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Massificação das histórias em quadrinhos na Espanha

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL E NA ESPANHA

3 Para a elaboração desta

2.3 O DESENVOLVIMENTO DAS NARRATIVAS GRÁFICAS SEQÜENCIAIS NA ESPANHA

2.3.3 Massificação das histórias em quadrinhos na Espanha

A Restauração Monárquica, no período de 1876 a 1902, traria, além das novas condições para a publicação de toda a natureza de periódicos, a renovação tecnológica que permitiu a massificação da imprensa e, consequentemente, das histórias em quadrinhos. Foi encerrada a maioria dos títulos republicanos, mas os mesmos artistas migraram para novos títulos, como El Solfeo e outros. Redações criadas nessa época, como a de El Tío Conejo -- o ex-El

Cencerro -- apenas seriam novos títulos para os velhos jornais, cujos

membros simplesmente trocavam os pseudônimos e eram reconhecidos pelo público por seu estilo pessoal.

Arte de Rojas, típica do início do século XX.

Outra das conseqüências da massificação foi um certo amadurecimento temático, ou seja, o humor gráfico tornou-se mais picante e voltado para a crítica de costumes, como foi o caso do Almanaque de los Maridos, com capas nudistas e humilhantes para os prepotentes maridos espanhóis, ali sempre adornados com belos pares de chifres e galhadas. Uma síntese dos vários gêneros humorísticos e aprimoramento dos recursos gráficos eram visíveis na publicação Madrid Cómico, que mudaria de século amparada pela adesão de inúmeros leitores, preparando inclusive os profissionais que trabalhariam em órgãos de imprensa mais abrangentes. Outro periódico humorístico de longa vida, El

Motín, foi o novo porta-voz da sátira

política e também clerical, produzido em Sevilha por José Nakens, sendo os colaboradores do jornal apelidados de “amotinados”.

As técnicas de impressão foram se aprimorando e trouxeram, antes da virada do século, a cromolitografia. Infelizmente, a massificação da imprensa não dinamizou só a sua fruição e leitura, mas também o alcance dos processos sociais por ela documentados. Ocorreu o primeiro assassinato de um humorista, Antonio Rodríguez García-Val, em 1886, motivado pelas incríveis charges humorísticas no periódico

Las Dominicales del Libre Pensamiento. No apagar das luzes do

século XIX surgiu El Gedeón, sendo que Gedeón era um personagem, com falas e vida própria, enfatizando criticamente as manchetes informativas. Algumas redações de periódicos humorísticos, como El Globo e El Resumen, foram empasteladas a mando de “caricaturizados” poderosos, antecipando as ações que ocorreriam com mais freqüência no século seguinte.

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No início do século XX, a Imprensa de humor, cansada da temática das guerras das Filipinas e Cubana, nas quais os Estados Unidos haviam infringido uma derrota à Espanha, queriam “virar a página”. El Madrid Cômico e

El Gedeón inovam sua publicação e sua forma de

trabalho, cooperando para a abertura da Associação de Imprensa de Madrid. Além dos “Três Mosqueteiros”, Poveda, Rojas e Navarrete, havia o artista gráfico surdo-mudo Daniel Perea (fazendo às vezes de D'Artagnan), autor das mais surpreendentes caricaturas e piadas, assinando também como SEM, sempre que trabalhava com os irmãos Bécquer, Valeriano e Gustavo Adolfo.

Neste início de século, o movimento artístico e cultural Modernista também foi alvo de muitas sátiras desses dois periódicos. Para descobrir novos talentos,

El Gedeón fez o primeiro concurso de “difamadores”,

tendo como jurados Luis Taboada, Juan Pérez Zúñiga e Felipe Pérez y González. Como o El Gedeón era infinitamente mais elegante em seus chistes que os demais, chegou a ser comprado pelo Duque de Tovar, uma vítima muito acossada, ao invés de ser empastelado, sem que nenhum dos redatores fosse demitido. Neste ano, foram lançados alguns títulos novos, como La Pulga, El Censor, El Regenerador, El

Evangelio. Em Barcelona, sempre muito ativa nas

publicações humorísticas, foi lançado o jornal ¡Cu-Cut!, com o grande desenhista Cornet e seu personagem, um vovô gorducho e baixinho com um gorro vermelho, que criticava a corrupção dos governantes populistas da época, concentrando as sátiras no político Alejandro Lerroux.

Em 1903, o primeiro prêmio do “Salón de los

Caricaturistas”, iniciado neste ano, coube ao sevilhano

Pedro de Rojas, colaborador do periódico Madrid

Cómico. Esta e outras publicações de longa vida

iniciaram-se sustentadas pelo aumento do número de leitores, como Monos, Pierrot, El Alarcan. O humor passou também a protagonizar publicações internacionais, como a revista Pêle-Mêle, editado entre parisienses e humoristas de Barcelona.

Arte de Fresno.

Arte de Xaudaró.

Também foi publicado um álbum de caricaturas,

¡Calabazas! Politiquillos, escribidores, criticastros, pintamonas, cacharreros, murguistas, histriones, maletas y otras notabilidades al uso. Este trabalho consagrou a técnica

espanhola de distorção cômica da cabeça do retratado, desenvolvida no final do século XIX pelo então jovem desenhista Francisco Sancha. Os atores, Luis Falcado e Luis de Oteyza, usaram os pseudônimos de Don

Hermógenes y El Maestro Ciruela. Em Barcelona, é

publicado o primeiro periódico cômico infantil, Patufet, que era suplemento da revista Papitu, onde se revesavam os melhores artistas gráficos andaluzes, como o menino José Aragay.

No ano de comemoração do terceiro centenário da obra de Miguel de Cervantes Saavedra, 1905, Dom

Quixote, várias novas publicações ocorreram em

Barcelona, como Rojo y Verde, La Tarántula, El Loco, La

Buena Sombra. Em novembro, um comando militar de 300

soldados não só empastelou a redação da revista Cu-Cut, como demoliu e queimou o prédio onde ela funcionava. O governo espanhol, ao invés de investigar e castigar os culpados pelo desmando, garantiu seu julgamento por um tribunal militar, que absolveu a todos. Logo, em 1907, Filiberto Montagud organizou El Primer Salón de Humoristas

en España, que recebeu mais de cinqüenta inscrições, o que

demonstra a quantidade de artistas gráficos e redatores humorísticos em atividade na época.

A ambição de inovar rapidamente o humor gráfico nos anos 1910 fez nascer e morrer, neste mesmo ano, a revista

¡Ja,ja!. Outros lançamentos, como Pirraca, ¡Pim, pam, pum!

e El Duende, caminharam por caminhos mais seguros e duraram mais. Certamente, a revista ¡Pim, pam, pum! foi a mais politizada, identificando-se claramente com os ideais republicanos e insultando muitíssimas autoridades

de toda a natureza. Seu desenhista, Vicente Ybáñez, chegou a acumular trinta processos concomitantes por desacato e difamação. Luca de Tena, verificando todo o material relevante do

Gedeón, organizou uma grande exposição, digna

de nota. Francisco Sancha recebeu a segunda medalha nacional na Exposición Nacional de

Bellas Artes , enquanto seu colega mais jovem,

Santiago Rusiñol, recebeu a medalha única da exposição de histórias em quadrinhos de Chicago.

Arte de Cornet.

Arte de Vicente Ybáñez, cuja produção politizada chegou a acumular trinta processos concomitantes por desacato e difamação.

Capa de El Duende.

No início da segunda década do século XX, as inovações se iniciaram por outros novos títulos, que por sua parte também foram buscados nas bancas de jornal, por um público cada vez mais alfabetizado e cativado pelo humor. Foram publicados: El Látigo, La

Hoja de Parra, Espana Alegre, ¡Ahí, vá...!, ¡Oiga, usted...!, El Cuerno, Dom Pepito e Qui-qui-ri-quí. Todos

esses periódicos, muito embora sob diferentes classificações, assumiram características comuns: seus humoristas generalizaram o uso de pseudônimos “absurdos”, realmente ocultando sua identidade. As exceções eram os mais velhos e conhecidos, como Tovar, Karikato e Sileno. A imprensa humorística,

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também chamada de festiva, cômica ou sicaliptica , adotou um direcionamento para diferentes tipos de público, cada vez investindo mais na convergência entre o texto e a imagem em sua linguagem gráfica. Uma outra tendência comum foi o crescente uso das fotografias, como nova fonte de imagens para a imprensa.

Neste momento histórico espanhol, os desenhistas tornaram-se mais famosos na imprensa do que os redatores, principalmente tratando-se de periódicos de humor. Os novos artistas gráficos perderam um pouco o medo de i d e n t i f i c a r - s e e a d o t a r a m pseudônimos fixos, s e n t i n d o - s e a p o i a d o s p e l a p o p u l a ç ã o . Surgiram nomes c o m o P e r r i e r , Montagud, Xán, Donaz, Massaguer, Bonilla (ou Santana B o n i l l a ) , A l m o n g u e r a , Barbero e outros. Pela primeira vez, uma mulher ilustradora se destaca no humor gráfico espanhol, Aurora Vela, que a

parece inicialmente trabalhando na revista Alirón, para depois contribuir com outras publicações humorísticas madrilenhas.

Capa de La Hoja de Parra. Arte de Manuel Tovar. Capa de ¡Ahi...vá! 7 Quando chamada de sicalíptica, a imprensa de humor possuia um cunho erótico.

Às vésperas de um novo momento de guerra, a Exposición

Nacional de Bellas Artes expôs um número nunca antes visto de

charges e outras peças de humor gráfico, premiando os artistas: Ramirez, Echea e Robledano. Pela excelência, Echea ainda ganhou o primeiro prêmio do Concurso Nacional del Círculo de

Bellas Artes de Madrid. Nesta época, os jornais e revistas não

humorísticos, como El Liberal e El Imparcial, começaram a reservar seções, com intuito de introduzir charges e outras peças de humor gráfico. Este espaço futuramente acomodaria as “tiras”, como já ocorria na imprensa norte-americana.

O assassinato do Príncipe Francisco Fernando em 1914, na cidade de Sarajevo, inicia a Primeira Guerra Mundial, movimento bélico que acabou por congregar a juventude espanhola, mesmo que este país não participasse diretamente do conflito. Muito embora os periódicos cômicos prosseguissem em sua publicação, e houvesse alguns outros lançamentos, o posicionamento com relação à guerra posicionou o humor a serviço da polêmica sobre os conflitos e seus partidários, vinculando a duração destes novos títulos a este fato social. Enquanto as publicações sediadas na capital espanhola eram frequentemente censuradas, as produzidas fora, como a revista valenciana El Chorizo Japonês, eram vendidas sem problemas até na própria Madrid.

O veterano do humor gráfico Cecílio Plá lança a Cartilla del

arte pictórico, explicando os princípios até então

dominados na Europa das narrativas seqüenciais gráficas, das charges, das caricaturas. Valendo-se de uma ampliação do mercado, a publicação se Plá servia para a formação de iniciantes, que não necessariamente saiam das escolas de artes plásticas e tinham mais pretensão humorística do que artística.

O semanário España, fundado por José Ortega y Gasset, ainda em 1914, um periódico de variedades, contava com grandes contribuições dos melhores artistas gráficos do momento, tendo as primeiras páginas sempre compostas por Francisco Mateos, Fernando Marco, Penagos e Baragía, sempre a quatro cores. A revista Iberia, uma publicação política de oposição aos alemães, publicava em suas capas as incríveis charges de do artista catalão Felix Elias (Apa), posteriormente reunidas em um álbum denominado

Kameradem, que rendeu ao artista uma comenda, “A Legião de

Honra” do governo francês.

Capa do semanário España, fundado por José Ortega y Gasset.

A partir de 1916, fica clara a produção das histórias em

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quadrinhos na Espanha, com a publicação de El Pulgarcito , que sofreria as agruras da guerra e teria uma produção intermitente até 1920. Também surgiram os periódicos El Fresco de Goya, El Zurriago, El

Trabuco, El Zorro, El Gato Negro, La Mosca e El Caos. Ocorreu, em nível

nacional, o I Salón de Humoristas, premiando o desenhista Valentín Castanys, revelação do humor gráfico espanhol com apenas dezoito anos de idade recém cumpridos. Foi também lançada neste ano uma semi-quadrinhização, chamada Quijote em Imágenes, pelo artista gráfico Jaime Pahissa. Apelidado de “Gustavo Doré espanhol”, por conta da excelência deste trabalho, Pahissa não desfrutou financeiramente de sua fama, pois preferia fazer suas incríveis charges políticas a contribuir com a ilustração de obras mais convencionais.

Esta tendência se consolidou com o lançamento, em 1917, do semanário infantil “TBO”, que nasceu no penúltimo ano da guerra e sobreviveu a inúmeros cataclismas. Até o número dez, foi publicado em preto e branco, e desde então em quatro cores. Começou em Barcelona, para então expandir seu público consumidor por toda a Espanha, d i v u l g a n d o e i m p l a n t a n d o definitivamente as histórias em quadrinhos entre os leitores infantis e adultos também. Muito embora o idioma espanhol já houvesse cunhado recentemente o termo “historietas”, as histórias em quadrinhos na Espanha até a atualidade continuam sendo

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chamadas de “Tebeos” . Seu principal artista gráfico nos primeiros anos foi José Donaz. Neste ano, um menino de apenas seis anos foi premiado no segundo Salón de Humoristas, Emilio Grau Sala, prodígio que viria a se tornar um dos maiores artistas gráficos da Espanha nos anos 1930. Também neste ano ocorreu a primeira Greve Geral na Espanha e em outros países latinos, movimento social que contou com a contribuição internacional do humor gráfico e tem grande significação para os artistas gráficos espanhóis. 8 José Maria López Ruiz (2006, p. 84) afirma que o inicio da publicação de Pulgarcito foi em 1916, enquanto Viviane Alary afirma que esta revista foi lançada apenas em 1921, depois da revista TBO. Nesta tese, será considerada a informação de Ruiz, que determina a influência do madrilenho Pulgarcito sobre os quadrinhistas de Barcelona e não o contrário, como afirma Alary (2002, p. 34). Capa da revista TBO, que deu origem ao termo popular Tebeo, pelo qual são conhecidas as histórias em quadrinhos na Espanha. 8 A palavra espanhola Tebeo se origina da leitura fonética do título do semanário infantil TBO.

No final da Primeira Guerra Mundial, revolucionaram-se muitos dos costumes europeus, até mesmo modificando a redação humorística, determinando um ano de intensas mudanças na imprensa espanhola. Em lugar de lançamentos e encerramentos de jornais e revistas, o grande destaque foi a modificação das linguagens e das mídias, que determinou entre outros fatores a consagração das histórias em quadrinhos e sua aparição identificada em toda a natureza de publicações.

E assim chegamos ao ano de “encerramento” por esgotamento da Grande Guerra: 1918. Um ano que, depois do balanço estremecedor da contenda, veria nascer muito rápido todo tipo de revoluções políticas, sociais, de costumes e, era de se esperar, da forma de rir, havia aparecido a demanda por tal coisa depois de milhões de mortes na conflagração. (RUIZ, 2006, p.

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Neste ano, nasceu um cachorrinho que modificaria também outras mídias espanholas, “El perro de

Xaudaró”, criatura imaginária que ocultava a identidade

do artista gráfico Joaquín Xaudaró, autor consagrado de charges, histórias em quadrinhos para crianças e adultos, assim como dos primeiros desenhos animados espanhóis.

A década de 1920 caracterizou os anos dourados do humor e das artes gráficas na Espanha, assim como em toda a Europa. A Belle Époque foi então enterrada por uma grande convulsão social e revolução de costumes, com o reposicionamento social da mulher, também permanentemente ingressada nas redações jornalísticas e no humor. A recuperação do mercado editorial espanhol criou espaço para inúmeros lançamentos humorísticos nacionais e internacionais, nos quais a presença das histórias em quadrinhos e do material estrangeiro mesclado foi constante: La Sazón, Pasquino, La Vie

Parisienne, La Baionnette, Le Rire, Fantasio, Pages Folles, L'assiette au Beurre, Simpliccissimus e Punch. Francisco Lopes

Rubio recebe sua terceira premiação, na

Exposición Nacional de Bellas Artes. Este foi

um ano de muito prestígio para os artistas gráficos, graças à melhoria tecnológica dos processos de edição, que ajudou a incorporar seus trabalhos a toda natureza de publicação.