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Administração Pública, empresa e gestão empresarial.

DESENVOLVIMENTO DA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA.

1.1. Administração Pública, empresa e gestão empresarial.

Vai sendo comum falar-se de gestão de organizações e já não apenas de gestão de empresas, contudo, no próprio ensino e nos seus manuais de apoio ainda é usual conduzir a apresentação das matérias com estrita referência às empresas e reservar-se um capítulo para as organizações sem fins lucrativos, englobando nestas as organizações integradas na Administração Pública, e explicitando os pressupostos da gestão empresarial que não são aplicáveis á administração pública. No entanto alguns dos grandes autores que se têm dedicado à teoria das organizações, como Simon, March e Mintzberg, preferiram elaborar desde o início as suas construções de modo a abarcarem simultaneamente organizações empresariais e não empresariais, públicas e privadas (Simon, 1976; March e Simon, 1964; Mintzberg, 1979). Não por subscreverem uma perspectiva assimilacionista mas porque adquiriram a percepção de que muitos problemas das organizações são comuns à generalidade destas, permitindo formular princípios gerais.

No seu Administrative Behaviour de 1945, enriquecido em edições posteriores, Simon conduz a análise desde o início com recurso a exemplos de organizações públicas, designadamente municipais, e privadas. Refere-se ao papel dos empresários1, dos clientes e dos empregados, salientando que são os objectivos dos clientes que mais se relacionam com os objectivos da organização, que os objectivos do empresário estão estreitamente realizados com a sobrevivência desta, e que os objectivos do empregado não estão relacionados com nenhum deles embora possa ser induzido a assumir uma lealdade para com os objectivos de serviço ou para com a conservação e crescimento da própria organização. Deste modo, o empregado adquire interesse pessoal no sucesso da organização (salário, prestígio, amizades, outros factores), vê o negócio como seu, interioriza os objectivos da organização, avalia as suas alternativas de escolha em função das consequências para o grupo em que se insere. O equilíbrio das organizações e o seu crescimento dependem da forma como o seu funcionamento induz consumidores, empresários e empregados a manterem o seu interesse (Simon, 1976: 16-18, 73-77, 111- 112, 198-219).

Para o autor as diferenças entre as commercial organizations ou business organizations e as organizações da administração pública não são tão grandes como parecem. Nas primeiras, a orientação é para o lucro, que determina ajustamentos rápidos, e para a conservação, na medida em que há activos que estão associados à continuidade da

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14 empresa. Nas segundas o cliente da organização é o corpo legislativo, sendo que as suas preferências e as do eleitorado se alteram, estando a formulação dos objectivos da organização muitas vezes, ou quase sempre, nas mãos dos quadros de topo (Simon, 1976: 111-112). No Public Administration, trabalho em colaboração com Thompson e Smithburg inicialmente publicado em 1950, Simon retoma esta perspectiva, focando todos os grandes domínios da teoria das organizações por si desenvolvida, atendendo embora a especificidades relacionadas com as organizações públicas, em termos de objectivos, selecção e carreiras de pessoal, tácticas de sobrevivência (de novo a necessidade de apoio do órgão legislativo), controlos formais e informais (Simon et al, 1991).

Onde Simon vê organizações não comerciais, Niskanen, em trabalhos publicados a partir de 1971, vê bureaus, que procuram a maximização do seu orçamento (hipótese inicial depois abandonada) ou (em outras hipóteses) a maximização, quer do seu output, quer das despesas não vinculadas. Seriam características dos bureaus por um lado, o não ser a diferença entre rendimentos e custos da organização apropriada, integral ou parcialmente, pelos seus titulares ou empregados, e, por outro, derivar uma parte dos rendimentos regulares da organização de uma fonte diferente da venda da produção a um preço unitário. Deste modo, bureaus seriam organizações não lucrativas financiadas, ao menos em parte, por dotações orçamentais, sucessivamente renovadas, ou por donativos. Estariam nesta situação as organizações da administração pública e as instituições particulares sem fins lucrativos, que na visão de Niskanen se encontram numa relação de mercado com os patrocinadores a quem oferecem, em troca de financiamento, a promessa de um determinado conjunto de actividades com um certo conjunto de ouputs esperados associados a essas actividades (Niskanen, 1994: 15-42).

A abordagem de Niskanen, que se reconhece tributário de autores como Gordon Tullock, Anthony Downs, Aaron Wildawski (e também de Ludwig von Mises) e é considerado um dos expoentes da escola da Public Choice, privilegia, tal como aliás a de Simon, a relação dos organismos da Administração Pública com o poder legislativo, cuja intervenção, como descrevem March e Olsen (1989: 69-94) e também Rosembloom ( 2001, 103-117) é muito efectiva nos Estados Unidos da América. Existem análises de índole semelhante que incidem sobre a negociação orçamental dentro de um mesmo Governo, ou seja entre Ministérios sectoriais e Ministério das Finanças, ou entre Ministérios sectoriais e Presidência do Conselho de Ministros, como por exemplo a de Philippe Hussenot para o caso da negociação do orçamento do Ministério francês da Cultura e da Comunicação (Hussenot, 1986: 151-161).

Onde Simon, espírito multifacetado ao qual se devem contributos nas áreas de ciência política, gestão, psicologia e inteligência artificial (também foi Prémio Nobel da

15 Economia em 1978) vê uma unidade fundamental das organizações, Niskanen, assumidamente apenas um economista (presidente emérito do libertarian Cato Institute à data do seu falecimento em 2011)vê um pecado original irremível, o de os bureaus viverem de recursos que não são obtidos por via do mercado.

Como encara um jurista a assimilação da gestão pública à gestão empresarial? Franco, em palestra proferida no âmbito da Conferência Modernização do Estado - Instituições Públicas, Que Modelos de Gestão? realizada em 1992 manifestou-se céptico:

O conceito de gestão pública, se não for considerado analógico ao conceito de gestão empresarial, contém em si mesmo uma contradição nos termos. Na verdade, uma coisa é preparar a Administração Pública ou uma parte da Administração Pública para poder adoptar conceitos, quadros e instrumentos de gestão, ou seja, autonomia de gestão, gestão por objectivos, responsabilização pela gestão; outra coisa é pensar que a Administração Pública, em termos globais e gerais, tem estruturas ou instituições que são susceptíveis de liberdade de gestão, de modo idêntico às empresas, organizações ou instituições privadas. O primeiro conceito penso que é positivo. A realidade empresarial criou quadros de autonomia, técnicas, objectivos e formas de responsabilização que constituem bons exemplos de como se pode, com o mínimo de custo, gerar o máximo de proveito. A Administração Pública é, porém, em geral integrada por instituições diferentes e constitui de raiz um sistema diferente. Ora, mencionando essas diferenças, aponto alguns limites ou dificuldades à aplicação directa do conceito de gestão e, porventura, alguma forma de questionamento de que a Administração Pública seja gerível como são as empresas privadas.

Explicitando esses limites, prossegue:

Em primeiro lugar, a Administração é um complemento da política; ou seja, é actividade pública, que significa, até etimologicamente (administrar: ad minus, trahere), trazer ao pormenor, à prática, objectivos e estratégias definidas pela política. O gestor empresarial é, ao invés, um criador sob a sua própria responsabilidade. O administrador é heterónomo e dependente, o gestor autónomo é (em parte ao menos) independente. Em segundo lugar, a Administração Pública constitui um megassistema: as empresas mesmo quando grandes, nascem com uma certa lógica de microssistema, ainda que se possam articular e ainda que possam, como grandes grupos empresariais, chegar hoje a ser megassistemas (multinacionais, nomeadamente). Em terceiro lugar, a Administração Pública tem as características (e não está provado que no seu conjunto e para a generalidade das instituições que a constituem analiticamente possa deixar de ter) de um sistema de tipo legislativo – burocrático, para usar a qualificação de Max Weber. A empresa, por definição, é um outro tipo de organização. A organização legislativa democrática está dominada pelo princípio da legalidade, assenta na lei executada ou aplicada, em regra segundo princípios de hierarquia, e um e outro significam (de acordo com uma interpretação que não pode ser levada ao extremo do legalismo e do formalismo, mas que na realidade pode ser formulada assim, com esta crueza), que o administrador (público) não pode fazer nada senão com base na lei, enquanto que o gestor

16 (privado) pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Enquanto não formos capazes de resolver estas antinomias, penso que temos claramente aqui dois mundos, dois tipos de actuação, e uma Administração que pode importar elementos de gestão, mas que nunca chegará a ser, no seu conjunto, gestora ela própria (Franco, 1992: 76-77).

Esta qualificação da Administração Pública como um megassistema parece ser partilhada por Araújo quando, na sua tese Gestão Pública em Portugal: Mudança e Persistência Institucional, escreve “Assim, podemos concluir que a evolução da DGI e da DGRSS produziu um conjunto de crenças, códigos, rotinas e conhecimento que moldou as escolhas e preferências da reforma. Neste sentido, pode afirmar-se que as direcções-gerais foram ’institucionalizadas’. Elas são um subconjunto da grande ‘instituição’ que é o Sistema Administrativo Português” ( 2002b: 253). O trabalho de investigação realizado pelo autor incidiu aliás sobre direcções-gerais que haviam sido objecto de processos de fusão e em que a sobrevivência de crenças, códigos, rotinas e conhecimento detidos pelas antigas estruturas limitaram a integração. Tanto a Direcção-Geral da Indústria (DGI) como a Direcção-Geral dos Regimes da Segurança Social (DGRSS) constituíam à data o resultado de sucessivos processos de criação / fusão e extinção de Direcções-Gerais (a primeira ainda sem Lei Orgânica, aplicando-se as antigas leis das três Direcções-Gerais fundidas, a segunda já com lei orgânica), vistos como normais em caso de mudança de Governo, tendo sido afirmado no caso da segunda que “Não houve mistura de pessoas porque elas permaneceram no mesmo bloco” (Araújo, idem: 104-166).

Colocando-se, tal como Franco, numa perspectiva jurídica, também Pitschas sublinha a necessidade de subordinação da gestão à lei:

Nos países da Europa continental, a gestão obediente a regras e a uma hierarquia continua a ser um elemento essencial das acções públicas. É por isso que, na Alemanha e na maioria dos Estados-Membros da União Europeia, a ligação da administração pública ao Estado de direito é essencial. O sistema jurídico tem precedência sobre a ‘ordem funcional’. O controlo do sistema é assegurado através da sua ligação à lei, de acordo com o bem público e comum. A gestão administrativa (‘gestão pública’) significa nessa acepção, uma gestão para o bem público e comum. O autor chama aliás à colação as noções de “serviço público” e de “interesse público”: “devem consagrar-se os principais esforços ao desenvolvimento de um ‘serviço público’ que tenha como principal interesse a criação e salvaguarda de uma democracia social, com o seu interesse público, num Estado de direito” (Pitschas, 2007: 61- 63). Passamos a examinar essas noções.

17 1.2. Serviço público e interesse público.

O único ponto em que os autores que escrevem sobre as noções de serviço público e interesse público parecem convergir é o de que se trata de noções sujeitas a evolução, não só em função do decurso do tempo mas também em função das propostas sobre a reforma do Estado e da Administração, conforme mostra Peters (Quadro 1.1.). No elenco destas propostas, há inclusive concepções “abolicionistas” sobre o “interesse público”, por exemplo as que defendem a aplicação de mecanismos de mercado à actividade da Administração Pública. Nas que não perfilham o abolicionismo, há diferentes concepções sobre o que é serviço público e interesse público, e sobre quem tem capacidade para os definir.

Em artigo publicado na Revista Portuguesa de Administração e Políticas Públicas com o título “O paradigma do serviço público: Crise do conceito?” Rodrigues e Correia situam o surgimento da noção de serviço na França do Século XIX, onde, existindo um Direito Administrativo distinto do direito comum (o que não sucede nos países de tradição jurídica anglo-saxónica) foi necessário utilizar o conceito de serviço público para delimitar a competência dos tribunais. Em Portugal, Caetano e Amaral ter-se-iam inclinado para a identificação entre serviço público e serviço administrativo (Administração Pública no sentido subjectivo), embora incluindo no serviço público a actividade das concessionárias. Apoiando-se em Chevalier (2006), os autores afirmam que a análise das características do serviço público reenvia para três elementos essenciais: o fim que visa prosseguir (dimensão política), as regras que regulam a prossecução da finalidade (dimensão jurídica) e a entidade social que suporta as regras institucionais para desenvolver a actividade (dimensão institucional). Quanto ao interesse público, explicam que:

A prossecução deste não é um conceito absoluto, nem pode ser definido de forma rígida e, por isso mesmo, se trata de uma noção que tende a ser explicada à luz do entendimento que se faz, em cada caso contexto, da relação entre o Estado – Administração e a sociedade. Deste modo, aquilo que ontem foi considerado conforme ao interesse público, pode hoje ser-lhe contrário…a Administração Pública actua a coberto de um poder representativo, podendo ser expressa de duas formas diferentes, no modo de conceber a relação Estado – Sociedade: a) Por um lado pode conceber-se como interesse público algo que é diferente da soma dos interesses privados e cuja determinação, em alguns casos, é da própria responsabilidade da Administração; b) Por outro o interesse geral ou interesse colectivo, resulta da conjugação dos interesses privados, que por sua vez, dá lugar a uma relação de cooperação entre o Estado e a sociedade podendo conduzir, no limite ao interesse público (Rodrigues e Correia, 2001: 34-47). Mozzicafreddo admite a mutabilidade do interesse público (“Digamos, a título de metáfora, que o interesse público é como o amor, que muda segundo o tempo, o espaço e as circunstâncias. As alterações, quer do interesse público, quer do amor, resultam do sentir

18 e das expectativas dos indivíduos, numa dada época e das necessidades e possibilidades, divergentes e dinâmicas, que os mesmos experimentam e para o qual, financeira e emotivamente, contribuem”). No entanto, insiste, cabe ao Estado regular esta definição e as suas actualizações:

A concepção basilar do serviço público é que o Estado detém a competência vinculante na definição e do que é o serviço público e das características que o definem: acessibilidade, suporte financeiro, normas e procedimentos de aplicação, regularidade e qualidade dos mesmos. Mas essa competência do Estado na definição do que é um serviço público e de quais são as suas características, não indica que a execução ou a gestão dos serviços considerados públicos, sobretudo aqueles que não são essenciais a preservação do núcleo duro do interesse público não sejam reformulados nas suas diferentes modalidades de execução ou de produção, isto é, da gestão delegada ou contratualizada, sendo que os critérios de acessibilidade, regularidade, qualidade e financiamento complementar permaneçam regulados pelas instituições públicas…Previamente a essa competência vinculante e de formulação do serviço público está, por um lado, a reformulação de quais são as funções que devem ser serviço público, e, por outro, em que modalidade que é praticado. Naturalmente que um conjunto de funções que tem vindo a ser praticadas pelo Estado, tanto no financiamento, como na produção, podem não ser necessariamente as mesmas. Muitas delas foram já alteradas (Mozzicafreddo, 2007: 10-11 e 33-34).

É certo que o Estado ao definir o interesse público procura concretizar a visão de boa sociedade aceite em cada período. O interesse público (…) era equacionado, nesta época [século XIX] como um padrão organizativo resultante da confrontação dos interesses particulares, por contraposição à ideia de o interesse público ser assumido como a multiplicação das actividades de regulação, por parte do poder político e, assim, foi definido como tendo uma posição de exterioridades em relação aos interesses particulares da sociedade. Todavia, no contexto do problema da delimitação do interesse público que nos ocupa actualmente, é a partir do Estado que a sociedade se torna inteligível e decifrável: a esfera privada e a esfera pública são o quadro de referência no qual, num momento dado, o interesse público vai sendo definido e alterado, configurando o papel do Estado na sociedade. Foi este processo que, a partir do final do século XIX, a ideia do que era ou devia ser o interesse público, nas sociedades europeias, vai tomando forma. Quando se diz que é a partir do Estado que a sociedade se torna inteligível, isto significa que o Estado materializa, num momento dado, o que se reconhece, na formulação de Giddens, como a good society, enquanto filosofia política de organização da sociedade e não se trata apenas da carta constitucional, num momento dado, mas da evolução do que se entende e pretende como sociedade…Actualmente, e de maneira diferente do que se entendia anteriormente como boa sociedade, o interesse público diz respeito a definição do nosso património colectivo e de como podemos ou devemos afectá-lo, equilibrando os princípios de equidade e de justiça social (caminho feito pela ideia de solidariedade, estrutural à good society do século XX, no

19 desenvolvimento do estado-providência) e de desenvolvimento económico da sociedade. A coincidência entre o bem-estar individual e o colectivo pode ser visto, hoje, como o critério que define, ainda a este nível abstracto da dimensão sistémica, o que é a boa sociedade (Mozzicafreddo, idem: 22-23).

Na apresentação de Rodrigues e Correia, já referida, contrapõem-se um processo de definição de um interesse público que pode conduzir a uma definição diferente da que resultaria da mera consideração de interesses privados, definição essa que poderia ser imposta pela própria Administração Pública (ou, em rigor, pelos órgãos de soberania competentes em cada momento, incluindo os tribunais) e um processo de definição de um interesse geral ou colectivo que resultaria da conjugação de interesses individuais. Tal contraposição corresponde à distinção feita por March e Olsen no seu Rediscovering Institutions. The Organizational Basis of Politics entre construção de instituições por um processo imperativo e por um processo agregativo, processos que tendem a alternar historicamente mas não se confundem (March e Olsen, 1989: 117-142).

No tricentenário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau cabe recordar a linha de abordagem do seu Contrato Social: existe um interesse geral distinto dos interesses individuais, o recurso à democracia directa (Rousseau desconfiava da democracia representativa) permite que cada um exprima não o seu interesse individual mas a sua opinião sobre qual é o interesse geral, que é apurado por maioria, assumindo-se que a minoria se enganou, ou seja, o processo da definição do denominado interesse geral é de facto imperativo apesar de uma aparência agregativa (Rousseau, 1968). O filósofo foi criticado mais tarde de um ponto de vista marxista (os interesses individuais podem ser contraditórios e até antagónicos, pois a sociedade não é composta por pequenos proprietários independentes) e também pelos defensores do parlamentarismo, mas o estudo das regras de votação por Arrow retirou credibilidade aos processos de decisão em democracia estabelecendo a impossibilidade matemática de encontrar uma regra de escolha social a partir da ordenação das preferências dos indivíduos, caso se pretenda que estas obedeçam a um certo conjunto de condições, entre as quais o Princípio de Pareto, que estabelece que se toda a gente prefere uma alternativa a outra, então a sociedade também prefere a primeira à segunda (Arrow, 1978: 77-106).

Por nós, aderimos à que julgamos ser a visão de Mozzicafreddo: a definição do interesse público por forma a reflectir a visão partilhada pela sociedade no seu conjunto, uma gestão adequada da conflitualidade e do diálogo social por forma a permitir a actualização e a reelaboração da definição, o envolvimento dos cientistas políticos na procura das melhores soluções numa perspectiva de equidade. Certamente não por acaso tanto aquele autor, que é da opinião de que uma modernização das funções do Estado e da

20 reforma da administração necessita de uma forte legitimação e de um reconhecimento público da sua razão” (Mozzicafreddo, ibidem: 9), como Pitschas, no texto que temos vindo a citar, remetem para John Rawls.

Resta confrontar a noção de interesse público com a de interesse nacional, por um lado, e com a de interesse do Estado, por outro, e examinar a questão da intervenção de dirigentes e funcionários na interpretação do interesse público.

O interesse nacional é muitas vezes invocado a propósito da salvaguarda de interesses políticos, económicos ou culturais do País no seu conjunto num contexto de relações internacionais, e também no debate político, aí geralmente em contraposição com interesses “particulares” ou “partidários”. Quando surge na legislação apresenta-se como um conceito indeterminado2.

Quanto à não identificação entre interesse público e interesse do Estado, sustentada por Mozzicafreddo (ibidem:35) sempre foi admitido pelo próprio Direito que em certas circunstâncias o Estado se apresenta em igualdade de circunstâncias com os particulares, por exemplo quando está em causa a aquisição, administração e alienação de bens que devam integrar o seu domínio privado, não sendo necessariamente o interesse do Estado interesse público. Sucede até que por vezes o interesse do Estado é sacrificado ao interesse público. Desde a aprovação do Código do Procedimento Administrativo que, em