas: Delta 99, com desenhos de Carlos Giménez e roteiros de Víctor Mora, e Cinco
por Infinito, criada por uma equipe liderada por
Esteban Maroto, em 1968. Em 1969, Mora e Giménez ainda publicariam Dani Futuro, obra que consolidaria o trabalho de Giménez como um desenhista fundamental para as histórias em quadrinhos espanholas contemporâneas. Posteriormente, em 1974, Josep Toutain transformará sua agência em uma editora, seguindo com publicações relevantes ao mercado editorial das histórias em quadrinhos espanholas.
Outras séries de temática um pouco mais adulta, pelo menos adolescente, foram vencendo a resistência ministerial e puderam vir a público no final dos anos 1950 e ao longo dos anos 1960, como as criadas por Francisco Ibáñez: El Botones Sacarino, Rompetechos, Pepe
Gotera y Otilio, Chapuzas a domicílio, mas nenhuma teve
o imenso sucesso de Mortadelo y Filemón: agencia de
información – conhecidos no Brasil como Mortadelo e Salaminho -- iniciada na revista Pulgarcito, em 1961, logo
convertendo-se em um clássico, publicado em vários formatos, revisitado até a atualidade em coletâneas e recriações de novos quadrinhistas espanhóis.
A ampliação possível no mercado editorial das histórias em quadrinhos infantis dos anos 1960 também contou com o título Gaceta Infantil, que mesclava a publicação com artigos culturais. Inicialmente, muitas das suas histórias em quadrinhos eram traduzidas do semanário italiano
Corriere dei Piccoli, mas também publicou séries
franco-belgas. Porém, o material franco-belga mais apreciado na Espanha, contrabandeado e comercializado informalmente, eram os álbuns de histórias em quadrinhos adultos, como o título
Barbarella, lançado na França, em 1962.
Vinheta de Carlos Giménez para a história Delta 99
Arte de Carlos Giménez para a história Delta 99
Capa de Dani Futuro, com arte de Carlos Giménez.
Outro talentoso e completo quadrinhista espanhol, Manuel Vázquez, criou personagens como
Angelito, Anacleto Agente Secreto e, posteriormente, se
auto-caricaturizou, em Los
Cuentos del tío Vázquez,
d e s c a r a d a m e n t e desobedecendo o antigo decreto federal que proibia qualquer espécie de caricatura, em 1968. Nos anos 1960, outros títulos memoráveis, como Jaimito, Pumby,
Capitán Trueno, El Jabato, foram ganhando
títulos próprios e conquistando espaços
independentes no mercado. Victor Mora, roteirista de Capitán Trueno, amargou longos períodos na cadeia, pois os censores consideravam as atitudes de seu personagem “suspeitas” e possuíam poderes ilimitados para interditar artistas, comunicadores e mídias em geral. José Palop Gómez, o criador de Jaimito, também criou Bartolo – às de los vagos, que passou para o imaginário de toda uma geração de leitores, que não eram necessariamente crianças. O gatinho Pumby, criado pelo artista valenciano José Sanchís Grau, agradou uma extensa gama de leitores, ao ganhar seu próprio título em 1955.
A saída da Espanha de seu estado de penúria econômica, caracterizado pela situação de Guerra Civil, somada ao conflito mundial subseqüente, trouxe novos hábitos de consumo ao povo e, principalmente, os eletrodomésticos para dentro dos lares. A convivência de diversas mídias e linguagens na vida do cidadão comum então desencadeou, então, a acomodação e metalinguagem das histórias em quadrinhos na Espanha, fase na qual o leitor ou audiência pode eleger entre várias opções de lazer cultural e entretenimento aquela que mais lhe agrade e onde cada mídia passa a se apropriar de elementos discursivos das linguagens das outras. Nesse sentido,
Uma das novidades decisivas que condiciona a evolução da década [de 1960] é a nova e cada vez mais densa treliça de relações que as mídias geram. A já mencionada introdução da televisão na vida cotidiana dos espanhóis tem efeitos cujo alcance até hoje em dia não alcançamos medir. Mas não é só a televisão. A indústria discográfica incrementa de forma espetacular sua influência. [...] O rádio, com a popularização do transistor, alcança uma dimensão até então desconhecida. Tudo isso sem esquecer que o cinema mantém elevados índices de audiência incrementados nesta época por algumas grandes superproduções de Hollywood. [...] cada mídia estabelece com as outras uma complexa e frequentemente imprevisível rede de relações de tal forma que possa se reforçar, se neutralizar, se complementar, ou se reorientar em função das
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suas múltiplas interferências. (ALTARRIBA, 2002, p. 78-79)
Jaimito, personagem criado por José Palop Gómez, em quadrinhos de Palmer Capa da revista El Capitán Trueno, com arte de Angel Pardo
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