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Adán Nieto Martín e a culpabilidade pelo déficit de autorregulação permanente

4. OS PROGRAMAS DE CORPORATE COMPLIANCE

5.3 UM GIRO CONCEITUAL NECESSÁRIO: OS MODELOS DE AUTORRESPONSABILIDADE PENAL

5.3.5 Adán Nieto Martín e a culpabilidade pelo déficit de autorregulação permanente

O modelo proposto por Adán Nieto Martín adota como ponto de partida que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é uma decisão essencialmente de política criminal à disposição do legislador, submetida, apenas, ao direito penal constitucional. Na opinião do referido autor, “em um Estado constitucional a dogmática penal, nem muito menos uma determinada concepção da teoria do delito, não representa uma barreira infranqueável da política criminal, cujo limite único se encontra na Constituição.” (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 17)163.

Sentado o anterior, fica claro, desde o começo, que a construção teórica de Nieto Martín é pautada bem mais por preocupações político-criminais que por um rigor teórico- dogmático, o que não significa, por outro lado, que a teoria jurídico-penal esteja ausente em sua proposta. De qualquer maneira, em sua opinião, duas seriam as preocupações político- criminais básicas que a proposição de uma responsabilidade penal das pessoas jurídicas pretenderia afrontar: (a) o aumento do poder corporativo; (b) o déficit de conhecimento da administração frente à criminalidade empresarial.

Com relação ao primeiro problema político-criminal aludido, tem-se que com a radicalização da modernidade, já anteriormente tratada, e junto a ela o incremento de fenômenos como a globalização e a verticalização dos riscos, as empresas assumiram uma posição de eminente protagonismo no cenário econômico e geopolítico global164. A possibilidade de localizar suas atividades em qualquer local do mundo, oferecendo produtos

163 Traduzido livremente do original: “en un Estado constitucional la dogmática penal, ni mucho menos una determinada concepción de la teoría del delito, no representa ninguna barrera infranqueable de la política criminal, cuyo único límite se encuentra en la Constitución.”.

164 Em um exemplo bastante gráfico sobre o assunto, Adán Nieto Martín (2008c, p. 126) ilustra o tamanho da ameaça exercida, em tempos atuais, pelo poder corporativo (corporate power). Como bem explica o referido autor: “De las cien economías más potentes del mundo, 51 son corporaciones, y existen empresas casi tan potentes como Australia, y con presupuestos que superan a países como Noruega, Finlandia o Portugal. En el año 2000 el New York Times señalaba que el valor de mercado de Microsoft era similar al producto interior bruto de España.”. Em tradução livre: “Das cem economias mais poderosas do mundo, 51 são corporações, e existem empresas quase tão poderosas que a Austrália, e com pressupostos que superam países como a Noruega, a Finlândia ou Portugal. No ano 2000, o New York Times assinalava que o valor de mercado da Microsoft era similar ao produto interno bruto da Espanha.”.

em um mercado específico sem que a sua produção tenha necessariamente se dado neste, permite às empresas transgredir imposições legais nacionalmente impostas, o que termina por colocar em xeque a eficácia das próprias legislações nacionais. Desta maneira, cria-se a imperiosa necessidade de desenvolver mecanismos jurídicos que permitam de algum modo alcançar os tomadores das decisões corporativas que se localizam, em muitos casos, fora dos limites alcançáveis territorialmente pela legislação penal. Neste contexto, instaurar uma responsabilidade penal das pessoas jurídicas, na visão de Nieto Martín, se mostraria como uma solução possível na luta contra o poder corporativo (corporate power), posto que assim permitir-se-ia a criação, no seio corporativo, de formas de autocontrole e organização interna que se contraponham às possibilidades de deslocalização territorial tanto de sua produção quanto das esferas de responsabilidade estabelecidas pela sua hierarquia (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 57).

A outra problemática político-criminal que seria auxiliada por uma responsabilização penal das empresas, para Nieto Martín, é justamente o (b) o déficit de conhecimento da administração frente à criminalidade empresarial. Isto porque, como decorrência dos já citados fenômenos relacionados com a modernidade, a dificuldade em torno da regulação do comportamento das corporações tornou-se consideravelmente maior. Hoje, o saber tecnológico é majoritariamente desenvolvido dentro dos centros de investigação das próprias empresas e não mais, como outrora, a partir da iniciativa pública, que na maioria dos âmbitos perdeu a sua antiga autoridade técnica. Deste modo, o Estado, para não tornar sua intervenção praticamente inócua, precisa alterar sua forma de atuação, exigindo das empresas que, de certa maneira, assumam uma função pública, no sentido de se autorregularem com o fim de colocarem-se ao lado do Estado na tarefa de controlar os novos riscos e de proteger o interesse dos cidadãos, a partir da evitação do cometimento de fatos delitivos em seu seio.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas, neste contexto, alcança uma função chave, representando uma espécie de pacto entre o Estado e o poder corporativo, onde em troca dos benefícios derivados da responsabilidade limitada e a cada vez maior liberdade econômica concedida, as empresas se colocam ao lado do Estado para alcançar alguns de seus fins, entre os quais, o combate à criminalidade corporativa. A punição, pois, decorreria de uma falha das empresas em manter este compromisso, servindo a responsabilidade penal, na verdade, como um verdadeiro estímulo à autorregulação (NIETO MARTÍN, 2008c, p. 126).

Feitas estas considerações acerca das vantagens da proposta da responsabilização penal das empresas desde uma perspectiva político-criminal, Nieto Martín destaca que, em sua visão, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas tem como finalidade o incremento da

eficácia do direito penal e da responsabilidade penal individual. A sanção penal direcionada às empresas, pois, não pretende substituir a responsabilidade individual, mas sim fazê-la mais efetiva, na medida em que a responsabilização do coletivo tem o condão justamente de estimular que as pessoas jurídicas adotem medidas de organização que impeçam e / ou reajam à atuação delitiva de seus membros no âmbito da atividade empresarial (NIETO MARTÍN, 2008c, p. 127).

A grande dificuldade, por óbvio, é como delimitar um sistema teórico que cumpra com as pretensões político-criminais estabelecidas de base pelo autor. Neste sentido, Nieto Martín parte da ideia de que, pelas diferenças de partida entre ambas, as categorias dogmáticas relacionadas com o direito penal individual, construídas a partir da compreensão de determinadas características das condutas humanas, não seriam transladáveis ao âmbito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Por tal razão, para o referido autor, carece de sentido na esfera da responsabilidade penal da empresa a distinção entre injusto e culpabilidade (FEIJOO SÁNCHEZ, 2012b, p. 78). O resultado desta opção é que a posição de Nieto Martín, como ele mesmo aponta, se configura na verdade como um modelo misto, que se utiliza de alguns aspectos da heterorresponsabilidade, no caso a ação humana, entendida pelo autor como uma condição objetiva de punibilidade, para posteriormente analisar o comportamento da própria pessoa jurídica, a partir de um juízo próprio sobre a sua culpabilidade (NIETO MARTÍN, 2008c, p. 132).

O núcleo da proposta de Nieto Martín, portanto, está em sua formulação sobre a culpabilidade empresarial. Seu modelo não toma por base uma teoria em específico, visto que este autor não acredita ser nem conveniente nem adequado fazer girar todo o sistema penal em torno de uma única teorização, como se novas categorias lógico-objetivas fossem. Para ele, “A realidade é demasiado variada para isso.” (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 67)165.

Essa sua percepção sobre o método penal é levada para a sua construção da culpabilidade empresarial, na medida em que ele condensa as construções sobre a culpabilidade das pessoas jurídicas formuladas por diversos autores precedentes166, de maneira a formar um conceito próprio centrado no déficit de autorregulação permanente da

165 Traduzido livremente do original: “La realidad es demasiado variada para ello.”.

166 Em específico, Adán Nieto Martín leva em consideração essencialmente quatro modelos de culpabilidade empresarial: (i) a culpabilidade empresarial como cultura corporativa desviada, formulada por Carlos Gómez- Jara Díez; (ii) a culpabilidade empresarial como defeito de organização, elaborada por Klaus Tiedemann; (iii) a culpabilidade empresarial como ausência de um comportamento pós-delitivo adequado, da lavra dos autores Brent Fisse e John Braithwaite; (iv) a culpabilidade empresarial pelo caráter / pela condução da atividade empresarial, respectivamente de autoria de Ernst Lampe e Günther Heine.

empresa. Isto porque, o referido autor considera que a culpabilidade de empresa pelo defeito de organização é a variante mais acertada dentre as disponíveis, apesar de ressaltar que as demais construções não apenas são todas tendencialmente corretas como também demonstram uma disparidade bastante enriquecedora para auxiliar no estabelecimento de uma delimitação mais precisa sobre o conteúdo deste defeito de organização (NIETO MARTÍN, 2008c, p. 135).

O que Nieto Martín pretende sinalizar com seu conceito é que a direção da empresa, da mesma forma que adota as medidas de gestão voltadas para a obtenção de seus interesses egoísticos, sejam eles de cunho econômico ou de qualquer outro tipo, deve empregar medidas no sentido de garantir que a corporação esteja com a sua atividade organizada para cumprir com as obrigações legais. A responsabilidade da empresa surge, portanto, quando esta não tiver criado um sistema preventivo destinado a minimizar de forma razoável os riscos derivados de sua atividade empresarial (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 146).

A fixação da culpabilidade empresarial nestes termos concorda, pois, com os fins de política criminal a que o autor pretende alcançar com a implementação de um sistema punitivo criminal para as pessoas jurídicas, isto é, “a motivação da autorregulação, que se concretiza na exigência de criar os mecanismos necessários para a prevenção de fatos delitivos, para a reparação de suas consequências e para a colaboração.” (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 146)167. A autoorganização, concretizada nesta pretensão dogmática, evita a sobre- exploração do direito penal individual, reduz os custos relacionados aos processo penal e faz com que as empresas passem a assumir os custos pela evitação e / ou investigação dos atos delitivos praticados em seu seio.

No entender de Nieto Martín, a sua culpabilidade como déficit de autorregulação permanente representaria o “braço” penal de uma tendência legislativa que enxerga o direito de forma reflexiva (Teubner), conceito este plasmado na estratégia de repassar para os atores econômicos boa parte da carga regulatória imediata, exercendo, o direito, uma supervisão desta regulação. É por isto que o referido autor (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 147) defende que:

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é, pois, a ultima ratio do que temos denominado de autorregulação coagida ou autorregulação regulada e concretiza o dever das empresas de colaborar com o Estado com o fim de assegurar a eficácia do

167 Traduzido livremente do original: “la motivación a la autorregulación, que se concreta en la exigencia de crear los mecanismos necesarios para la prevención de hecho delictivos, la reparación de sus consecuencias y la colaboración.”.

direito, redistribuindo de alguma maneira os custos relacionados com a persecução e o ajuizamento de comportamentos delitivos.168

Além desse viés central, pautado pelo déficit de autorregulação permanente, o conceito de culpabilidade empresarial de Adán Nieto Martín possui, ainda, outro elemento essencial, representado pela sua distinta estruturação temporal. Isto porque, o juízo de reprovação formulado por este autor tem em si inserido fatores tanto (a) pré-delitivos quanto (b) pós-delitivos.

Dentro dos elementos (a) pré-delitivos, Nieto Martín considera ser preciso levar em consideração os esforços por parte da empresa na hora de implementar uma cultura de respeito à legalidade, a implementação de programas de contenção de riscos, a criação de canais de informação, etc. Em resumo, em sede de juízo reprobatório deverão ser analisados, em um primeiro momento, como a empresa estava organizada, ou, mais especificamente, como operavam os mecanismos de autorregulação permanente da corporação (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 146).

Por outro lado, diferentemente da culpabilidade individual, devem ser igualmente levados em consideração em sede deste juízo reprobatório coletivo os fatores (b) pós- delitivos, representados pelas atitudes reativas da corporação em face ao descobrimento de um delito169. Isto porque, da mesma forma que ex ante as empresas estão obrigadas a desenvolver medidas adequadas de autorregulação, ex post, após a verificação de ocorrência de um comportamento típico, a empresa deve igualmente reforçar seu compromisso com uma

168 Traduzido livremente do original: “La responsabilidad penal de las personas jurídicas es, pues, la ultima ratio de lo que hemos denominado autorregulación coaccionada o autorregulación regulada y concreta el deber de las empresas de colaborar con el Estado con el fin de asegurar la eficacia del derecho, redistribuyendo de alguna manera los costes que conlleva la persecución y el enjuiciamiento de comportamientos delictivos”. 169 A extensão do juízo de reprovação da culpabilidade sobre os aspectos praticados ex post à perpetração de um

delito demonstram uma clara influência sobre Nieto Martín das formulações de Brent Fisse e John Braithwaite, a respeito do conceito de culpabilidade reativa (reactive corporate fault). Neste sentido, Nieto Martin (2008b, p. 140), ao tratar do referido modelo afirma que “La culpabilidad reactiva posee además un indubitado valor a la hora de realizar un reproche social. Pues, como indica Fisse, parte del reproche que se hace a quien ha cometido una ofensa no depende sólo de cómo se ha comportado previamente, sino de cuál ha sido su actuación posterior. E igualmente tiene también sólidas bases en la teoría de la organización empresarial. Los altos directivos de una entidad se ocupan de grandes cuestiones estratégicas, delegando las actividades rutinarias. Por eso es posible que no estén al corriente del ambiente o las circunstancias que generan la comisión del delito. No obstante, una vez que éste ha tenido lugar se produce el denominado management by exception. Los altos directivos retoman las riendas de la entidad, por ello la reacción sí que constituye generalmente una expresión más exacta de la política empresarial ante estos supuestos.”. Em tradução livre: “A culpabilidade reativa também tem um indubitável valor na hora de realizar uma crítica social. Porque, assim como indica Fisse, parte da reprovação feita contra quem tenha cometido uma ofensa não depende apenas de como tenha se comportado anteriormente, mas de qual tenha sido a sua atuação posterior. E, igualmente, também tem bases sólidas na teoria da organização empresarial. Os altos diretivos de uma entidade se ocupam de grandes questões estratégicas, delegando as atividades rotineiras. Por isso, é possível que eles possam não estar familiarizados com o ambiente ou com as circunstâncias que geram a comissão do delito. Não obstante, uma vez que este tenha lugar, se produz o denominado gerenciamento por exceção. Os altos dirigentes retomam as rédeas da empresa, de modo que a própria reação geralmente constitui uma expressão mais precisa da política corporativa em tais casos.”.

atuação pautada pela legalidade, dando mostras de uma reestruturação rápida no sentido exigido pelo ordenamento. Em específico, seria possível apontar para medidas como a instauração de investigações internas posteriormente à tomada de conhecimento de um fato delitivo, como um bom indicativo de uma culpabilidade empresarial adequada (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 154).

Esta delimitação da culpabilidade em dois momentos distintos, pois, evidencia que para Nieto Martín o direito penal coletivo, apesar de levar em consideração o fato, constitui igualmente um direito penal de autor, onde o comportamento delituoso não é senão a manifestação de uma “personalidade” defeituosa, consistente em um defeito de organização permanente, não pontual. Esta perspectiva, na opinião do referido autor, apesar de ser inteiramente rechaçável sob a análise do direito penal individual – posto que nenhum indivíduo pode ser responsabilizado pelo seu Ser – é inteiramente aplicável no direito penal coletivo. A justificativa para tal afirmação parte de que, na visão de Nieto Martín, diferentemente do que ocorre com os indivíduos, o Estado tem sim a legitimidade para dizer como devem portar-se as empresas, especificamente em relação à sua organização e ao seu caráter. De fato, diversas normas jurídicas contêm deveres de organização interna cujos destinatários são precisamente estes entes coletivos, algo inimaginável no direito penal individual (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 151).

Todos estes elementos, pois, levam o autor às seguintes conclusões: (a) tanto o comportamento pré-delitivo quanto o pós-delitivo são fundamentais para estabelecer o conjunto de exigências que sustentam a ideia de culpabilidade; (b) o defeito organizacional preventivo ou pós-delitivo precisa ter um caráter permanente, não sendo verificada a culpabilidade empresarial e, portanto, não incidindo responsabilidade penal, quando o fato delitivo aparece de forma pontual. O que motiva a responsabilidade penal da empresa não é nem a conduta da pessoa física nem a lesão ao bem jurídico, mas sim o seu déficit de autorregulação permanente; (c) da mesma forma que ocorre em sede do direito penal de autor, o fato delitivo concreto evidencia a existência de uma organização defeituosa previamente. O comportamento delitivo interessa como confirmação da falta de organização; (d) a existência de um comportamento individual delituoso se apresenta, por razões de política criminal, como uma condição objetiva de punibilidade. Por consequência, ainda que o defeito organizacional possa ser verificado anteriormente à perpetração de um crime, a sanção penal contra a empresa só pode ser imposta com a realização de um crime. As irregularidades anteriores à perpetração delitiva só podem ser alvo do direito administrativo sancionador (NIETO MARTÍN, 2008b, p. 152).

São estes, em síntese, os contornos principais do modelo de imputação penal para as pessoas jurídicas formulado por Adán Nieto Martín170. A sua construção é digna de várias considerações elogiosas, em especial pela aproximação que realiza entre o Estado e as empresas. Isto porque, partindo de uma via distinta ao direito penal tradicional, o referido autor consegue desenvolver um modelo de imputação penal às empresas que legitima a criação de uma série de deveres de colaboração com as funções estatais, em uma formulação significativamente respaldada nos conceitos, já apresentados anteriormente, de responsabilidade social corporativa e de autorregulação regulada. Se trata, portanto, de um notável desenvolvimento da culpabilidade pelo defeito organizacional inicialmente apresentada por Klaus Tiedemann, mas que, com Nieto Martín, alcança um viés muito mais moderno e elaborado (FEIJOO SÁNCHEZ, 2012b, p. 80).

Apesar de muito interessante por razões pragmáticas, o modelo de Nieto Martín sofre de uma debilidade considerável no que diz respeito à sua fundamentação dogmática. De início, ao não estabelecer diferença alguma entre injusto e culpabilidade, o autor termina por enfraquecer e reduzir as capacidades de racionalização do poder punitivo de seu próprio modelo. Ao revés de estabelecer dois filtros dogmáticos com objetivos e finalidades distintas, ele une os dois momentos em um inchado conceito de culpabilidade, dificultando sobremaneira a sua aplicação e utilização prática.

Ademais, além desta crítica inicial, o modelo por ele proposto também peca por, em última instância, se tratar de um sistema exclusivamente voltado para alcançar um interesse público específico, representado pelo estímulo à criação e estabilização dentro das empresas de programas eficazes de prevenção e reação à atividade delitiva. Se distancia, portanto, do fato em si, pautando-se exclusivamente na estrutura organizacional da empresa. Para a

170 Existem outros elementos importantes ao modelo desenvolvido pelo autor, mas que para os propósitos do presente trabalho só podem ser tratados de maneira superficial. Em especial, destacam-se três destes elementos: (a) sua visão sobre os elementos subjetivos do dolo e da imprudência, (b) sua construção sobre a inimputabilidade e (c) sua criação de um amplo leque de sanções passíveis de imposição sobre as empresas delinquentes. Em relação ao primeiro ponto, defende que no direito penal coletivo dolo e imprudência se convertem em metáforas ou parábolas, mediante as quais se tenta descrever, apenas, a gravidade do defeito de auto-organização. Relativamente à inimputabilidade, o referido autor entende que existiriam três supostos de inimputabilidade, representados pelas sociedades de fachada, que não desenvolvem atividade econômica alguma, as pequenas sociedades, que apesar de desenvolverem atividades lícitas, não possuem um nível de complexidade suficiente para justificar a imputação direcionada à pessoa jurídica, e, por fim, as organizações criminosas. Para todas estas, Nieto Martín defende a aplicação de verdadeiras medidas de segurança, não de penas criminais. Finalmente, quanto à perspectiva sancionatória, o referido autor que a função da pena direcionada contra a pessoa jurídica é de natureza preventivo especial, representada pela consecução de um maior nível de auto-organização, mediante o compromisso empresarial de prevenir e evitar a realização de delitos em sua atividade. Por isso, a fim de que o mencionado objetivo seja alcançado, é preciso conceder aos magistrado um amplo leque sancionatório, através do qual será possível a lavratura de diversos tipos de

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