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PARTE III – A CRIMINALIZAÇÃO DE SEU TEMPO

7. B EM J URÍDICO E C ONSTITUIÇÃO : L IMITES E P ARÂMETROS PARA A

7.2 Constituição como limite do direito penal

7.3.1 Teoria dos mandados constitucionais de criminalização

7.3.1.1 Os mandados constitucionais expressos

Como visto no primeiro capítulo, a Constituição de 1988 apresenta uma quantidade significativa de normas que, em princípio, não outorgam ou asseguram direitos individuais e tampouco tratam da conformação do poder, mas, antes, tratam de alguma forma da criminalização de condutas.

Vejamos: (i) no art. 5°, XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; (ii) art. 5°, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (iii) art. 5°, XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se

321 FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de

normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 110.

322 HC 104410, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012,

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omitirem; (iv) art. 5°, XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (v) art. 5°, LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; (vi) art. 7°, X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; (vii) art. 225, § 3° – as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; (viii) art. 227, § 4° – a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente; (ix) art. 243, - as glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei; e art. 243, parágrafo único – todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias. (323)

Do ponto de vista histórico, verifica-se que já no século XVIII a Constituição norte-americana de 1787, previu dois dos chamados mandados expressos de criminalização, relacionados à punição dos falsificadores de títulos públicos e da moeda corrente dos Estados Unidos e dos atos de pirataria cometidos em alto mar e das infrações aos direitos das gentes - artigo 1º, Seção 8, (6) e (10). (324)

323 Rol semelhante é apresentado nas seguintes obras: FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2005, p. 80-82; e GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a

proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. São Paulo: 2006. Belo

Horizonte. Editora Fórum, 2007, p. 128.

324 GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção de Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988. Coleção Fórum de Direitos Fundamentais.

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Analisando o direito comparado, percebe-se a existência de chamados mandados de criminalização no texto de Constituições europeias como as da, Espanha (325), Alemanha (326), França (327), Itália (328) e da própria Comunidade Europeia (329). Nesse cenário, a Constituição brasileira de 1988 adotou um dos mais amplos, senão o mais amplo rol de previsões constitucionais expressas de criminalização.

Segundo os adeptos da teoria dos mandados de criminalização, a Constituição estabeleceria dessa forma, prévia e abstratamente, determinadas condutas que deveriam ser penalmente tuteladas, constituindo esse o núcleo mínimo de criminalização obrigatória a que o legislador estaria vinculado.

Gilmar Mendes chega a afirmar que “tal concepção legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa –

325 “Art. 45. 1. Todos têm o direito a desfrutar de um meio ambiente adequado para o desenvolvimento da pessoa, bem como o dever de conservá-lo. 2. Os poderes públicos velarão pela utilização racional de todos os recursos naturais, com o fim de proteger e melhorar a qualidade da vida e defender e restaurar o meio ambiente, apoiando-se na indispensável solidariedade coletiva. 3.Para quem violar o disposto no apartado anterior, nos termos que a lei fixar se estabelecerão sanções penais ou, se for o caso, administrativas, bem como a obrigação de reparar o dano causado” “Art. 46. Os poderes públicos garantirão a conservação e promoverão o enriquecimento do patrimônio histórico, cultural e artístico dos povos da Espanha e dos bens que o integram, qualquer que seja seu regime jurídico e sua titularidade. A lei penal sancionará os atentados contra este patrimônio”

(Constituição da Espanha, de 27 de dezembro de 1978 – tradução livre)

326

“Art. 26. 1. São inconstitucionais os atos que sejam suscetíveis de atentar contra a convivência pacífica entre os povos e sejam realizados com essa intenção, em especial aqueles que se destinem a uma guerra de agressão. Esses atos deverão ser penalizados”. (Lei Fundamental da República

Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949 – tradução livre)

327

“TÍTULO X – Da responsabilidade penal dos membros do Governo. Art. 68-1. Os membros do Governo serão responsáveis penalmente pelos atos cometidos no exercício de suas funções e tipificados como delitos no momento em que os cometeram (...)”. (Constituição da França, de 4 de outubro de 1958 – tradução livre)

328

“Art. 13. (...) É punida toda a violência física e moral sobre as pessoas sujeitas de qualquer modo a restrições em sua liberdade. A lei estabelecerá os limites máximos da detenção preventiva”

(Constituição da Itália, de 22 de dezembro de 1947 – tradução livre)

329

“Art. III-271º. 1. A lei-marco européia pode estabelecer regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções em domínios de criminalidade particularmente grave com dimensão trans-fronteiriça que resulte da natureza ou das incidências dessas infrações, ou ainda da especial necessidade de combatê-las, assente em bases comuns. São os seguintes os domínios de criminalidade em causa: terrorismo, tráfico de seres humanos e exploração sexual de mulheres e crianças, tráfico de drogas e de armas, lavagem (branqueamento) de capitais, corrupção, contrafação de moeda, criminalidade informática e criminalidade organizada”

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Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats)”. (330)