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Leitura, letramento e História em Quadrinhos Nesta confluência de funções sociais da leitura é que

17 No original: “La Escuela ha

tendido a separar la lectura eferente, cuya finalidad es recabar información, de la lectura estética, que se orienta al disfrute. Esta división perjudica seriamente al acto lector, que ha de ser integrador, leer para informarse o documentarse no impide experimentar emociones, así como leer una obra literaria también puede reportarnos información. Esa disociación que la Escuela establece entre diferentes tipos de lectura, a saber, lectura recreativa, informativa, de consulta, de estudio o investigación perjudica, a nuestro entender, a la formación lectora del alumno, que ha de ser transversal e integradora. […] Por tanto omitir la lectura icónica o la lectura digital de la enseñanza obligatoria en el S. XXI, es obviar una parte importantísima de nuestra cultura y acrecentar la brecha que separa a la Escuela de la realidad social. ”

A motivação para um movimento internacional, que envolve a coleta criteriosa de amostras relevantes do nível de habilidades e competências adquiridas na escolarização a cada três anos, envolvendo jovens de 15 anos naturais de 57 países, sendo 30 membros efetivos da OECD e 27 convidados, é a busca cooperativa de soluções para a questão do letramento, por meio de estudos contrastivos dos dados levantados nos diferentes territórios. Em 2000, a ênfase do PISA foi dada ao índice de letramento, em 2003, ao domínio do conhecimento matemático e, em 2006, ao conhecimento científico.

A última atualização dos índices do programa foi publicada em 4 de dezembro de 2007 (OECD, 2007), um ano após a coleta internacional de dados, no final do ano letivo de 2006. Baseada no depoimento de diversos especialistas, Ana Aranha opina que o ensino brasileiro está longe de atender o chamado do PISA, pois os resultados das últimas avaliações têm decrescido. Isto se verifica pois,

Na escala do PISA, há seis níveis de conhecimento. O máximo é quando o aluno identifica, explica e usa evidências científicas consistentes na solução de problemas inéditos. Adolescentes que conseguem fazer isso são ótimos candidatos a virar cientistas e ajudar a criar soluções para os desafios do século XXI. Esse é um talento raro. A Finlândia, primeira colocada na lista [na categoria de ciências] tem 4,5% de seus alunos nesse nível. E o Brasil? Zero. O aluno médio do Brasil está no nível 1, o mais baixo [...] Pior. O país tem 27% de alunos eu nem sequer chegaram ao patamar mínimo. Esses não conseguem nem entender o que está sendo perguntado. (ARANHA, 2007, p. 61)

A classificação dos alunos brasileiros no PISA na categoria de ciências é a de 52ª, considerada abaixo da média de aprendizagem desejável. Mas, este resultado não aparece isolado. A falta de compreensão e interpretação do texto na língua materna, que efetivamente impede o aluno de compreender os enunciados, é identificável no bloco dos países que foram considerados abaixo da média desejável na categoria de leitura, no qual o Brasil figura empatado com a Indonésia, com a 48ª. classificação geral. O baixo desempenho em matemática, que também se reflete no raciocínio lógico do adolescente, é inequívoco, sob a 53ª. classificação geral do Brasil, empatado com a Colômbia (ARANHA, 2007, p. 61).

Segundo o diagnóstico referendado pelos analistas do PISA, cuja versão resumida foi disponibilizada em várias línguas, incluso o Português, existem países em cuja questão-chave a ser enfrentada é o número relativamente alto de estudantes com baixo desempenho, apontando que

Entre os países com desempenho mais baixo no PISA, uma grande proporção dos estudantes não passou dos níveis mais baixos de proficiência, indicando uma necessidade urgente de se melhorar o padrão de qualidade da educação, por exemplo, melhorando-se os currículos. Em alguns desses países, mais de 40% dos estudantes situaram-se no nível 1 de desempenho ou abaixo, como foi o caso do México, da Turquia, do Quirguistão, do Qatar, do Azerbaijão, da Tunísia, da Indonésia, do Brasil, da Colômbia, da Argentina, de Montenegro, da Romênia, da Tailândia, da Jordânia, da Bulgária e do Uruguai. (OEDC, 2007b, p. 18)

Os países ibéricos, como a Espanha, obtiveram bons resultados dentro da média internacional em 2007. Porém, os resultados menos satisfatórios das edições anteriores do PISA levaram a uma mudança relevante nas políticas públicas, quando as informações da União Européia foram postas em perspectiva. Para María de Jesus San Segundo, a atual Ministra da Educação e Ciência da Espanha,

Necessitamos construir um sistema educativo de acordo com os projetos espanhóis de desenvolvimento futuro, e com o objetivo da União Européia de conseguir para o ano de 2010 uma sociedade do conhecimento, culta, dinâmica, competitiva e coesa social e territorialmente. São os chamados objetivos de Lisboa, que afetam a toda política de formação do capital humano, e que o governo ao qual pertenço deseja tornar realidade. [...] a publicação dos resultados do projeto PISA 2003, que oferece avaliações dos conhecimentos e competências dos nossos estudantes, gerou uma preocupação que alimenta a busca de reformas que garantam a qualidade

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do ensino para as novas gerações. (SAN SEGUNDO, 2005, p. 7) Ou seja, graças à posição ativa da Espanha, diante da constatação de que havia uma fragilidade no sistema escolar, que comprometeria o futuro de seus cidadãos na União Européia, suas políticas públicas estão seguindo as recomendações de organismos internacionais, como a UNESCO, experimentando situações de êxito escolar e melhoria da qualidade de ensino.

Um dos diagnósticos a que se referiram os estudos desenvolvidos no território espanhol, após o debate sobre o PISA 2003, referiu-se à inexistência ou funcionamento deficitário das bibliotecas escolares. Fazendo um estudo contrastivo, que teve continuidade nos últimos quatro anos, foi verificado que

18 No original:

“Necesitamos construir un sistema educativo acorde con los proyectos españoles de desarrollo futuro, y con el objetivo de la Unión Europea de lograr para el año de 2010 una sociedad del conocimiento, culta, dinámica, competitiva y cohesionada social y territorialmente. Son los llamados objetivos de Lisboa, que afectan a toda la política de formación del capital humano, y que el gobierno al que pertenezco desea hacer realidad. [...] la publicación de los resultados del proyecto PISA 2003, que ofrece evaluaciones de los conocimientos y competencias de nuestros estudiantes, ha generado una preocupación que alimenta la búsqueda de reformas que garanticen la calidad de la enseñanza para las nuevas generaciones.”

A análise das experiências dos países com êxito educativo (como Finlândia, Canadá ou Irlanda) sugere que a ênfase na formação do professorado, a atenção individualizada aos problemas de aprendizagem, o uso intensivo de tutorias, de programas efetivos de fomento à leitura, e a conexão dos centros educativos com seu entorno, são algumas das características compartilhadas. Em definitivo, devemos nos comprometer a fazer e reclamar maiores esforços para conseguir as melhoras apreciáveis. [...] devemos reconhecer o esforço realizado, mas a situação das bibliotecas escolares na Espanha não alcançou a posição destacada que

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requer todo o sistema educativo. (SAN SEGUNDO, 2005, p. 8) No Brasil, as primeiras reações da comunidade acadêmica e dos educadores, com a publicação do PISA 2000, articularam os esforços do então recém criado IPM e da Ação Educativa, na anteriormente citada criação do Índice Nacional de Alfabetismo Funcional – INAF. Os dados do INAF são coletados anualmente, com amostra nacional de duas mil pessoas, com faixa etária entre 15 e 65 anos. Posteriormente, são analisados por especialistas de todo o país e, então, a academia, os políticos e a sociedade são solicitada a organizar-se, por meio de recomendações para dirimir ou resolver os principais problemas nacionais sobre o tema do letramento.

A edição do INAF 2007, que se encontra disponibilizado somente em versão digital, assinala a diminuição representativa do analfabetismo absoluto, que caiu de 11% para 7%, no período de 2002 a 2007. (IPM, 2007). No entanto, os outros níveis de alfabetismo apurados na população em 2007, que são o rudimentar, com 25%, o básico, com 40% e o pleno, com 28%, não sofreram alteração numérica acima de dois pontos percentuais no mesmo período, mesmo que a escolarização básica esteja praticamente universalizada no país (LEAL, 2007, p. 66). A leitura desses dados clarifica que, apesar de 4% da população ter sido iniciada em alguma atividade de alfabetização, sendo finalmente incluídas em alguma iniciativa educativa inédita em suas vidas, aqueles que já estão parcialmente escolarizados ou em plena educação não estão conseguindo aprimorar significativamente suas habilidades e competências leitoras.

Essa preocupante deficiência leitora no Brasil revela que não basta apenas disponibilizar vagas e estabelecimentos de ensino para todos os cidadãos, mas também são necessários investimentos na formação de ambientes de aprendizagem, como as bibliotecas escolares, as ludotecas, ou as versões possíveis de espaços equivalentes dentro da sala de aula, como “pelo menos, a existência de um armário que pudesse conter uma diversidade de materiais [bibliográficos e midiáticos] que as crianças provenientes de famílias ricas usufruem fartamente em diversos espaços” (SIQUEIRA, 2007: 12).

19 No original. “El

análisis de las experiencias de los países con éxito educativo (como Finlandia, Canadá o Irlanda) sugiere que el énfasis en la formación del profesorado, la atención individualizada a los problemas de aprendizaje, el uso intensivo de tutorías, de programas efectivos de fomento de la lectura, y la conexión de los centros educativos con su entorno, son algunas de las características compartidas. En definitiva, debemos comprometernos a hacer y reclamar mayores esfuerzos para conseguir mejoras apreciables. […] Debemos reconocer el esfuerzo realizado, pero la situación de las bibliotecas escolares en España no ha alcanzado todavía la posición destacada que requiere todo el sistema educativo.” 142

Discutindo sobre os resultados do PISA e do INAF, muitos especialistas chegaram às mesmas constatações que movimentaram os educadores espanhóis desde 2003, movimentando a sociedade no sentido de buscar a melhoria da situação do letramento no Brasil. Sobre isso, considera-se que

Inicialmente, uma questão se faz necessária. Por que os resultados de avaliações internacionais e nacionais que explicitam os restritos graus de letramento apresentados por jovens brasileiros de 15 anos após oito anos de escolarização continuam provocando comoção nacional? Como a LM [Língua Materna] tem papel decisivo na construção do conhecimento, em uma sociedade grafocêntrica, houve a conscientização de que são limitadas as condições de pelo menos 75% dos jovens para conquistar autonomia e exercer seus direitos de cidadão, assim como serão limitadas também suas contribuições para o desenvolvimento do país. (SIQUEIRA, 2007, p. 12)

Baseando-se em dados contrastivos, em semelhança com o diagnóstico espanhol, os especialistas brasileiros verificaram que a ausência da biblioteca escolar e dos bens culturais bibliográficos é o fator de maior prejuízo no letramento do leitor novato, seja ele uma criança sendo educada na época adequada, seja um adulto recebendo uma escolarização inclusiva. Inclusive, o novo foco da alfabetização está voltado para o letramento, pois

No passado, o foco esteve voltado para a “mão”, para o aspecto gráfico da escrita, para o professor que ensina e as palavras-chave eram exercício/castigo/esforço. Se, no presente, admite-se que a criança aprende continuamente e em todos os espaços, o foco deve voltar-se para o sistema “mente-cérebro” e, portanto, para um investimento muito intenso em leitura, a fim de nutrir a “memória discursiva” com amplo e variado repertório textual. Nesse novo contexto, as palavras-chave passam a ser ludicidade/brincadeira/prazer. (SIQUEIRA, 2007, p. 12)

Segundo este novo foco e a ênfase no estabelecimento e fortificação da Biblioteca Escolar, as histórias em quadrinhos não se colocam como panacéia para dirimir o cruel problema social do analfabetismo, mas certamente a democratização de sua leitura e o investimento em políticas públicas de difusão da mídia e linguagem que as constituem estabelecerão processos sociais de partilha do capital cultural apenas acessível por meio da leitura. Isto por que a leitura das histórias em quadrinhos contém os elementos de ludicidade, brincadeira e prazer presentes na renovação pedagógica proposta, estimulando a estrutura mente-cérebro por meio de uma matriz lingüística híbrida, cumprindo a função de nutrir a memória discursiva, tanto do ponto de vista lingüístico quanto plástico.

Avançando os estudos, com relação à parte da população que efetivamente atingiu o nível de alfabetização desejável pelos mesmos critérios escolares tradicionais, se verificou que isto não representava necessariamente que estes cidadãos se tornassem leitores habituais, consumidores de bens culturais bibliográficos, ou seja, a alfabetização escolar não significou necessariamente o letramento. Muito embora a Espanha esteja avançada em relação à situação do Brasil, existe uma aproximação na interpretação atual dos especialistas, que afirmam e distinguem a importância das histórias em quadrinhos na formação do leitor, por meio de um envolvimento diferenciado com o ato manifesto da leitura. Segundo Manuel Barrero,

As histórias em quadrinhos têm um modelo persuasivo diferente, um modelo comunicativo diferente, que é distinto. A narrativa que está propondo é bem diferenciada e produz uma sensação diferenciada, sobretudo pela imagem, diria precisamente por meio da imagem, que não é possível por meio da literatura. [...] Na Espanha, há uma população alfabetizada, não analfabeta, sem uma parcela não alfabetizada muito ampla, que não lê. Quer dizer, que passa os anos de escolarização, alcança à idade de dezesseis, dezessete e posteriormente trabalha, mas nunca jamais volta a ler. Ainda que menor, existe também um setor amplo da população educada, quer dizer, que consegue uma diplomação (que são quatro ou cinco [anos]) e posteriormente a licenciatura, tendo se doutorado e tendo começado a trabalhar, em um espaço social um pouco mais elevado, pois é um especialista do ramo, tampouco não volta a ler nunca jamais. Nunca mais volta a ler. Por acaso, alguma leitura de sua especialidade, mas é muito pouco. [...] Por isso, se lemos menos, pois, seremos menos capazes de compreender que as histórias em quadrinhos podem ser interessantes para nossos filhos. Ainda mais, há muita coisa da cultura, da história, das sociedades, dos distintos aspectos do mundo real que se podem compreender muito bem por meio das histórias em

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quadrinhos. (BARRERO, 2006, Anexo 1, p. 21)

Porém, apesar da deficiência em compreender os mecanismos de formação do leitor por parte de muitos pais, estes têm buscado a superação de suas limitações com muito afinco, superando as atitudes reativas da escolarização tradicional com relação ao uso de histórias em quadrinhos. Assim, a lógica perversa que condena os egressos de lares analfabetos aos níveis mais básicos da alfabetização está sendo quebrada, pelos pais e cuidadores que, mesmo sem dominarem os rudimentos da leitura, são capazes de sentir a importância que as histórias em quadrinhos têm na vida intelectual de seus filhos. Ana Maria de Oliveira Galvão, ao coletar depoimentos de profissionais de nível superior egressos de lares analfabetos, narra a história da pedagoga Fabiana, que

20 No original: “La