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DESENVOLVIMENTO DA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA.

1.6. O papel das elites.

Para que as elites não apareçam como um deus ex machina nos processos de reforma da administração pública e seja inteligível a composição e o papel das decision – making elites do modelo Pollitt - Bouckaert socorrer-nos-emos dos trabalhos de alguns autores que procuram delimitar e operacionalizar o conceito de elite.

Para Highley e Burton:

As elites políticas são constituídas pelas várias centenas ou vários milhares de pessoas – dependendo do tamanho do país e do nível de desenvolvimento económico – que ocupam posições de topo em organizações ou movimentos poderosos, devido à sua discussão ou por qualquer outro motivo, e que participam ou influenciam directamente os processos políticos de decisão. Definidas desta forma, as elites políticas incluem não apenas a “elite do poder” dos empresários de topo, governantes e líderes militares, mas também aqueles que possuem posição de destaque em partidos, associações profissionais, sindicatos, meios de comunicação

43 social, grupos de interesses, movimentos sociopolíticos e organizações, religiosas ou de qualquer outra natureza, que detenham poder e sejam hierarquicamente estruturadas. É plausível presumir que todas estas pessoas participam ou influenciam directamente os processos políticos de decisão, ainda que algumas o façam sobretudo através do bloqueio ou oposição às decisões. Simplificando, as elites políticas são formadas por aquelas pessoas que possuem a capacidade organizada de causar verdadeiras perturbações políticas…O futuro da democracia, nos países em que esta já existe, depende da manutenção de um tipo consensualmente unificado de elite política (Highley and Burton, 2003: 280).

Trata-se de um conceito muito amplo de elite, aliás os autores acabam por concluir que o processo de alargamento e consensualização das elites é prejudicado pelo excesso de participantes e movimentos. Da definição apresentada retira Lopes a conclusão de que “as elites seriam compostas por todas as pessoas que participam nos processos de tomada de decisões políticas ou que os influenciam directamente, incluindo as que se especializaram no seu bloqueamento” (Lopes, 2003: 295). A conclusão será talvez excessiva, mas necessita-se manifestamente de um conceito mais operacional.

No seu Nacionalizações e Privatizações, Elites e cultura política na história recente de Portugal, Viegas toma por base de trabalho uma definição de Etzione-Havely:

Elite é simplesmente um grupo de pessoas que possui poder e influência – e que, portanto, tem um substancial impacte no processo político – que assenta no facto de deter uma diversidade de recursos, incluindo coercivos e/ou materiais e/ou organizacionais e/ou políticos (isto é, apoio popular) e/ou simbólicos, bem como combinações destes recursos (tais como controlo sobre nomeações para cargos lucrativos e promoções em poderosas e prestigiadas instituições). A autora citada distinguiria assim nas sociedades ocidentais, a elite governamental e não governamental, a elite política partidária, a elite sindical, a elite económica, a elite dos media, a elite intelectual-académica e a elite burocrática.

Afirma ainda Viegas:

Muito embora a luta política pareça, em muitas situações, circunscrever-se às elites deve ter-se em atenção que esse protagonismo deriva, em grande parte, da sua capacidade de representação de universos simbólicos e de interesses materiais, que foram gerados num contexto social mais amplo. Por outro, convém não esquecer que nas grandes transformações políticas e, mesmo, em muitas lutas sociais localizadas, o protagonismo directo dos diversos grupos sociais, que não somente das elites, se torna visível e saliente.

Contudo, as elites não são, para este autor, meros representantes mecânicos dos interesses sociais:

…a posse de recursos e as condições de liderança que definem as elites, possibilitam que estas reelaborem simbolicamente os interesses que representa e actuem socialmente com algum grau de autonomia…não só é de admitir que que as elites produzam novos sentidos de actuação e estes venham a ser disseminados socialmente, como possam surgir contradições

44 entre as elites e os segmentos ou organizações sociais que supostamente lideram ou representam.

Estas contradições “poderão resultar, mas não necessariamente, do facto de as elites terem elas próprias, interesses específicos”.

No plano operativo as elites, segundo o autor, não intervêm nos mesmos campos: A intervenção política das elites não estritamente políticas tende a circunscrever-se ao campo social, económico ou cultural que representam ou no qual assentam os seus recursos mais salientes. Em contraposição, as elites políticas apontam para uma intervenção global na sociedade. A distinção feita não é meramente formal e tem implicações na pesquisa empírica. De facto, ao considerarmos uma dada dimensão da cultura política teremos de reconhecer que os problemas políticos daí decorrentes não se apresentam com o mesmo grau de importância e pertinência para todos os segmentos das elites não políticas. No caso vertente, em que se está a considerar a intervenção do Estado na economia, interessará isolar os segmentos das elites mais directamente implicados nesse processo, para além, obviamente, da totalidade das elites estritamente políticas (Viegas, 1996: 27-29).

As precisões introduzidas por Viegas podem ser aplicadas por analogia às decision - making elites do modelo Pollitt – Bouckaert, ou, pelo menos, não nos parece que este as exclua (Pollitt e Bouckaert, 2004: 36-37). Tal como veremos surgindo – anteriormente à formação de um governo ou estando este já em funções – uma ideia política que poderá conduzir a um processo de mudança geral ou sectorial na Administração Pública (ou até uma necessidade política à qual se pretenda dar resposta sem existir à partida uma ideia definida) os membros ou o núcleo do Governo responsável em concreto decidem apelar para aqueles cuja opinião, para efeitos daquela concreta ideia ou necessidade, possa ser relevante para ajuizar se, ponderados todos os demais objectivos que a Administração tem de assegurar e as restrições que tem de acatar, é desejável e exequível desenvolver uma actuação.

Para este efeito interessa ouvir sobretudo quem detenha capacidade de estudo ou aconselhamento e/ou que possa vir a dar uma caução técnica, moral ou política à decisão de actuar e não esteja institucional ou profissionalmente interessado em bloqueá-la. O que pode envolver o pedido de colaboração de dirigentes dos serviços, sobretudo aos que detenham informação ou qualificações especialmente relevantes ainda que se não situem na área política do governo em funções, aliás Teixeira mostrou que essa função de aconselhamento é muitas vezes solicitada e suscita diferentes reacções entre os dirigentes de topo (Teixeira, 2009: 162-197). Ou de ex-membros do Governo, deputados individualmente considerados, líderes de opinião. Ou ainda de especialistas reputados, consultores ou escritórios de advogados. A audição pode ser feita de forma directa e individual ou passar pela constituição de comissão ou grupo de trabalho que elabore

45 relatórios e livros brancos ou até de uma estrutura temporária da Administração Publica (estrutura de missão ou de projecto) e aí teremos um processo de decisão que faz desta constituição uma forma de legitimação.

É importante perceber que só se poderá falar de decision – making elites quando estiverem envolvidos no processo todos os decisores políticos que poderão assegurar a concretização da tomada de decisão. Em certas decisões, bastará conseguir a neutralidade ou mais exactamente a assinatura de membros do Governo e de deputados que assegurem a passagem do projecto de decisão sem terem de se empenhar pessoalmente na sua concretização. Diferentes serão os casos, como veremos, de Relatórios como o Renovar a Administração, da Comissão para a Racionalização e Qualidade na Administração Pública constituída sob Cavaco Silva, o do ECORDEP, e o da estrutura de missão para o acompanhamento da reforma da administração pública presidida por João de Deus Pinheiro e depois por Manuel Lencastre, transformado este último em anexo à Resolução do Conselho de Ministros do Governo Durão Barroso. Na medida em que se tornava necessário um envolvimento sustentado de múltiplos decisores nas soluções aí aventadas, e que o tempo político se esgotou, estes exercícios de participação das elites no processo de decisão não tiveram, pelo menos no imediato, efectivas consequências.

1.7. Necessidade de uma abordagem global, rigorosa e não comprometida dos