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PARTE II – TEORIA DOS SISTEMAS DE NIKLAS LUHMANN

3.4 Acoplamentos estruturais

Um dos principais pontos destacados até o momento foi o fechamento operacional dos sistemas autopoietico. Todavia, a questão que logicamente se coloca é: partindo deste pressuposto autopoietico, como pensar a variação na sociedade? Em outras palavras, como pensar a relação entre os sistemas? Para Luhmann, “resultaria em um quadro

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apítulo “3. Direito penal e política criminal”, em especial itens “3.1 Sistema jurídico” e “3.2.

Sistema político”. 139

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sumamente parcial se descrevêssemos a sociedade moderna somente como um conjunto de sistemas funcionais autônomos. (...). A objeção que se coloca contra isso é que em algum lugar e de alguma maneira deve ocorrer a integração”. (140)

Nesse contexto, importa analisar com mais atenção a forma como Luhmann pensa a relação entre sistemas e com o próprio ambiente, o que implica tratar de seu conceito de evolução social, que remete ao processo de seletividade e diferenciação social, para, no tópico seguinte, tecer algumas conclusões acerca da sociedade moderna “complexa” e “funcionalmente diferenciada”.

Com efeito, a importância da relação entre sistema e ambiente é algo essencial para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, que reconhece a importância no estudo do modo pelo qual se desenvolvem as relações entre os sistemas e o próprio ambiente, pois

“mesmo que enfoque maior da teoria dos sistemas seja dado ao fechamento operativo dos sistemas autopoieticos, maior urgência se coloca o problema do modo pelo qual, em tais circunstâncias se formam as relações entre sistema e ambiente. Porque com isso não se nega nem a realidade nem a relevância causal do ambiente. De outra maneira não seria possível falar em diferença, de processo de diferenciação etc.”. (141)

Trata-se de questão interessante, pois “o fechamento operacional traz como consequência que o sistema fique determinado à auto-organização. Suas próprias estruturas podem constituir-se e transformar-se mediante operações próprias”. 142 Diante desse cenário,

“como é possível que um sistema se relacione com seu ambiente quando ele não pode realizar nenhum contato com ele?” (143)

140 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. (op. cit). p.615

141 LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. [trad. Javier Torres Nafarrate et all.] Ciudad de

México: Editorial Herder; Universidad Iberoamericana, 2005., p. 507. (tradução livre)

142 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. .op. cit. p. 67 143 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. .op. cit. p.72

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Para Luhmann, a manutenção teoria dos sistemas depende de uma resposta adequada para esta pergunta, reconhecendo, porém que “a resposta a uma pergunta difícil é um conceito difícil”. O autor vai buscar o mencionado “conceito difícil” também em outras áreas fora do direito ou a sociologia clássica, como a biologia.

A resposta encontrada está no conceito de acoplamento estrutural. Os acoplamentos estruturais delimitam e restringem o campo das possíveis estruturas com as quais um sistema pode realizar sua autopoiese. O conceito de acoplamento estrutural está indissociavelmente ligado à forma como a teoria dos sistemas apreende a evolução, conforme passamos a examinar.

De plano, ficamos com as considerações de Elena Espósito no sentido de que “indica-se como acoplamento estrutural a relação entre um sistema e os pressupostos do ambiente que devem apresentar-se para que possam continuar dentro de sua autopoiese” (144).

A autora esclarece ainda que os sistemas autopoieticos se fecham operacionalmente sem inputs de materiais ou informação do ambiente:

“Os sistemas autopoiéticos estão determinados pela estrutura, no sentido em que apenas as próprias estruturas do sistema podem estabelecer as operações que efetua: se exclui o fato de que os dados do ambiente podem determinar o que acontece no sistema. Não obstante isso, todos os sistemas necessitam de muitos pressupostos factuais em seu ambiente que não podem produzir nem garantir por si mesmos: ou seja, pressupõem um contínuo de materialidade necessário para sua existência. A reprodução da comunicação, por exemplo, necessita um ambiente físico compatível com ela e com a reprodução dos organismos, da disponibilidade dos sistemas psíquicos para que possam

144 CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; e BARALDI, Claudio. Glosario sobre La teoria Social de Niklas Luhmann. [trad. Miguel Romero Pérez y Carlos Villalobos, coord.. Javier Torres Nafarrate]

Ciudad de México /Guadalajara: Universidad Iberoamericana y Instituto Tecnol.gico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO)., 1996; pp. 19-21 (Elena Espósito cunhou o verbete em questão). (tradução livre)

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participar da comunicação, assim como de muitas outras condições que se dão normalmente por supostas. (...)”. (145)

Assim é que o acoplamento estrutural assume a forma de uma relação ortogonal (termo que Luhmann importa da biologia). Isso indica que o sistema realiza suas operações em completa autonomia: “acoplamento estrutural e autodeterminação do sistema se encontram em uma relação ortogonal, pois ainda que se pressuponham não podem se determinar reciprocamente”. É dizer que o ambiente e os sistemas entre si podem afetar o sistema específico “unicamente enquanto produz irritações (ou problemas, perturbações) que se reelaboram internamente: sem embargo, as irritações também são construções internas, que resultam de uma confrontação dos eventos com estruturas próprias do sistema”. Portanto, não há irritações no ambiente do sistema: “a irritação é sempre na realidade uma autoirritação, partindo-se eventualmente de eventos do ambiente.” (146)

Nesse contexto, os acoplamentos estruturais são formas específicas que possibilitam aos sistemas sociais que pressuponham a situação e as mudanças em seu ambiente e coliquem esse contexto às suas operações internas. Pode-se dizer, ilustrativamente, que “nas suas operações cotidianas o sistema jurídico não observa seu acoplamento estrutural ao sistema político. Entretanto, em virtude de seu acoplamento estrutural, o sistema jurídico permite-se ‘irritar’ internamente, a partir de suas próprias estruturas seletivas, pelo sistema político”. Não se trata, assim, de nenhuma determinação ou “input” trocado entre sistemas ou mesmo com o ambiente, “as irritações, informações e operações do sistema jurídico são sempre selecionadas e construídas internamente”, é a partir delas que ocorre a transformação dos sistemas. “Sem o acoplamento estrutural não haveria chance de aprendizagem dos sistemas parciais”. (147)

145 CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; e BARALDI, Claudio. Glosario sobre La teoria Social de Niklas Luhmann. [trad. Miguel Romero Pérez y Carlos Villalobos, coord.. Javier Torres Nafarrate]

Ciudad de México /Guadalajara: Universidad Iberoamericana y Instituto Tecnol.gico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO)., 1996; pp. 19-21 (Elena Espósito cunhou o verbete em questão). (tradução livre)

146 CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena; e BARALDI, Claudio. Glosario sobre La teoria Social de Niklas Luhmann. (op. cit). p, 19 (tradução livre)

147 CAMPILONGO, Celso. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Editora Max

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A ideia de acoplamento estrutural será desenvolvida com mais atenção quando da análise das relações específicas do acoplamento estrutural do sistema político com o sistema político ― por meio da Constituição (148).

O que importa registrar nesse momento é que a noção de acoplamento não contraria a tese do fechamento operativo, mas antes a complementa. A noção de acoplamento estrutural e de irritação ― que ora se entende como “autoirritação” ― fornecem a resposta de Luhmann para a forma como os sistemas se relacionam entre si e com o seu ambiente, em perfeita harmonia com as considerações acerca do fechamento operacional.

3.5 Uma teoria da evolução social: sociedade moderna, complexidade,